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A transformação no papel de conselheiros e diretores
O escopo de responsabilidades dos administradores mudou de forma significativa nos últimos anos — e, em breve, a reforma na Lei das S.As. poderá despertar uma onda de litígios contra eles
responsabilidade de administradores, A transformação no papel de conselheiros e diretores, Capital Aberto
O Projeto de Lei 2925 potencializa a abertura de processos judiciais contra administradores de companhias

A forma como as organizações empresariais são dirigidas e monitoradas mudou significativamente nas últimas duas décadas. Os escândalos corporativos do início dos anos 2000 foram a pedra fundamental de uma cultura baseada em controles internos que vem sendo alargada desde então por uma série de movimentos socioeconômicos. Como resultado, o escopo de deveres e responsabilidades dos diretores e conselheiros ganhou novos contornos, tornando insuficientes — e, em certos casos, inaceitáveis — práticas e condutas que eram usuais não muito tempo atrás.  


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Para completar esse quadro, o Projeto de Lei 2925, ao ampliar os instrumentos disponíveis na Lei das S.As. para investidores buscarem reparação de danos, potencializa a abertura de processos judiciais contra administradores de companhias. Nesta entrevista, os advogados Pablo Renteria, sócio de Renteria Advogados e ex-diretor da CVM, e Richard Blanchet, sócio de Blanchet Advogados, analisam os aspectos que vêm transformando o papel dos administradores e os desafios que se apresentam, tanto no espectro da governança como legislativo, para adaptação a este novo ambiente. 

CAPITAL ABERTO: A responsabilidade dos administradores no Brasil é diferente hoje do que existia alguns anos atrás?  

Richard Blanchet: Os deveres e responsabilidade dos administradores são os mesmos desde a edição da Lei nº 6.404/76: diligência, lealdade, ausência de conflito de interesses, finalidade das atribuições e, no caso das companhias de capital aberto, informar. Mas a forma como esses deveres são lidos e interpretados mudou, acompanhando a evolução da sociedade e das técnicas de administração. 

CAPITAL ABERTO: Quais foram os vetores dessa mudança?  

Richard Blanchet: De forma resumida, diria que existiram três ondas bem marcadas. Os escândalos corporativos da década de 2000 (que, infelizmente, ainda se repetem) impactaram a cultura dos controles internos e da gestão de riscos, cuja genuína implementação passa a ser sinônimo de cumprimento do dever de diligência em relação à atribuição de vigiar e monitorar. A Lava Jato e o mensalão impulsionaram, no Brasil, os programas de compliance e integridade, já com uma elevação no status da ética. E, por fim, a conjuntura de pandemia, guerra na Europa, crescimento das desigualdades, maior consciência para questões como racismo, situações análogas a trabalho escravo, assédio sexual ou moral, saúde mental, pensamento das novas gerações, dentre outros fatores socioeconômicos, acelerou a transição do capitalismo de shareholders para o de stakeholders e o crescimento da demanda ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). Essas mudanças impactaram a forma como as organizações são dirigidas e monitoradas e, por consequência, a responsabilidade dos administradores. 

CAPITAL ABERTO: Os administradores estão prontos no Brasil para enfrentar a contemporaneidade de suas responsabilidades?  

Richard Blanchet: Estamos evoluindo, mas ainda há uma certa incompreensão sobre como esta contemporaneidade afeta o tema da responsabilidade dos administradores. A necessidade de sobreviver, de buscar resultados positivos financeiros, alguma descrença nas transformações em curso, dentre outros fatores, ainda afetam a capacidade de alguns administradores de enxergarem que a forma como se administrava as organizações no passado pode não ser mais suficiente para se comprovar o cumprimento de seus deveres fiduciários. 

CAPITAL ABERTO: Essas mudanças impactam de forma diferente os conselheiros e diretores?  

Richard Blanchet: Não diria que afetam de forma diferente. As mulheres e homens que estão na diretoria e nos conselhos devem atuar de forma diligente, leal, sem conflito de interesses e no melhor interesse da companhia, mas o que se tem é uma visão cada vez mais clara do papel de cada agente da governança. Não posso julgar um conselheiro da mesma forma que julgo um diretor estatutário, porque há uma assimetria de informações entre os que exercem um papel de direcionamento estratégico e vigilância e os que estão à frente da gestão dos negócios. Mas fora essa questão de foco, todos foram impactados de igual forma. 

CAPITAL ABERTO: A preocupação com a sustentabilidade consolida-se a cada ano, mas também existem os movimentos contrários a essa tendência, representados pelos fundos apelidados de anti-ESG. Tendo essa divisão como pano de fundo, qual o dever de diligência do administrador atualmente?  

Richard Blanchet: A sociedade nunca evolui de forma linear. É natural que haja reações contrárias a qualquer movimento que rompa com padrões antes aceitos — não foi diferente na revolução industrial, com as condições desumanas de trabalho da época, ou na ampliação do espaço das mulheres, dentre outros marcos de nossa sociedade. Entre idas e vindas, a evolução é inexorável. Não acredito que a agenda anti-ESG vá prosperar, porque seria tentar barrar o rumo da história, mas ela é importante para alertar os administradores de que a busca pela pauta ESG tem como foco a sustentabilidade, inclusive financeira, dos negócios. Ou seja, não é um fim em si mesmo, mas sim o desejo de se ter uma companhia mais ética, forte, resiliente, com propósito claro e visão estratégica, que consiga atrair, reter e engajar seus colaboradores e demais stakeholders. Tudo isso impõe aos administradores uma atuação condizente com a nova realidade. 

CAPITAL ABERTO: Mais especificamente, o dever de vigiar dos administradores também vem mudando ao longo do tempo? De que forma? 

Pablo Renteria: Inicialmente, o dever de vigiar se limitava ao dever do administrador de responder de forma adequada aos sinais de alerta (as tais “red flags”) a respeito de possíveis irregularidades dentro da companhia. A partir da década de 2000, o dever de vigiar se desdobrou em duas facetas: de um lado, o dever de reagir aos sinais de alerta e, de outro, o dever de instituir controles internos para que a administração esteja em condição de monitorar os principais riscos das operações da companhia. Sem que haja controles e fluxos informacionais adequados, a administração não consegue saber o que está acontecendo dentro da companhia e nem tomar as decisões adequadas para prevenir ou remediar riscos importantes para a atividade empresarial. Atualmente, o principal debate diz respeito ao alcance desse dever de monitoramento por meio de controles internos, que tende a ser alargado para alcançar riscos de compliance legal, bem como riscos negociais, além de temas da agenda ESG. 

CAPITAL ABERTO: Então essa mudança expõe os administradores a novos riscos. Quais são eles? 

Pablo Renteria: Esse alargamento do monitoramento coloca um ônus maior sobre os diretores e conselheiros na medida que exige deles uma maior atenção com a instituição e o acompanhamento dos controles internos existentes dentro da companhia. Também cria um risco maior de questionamento, porque, quando vem à tona algum problema grave, há uma tendência intuitiva, ainda que injusta, de logo se querer concluir que o problema poderia ter sido evitado se os controles fossem melhores. Esse é a meu ver o maior perigo. É o chamado viés retrospectivo: quem julga o administrador olha pelo retrovisor do tempo e, com base em informações que não estavam disponíveis no tempo dos fatos, tende a achar, por um vício de raciocínio, que o administrador poderia ter evitado o problema se tivesse sido mais diligente.    

CAPITAL ABERTO: Os administradores estão, no seu ponto de vista, trilhando o caminho certo para inclusão da agenda ESG no escopo do dever de vigiar?  

Pablo Renteria: É natural que, à medida que se tornem mais importantes em nossa sociedade, os riscos associados à agenda ESG ganhem maior espaço dentro do monitoramento desempenhado pelos administradores. No entanto, é necessário levar em consideração que os administradores dispõem de tempo e recursos limitados para monitorar as operações da companhia, de modo que, necessariamente, terão de priorizar os riscos que julguem mais severos para a continuidade e o desenvolvimento da empresa. 

  

CAPITAL ABERTO: O PL 2925, que altera a Lei das S.As. impacta de alguma forma a carga de responsabilidades dos administradores?  

Pablo Renteria: O PL 2925 cuida do aprimoramento dos instrumentos disponíveis para os investidores buscarem, no Judiciário ou por meio de arbitragem, a reparação de danos que tenham sofrido. É um projeto que aborda principalmente assuntos de natureza processual e não pretende alterar os deveres nem o regime de responsabilidades dos administradores e acionistas controladores tal como previstos hoje na Lei das S.As. Dito isso, pode-se entender que a aprovação do PL 2925 terá o efeito de aumentar o contencioso contra administradores e controladores, inclusive em casos relacionados ao dever de vigiar.  

CAPITAL ABERTO: Nosso arcabouço regulatório está preparado para enfrentar o provável aumento dos processos contra administradores? 

Pablo Renteria: Nos Estados-Unidos, em que o nível de litigância contra administradores é, de fato, maior, há, por outro lado, medidas disponíveis para protegê-los de uma exposição excessiva ao risco de responsabilização, como, por exemplo, a possibilidade de o estatuto social da companhia isentá-los de qualquer responsabilidade por danos decorrentes da violação ao dever de diligência. Acredito que, também no Brasil, uma ampliação dos meios de tutela indenizatória dos investidores deveria ser acompanhada de uma discussão equilibrada sobre o que se deveria fazer para proteger, em justa medida, os administradores e os controladores de um cenário de litigância excessiva. 

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