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Deve a companhia aberta indenizar danos por atos ilegais de administradores?
Debate é fomentado pelos exemplos das ações de classe, mas não há no Brasil o sistema de presunções do Direito americano
Colunista Nelson Eizirik

*Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio | Ilustração: Julia Padula

Há uma série de ações judiciais propostas por investidores contra companhias abertas brasileiras, no exterior e aqui, pleiteando indenizações por atos ilegais praticados por seus administradores, a maioria decorrente da Operação Lava Jato. Ora se alega danos causados por atos de corrupção, ora por informações falsas, incompletas ou enganosas sobre a real situação financeira da companhia. Algumas dessas ações de classe fora do País resultaram em acordos de significativo valor.

Os autores das ações judiciais invocam alguns princípios da teoria da “fraude no mercado” (“fraud on the market theory”), desenvolvida nos Estados Unidos, notadamente a partir do caso Basic Inc. v. Levinson, julgado pela Suprema Corte em 1988, e que se tornou um leading case.

Essa teoria, muito resumidamente, fundamenta-se nos seguintes pressupostos: em um mercado eficiente, as cotações das ações resultam do conjunto das informações disponíveis sobre a companhia; os investidores acreditam que tais cotações refletem a real situação da companhia. Assim, uma vez demonstrado que as informações prestadas foram falsas ou enganosas, presume-se a responsabilidade da companhia pelos danos causados aos investidores que negociaram as ações no período entre a sua divulgação e a sua correção. Pressupõe-se que negociavam acreditando na consistência de informações que posteriormente revelaram-se falsas.

Intenção fraudulenta

Um dos elementos essenciais para a aplicação da teoria é o “scienter”, a intenção do agente de enganar, fraudar ou manipular. O entendimento majoritário da jurisprudência é de que a companhia age com “scienter” quando um administrador seu atua com intenção fraudulenta. Ou seja, a responsabilidade da companhia decorre de ato ilegal de seu administrador. Trata-se de grande incentivo para as ações judiciais; a maioria das companhias apresenta controle diluído no mercado e os administradores não teriam condições de pagar as indenizações milionárias.

Ações de classe

A teoria é de especial relevância nas ações de classe, aquelas ajuizadas por uma coletividade de acionistas. Elas permitem a um grupo de pessoas que sofreram prejuízos da mesma natureza ajuizarem a medida em conjunto. A classe será representada por uma dessas pessoas, que atuará em defesa do interesse de todas — daí a “corrida” entre os advogados dos investidores para ver quem representará toda a classe.

A partir do caso Basic Inc. v. Levinson, facilitou-se a adesão à ação coletiva por parte de qualquer investidor que tenha negociado com ações da companhia, desde a divulgação da informação até a descoberta da fraude, na medida em que ele não necessita provar que o fez confiando na informação. Presume-se que ele negociou acreditando na veracidade das informações.

A utilização da ação de classe e da teoria da fraude no mercado tem se mostrado eficiente na reparação de danos causados a grandes grupos de investidores. Em geral essas ações são patrocinadas por escritórios de advocacia especializados, que reúnem diversas causas individuais e conduzem o processo sem qualquer ônus para os investidores. Na medida em que novos membros aderem à classe, o valor discutido aumenta, bem como a possibilidade de encerrar a disputa mediante acordo, o que ocorre na imensa maioria dos casos.

É uma opção atraente para os investidores, pois os honorários dos advogados serão cobrados como um percentual sobre a indenização obtida. Além de ser atraente para os escritórios de advocacia, há instituições financeiras que “bancam” as despesas da ação judicial, assim como um crescente mercado de seguros para os danos decorrentes de IPO, o chamado Posi (public offering securities insurance).


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Discussão sobre teoria da fraude

Por outro lado, há grande discussão na esfera acadêmica sobre as ações de classe baseadas na teoria da fraude no mercado. Argumenta-se que talvez fosse mais eficaz para a regulação do mercado de capitais que esses vultosos

recursos, ao invés de capturados pela “indústria de ações coletivas”, fossem direcionados para a SEC, agência encarregada da regulação do mercado americano. Ademais, critica-se a “circularidade” das indenizações: como a companhia deverá pagá-las, os acionistas que não ingressaram na Justiça serão indiretamente prejudicados.

No Brasil, o sistema é diferente

E entre nós? Existem várias ações judiciais e na esfera arbitral contra algumas importantes companhias abertas pleiteando danos que teriam sido causados aos investidores por informações incompletas ou enganosas, decorrentes da Operação Lava Jato. Se os investidores foram indenizados nos Estados Unidos, em acordos milionários, por que as companhias não os propõem aqui também? A razão é muito simples: trata-se de um sistema jurídico inteiramente diferente; as leis e os precedentes de lá aqui não se aplicam.

Nossa Lei das S.As. prevê um detalhado sistema de deveres do acionista controlador e dos administradores da companhia, disciplinando as medidas judiciais que podem ser propostas para responsabilizá-los por atos ilegais. Nada dispõe, porém, sobre a responsabilidade da companhia por atos ilegais dos administradores. Quando eles agem na forma da lei, atuam como órgãos da companhia, que se obriga por tais atos, o mesmo não ocorrendo quando atuam ilegalmente. Assim, em nosso sistema de Direito societário, não há previsão de ação judicial ou arbitral contra a companhia por informações falsas prestadas por seus administradores.

Caberia invocar as normas do Código Civil, quando já existe um sistema exaustivo na Lei das S.As. disciplinando as companhias? É discutível. Ainda que possível, deveria o autor da ação provar: o ato culposo ou doloso da companhia; que a divulgação e posterior correção de informações falsas causaram impacto na cotação das ações e afetaram suas decisões de investimento; que sofreu um dano certo e efetivo. Ou seja, deveria demonstrar o ato ilícito, o dano e o nexo causal entre eles.

Não há, entre nós, o sistema de presunções que existe no direito americano, o que torna difícil a aceitação da tese da responsabilidade das companhias abertas por atos ilegais de seus administradores.


*Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio


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