Compliance é uma das palavras de ordem neste momento no mundo empresarial. Sem dúvida, alcançar um estado de conformidade em relação às normas por meio de esforços sistemáticos para prevenir, detectar e responder a possíveis desvios de conduta é algo bem-vindo.
Contudo, estudos mostram que os resultados dessa verdadeira “corrida armamentista” de gastos crescentes com compliance têm se mostrado bastante insatisfatórios, além de frequentemente ocasionar fadiga e cinismo dos colaboradores em relação ao tema.
A raiz do problema está em um importante desequilíbrio: hoje fala-se muito sobre compliance e relativamente pouco sobre ética nas empresas. A principal distinção entre esses temas está na intenção por trás da ação. Enquanto o compliance representa um comportamento de conformidade em relação a uma determinação externa a fim de se evitar uma punição ou de se auferir uma recompensa, a ética representa uma motivação voluntária de fazer a coisa certa pelo simples desejo de se manter fiel a valores, princípios e normas de conduta que pautam nosso relacionamento com o mundo.
Como é impossível regrar tudo, a boa conduta vai muito além da mera conformidade com as normas. Logo, ao se promover a ética, tem-se automaticamente o compliance, enquanto nem sempre o foco no compliance assegurará comportamentos éticos. Em vez de criar uma mentalidade de marcação de caixinhas para satisfação de audiências externas, cabe às empresas incentivar seus colaboradores a serem eles próprios os responsáveis por refletir e agir com base no que deve ser o moralmente correto a fazer.
A ênfase estrita no compliance tem duas outras limitações importantes. A primeira é que as áreas de controle criadas por esses programas ficam quase sempre desconectadas da gestão diária da empresa, notadamente da alta administração. Isso faz com que essas áreas muitas vezes não possuam força política para coibir práticas questionáveis, principalmente quando são resultado de transgressões da própria alta direção.
A segunda é a mais grave: os programas de compliance têm como foco pegar as “maçãs podres”, isto é, as atitudes premeditadas e destruidoras de valor cometidas por pessoas mal-intencionadas. Eles pouco consideram, assim, os riscos associados a uma cultura tóxica — caracterizada por agressividade, pressão para resultados de curto prazo a qualquer custo, estresse e medo — criada pela própria empresa (o “risco do barril”).
Os programas de conformidade, portanto, têm como foco coibir a corrupção realizada à custa da empresa, e não a corrupção (ou outras práticas antiéticas) realizadas em favor da organização. Nos escândalos recentes de governança, por exemplo, a maioria dos transgressores justificou seu comportamento antiético usando o argumento de que estavam procurando proteger ou criar valor para suas empresas.
Em suma: embora necessária, quando aplicada na dose certa a ênfase no compliance não deve ser vista como uma panaceia. Na verdade, sem um sólido alicerce ético assegurado por líderes conscientes que tenham um conceito mais amplo de sucesso, investir em programas de conformidade será, frequentemente, o equivalente a enxugar gelo.
Cabe aos profissionais da área se dedicar mais à gestão da ética no âmbito da cultura organizacional do que aos formalismos dos programas de compliance. Paradoxalmente, quanto menos as empresas se concentrarem no cumprimento irrefletido das regras e mais na construção de uma cultura ética que proporcione segurança psicológica e desperte o melhor das pessoas, maior será o nível de “compliance” da organização.
*Prof. Dr. Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Direzione Consultoria e autor de Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.
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