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Repensando os litígios societários
Ao fazer críticas à regulação do mercado norte-americano, professor oferece sugestões oportunas de política legislativa para o mercado de capitais
Nelson Eizirik
Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio ‎| Ilustração: Julia Padula

O livro de Marc. I. Steinberg, professor de Direito da Southern Methodist University Dedman School of Law, intitulado Rethinking securities law (Repensando a legislação sobre mercado de capitais, em tradução livre), publicado em 2021, traz críticas contundentes ao sistema de regulação do mercado de capitais nos Estados Unidos. Para quem se dedica há muito ao assunto, surpreende ver tais críticas vindas de um autor bastante prolífico, principalmente pelo fato de o nosso sistema de regulação do mercado ter sido declaradamente inspirado na legislação federal norte-americana sobre “securities” (valores mobiliários). O autor, porém, não se limita a criticar, mas oferece sugestões de política legislativa bastante interessantes. 


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Segundo Steinberg, embora ainda seja louvável, o sistema de regulação do mercado de capitais nos EUA apresenta falhas significativas, que podem e devem ser corrigidas, principalmente mediante a ação do Congresso. Esse tema, aliás, foi analisado em outro livro seu, intitulado The federalization of corporate governance. Em suas sugestões, ele busca inspiração em outros modelos, como na legislação canadense e nas diretrizes da Comunidade Europeia.        

Falhas da SEC 

Alguns exemplos, aqui sumariamente elencados, são objeto de críticas e sugestões de reforma legislativa.  O modelo de “disclosure” é fundamentado na noção de “materiality” (relevância) das informações — em muitas situações, ambígua. Assim, a rígida regulamentação da Securities and Exchange Commission (SEC) falha ao não incluir informações que poderiam ser úteis para os investidores.  

A disciplina do “insider trading”, que constitui um dos crimes de colarinho branco mais duramente reprimido, é repleta de inconsistências e contradições, resultando muitas vezes em tratamento desigual a pessoas que agiram de maneira semelhante, devendo o Congresso, ao seu ver, promulgar uma lei a respeito, em substituição à regulamentação da SEC (a famosa “Rule 10 b-5”). Também deveria ser objeto de revisão o sistema de regulação das operações de fusões e aquisições (M&A), objeto de normas baixadas pelos estados e pela SEC, com vistas a facilitar a realização de tais operações e, ao mesmo tempo, conferir mais poderes aos acionistas das sociedades envolvidas para aprová-las ou rejeitá-las. 

Ações de classe                 

O capítulo sobre as ações judiciais propostas por investidores contra as companhias e seus administradores é, para nós que ora discutimos as ações de classe em matéria societária, particularmente interessante. É sabido que temos várias demandas em tribunais arbitrais — propostas por investidores individuais, grupos de investidores ou associações — contra companhias abertas pedindo indenização por perdas alegadamente decorrentes da prestação de informações falsas ou enganosas ao mercado. Em muitas delas, argumenta-se que as oscilações na cotação das ações teriam tido como causa a prestação de informações falsas, daí decorrendo a obrigação da companhia de indenizar os danos que os investidores alegam ter sofrido. 

Nos Estados Unidos, é usual o ingresso de investidores em ações de classe contra as companhias e seus administradores por perdas decorrentes de flutuações das cotações das ações causadas por prestação insuficiente, incorreta ou enganosa de informações. Raramente, contudo, tais demandas chegam a julgamento. Conforme referido pelo autor, em nota de pé de página, no período de 1997 a 2019, menos de 1% dos casos resultou em decisão final — os demais foram resolvidos mediante acordos.  

Steinberg não invectiva contra as ações de classe. Ao contrário, propõe medidas para facilitá-las, como, por exemplo, a eliminação da necessidade de o investidor provar que confiou nas informações ao comprar ou vender as ações (“reliance”). Algumas de suas sugestões podem, inclusive, ser úteis: tornar mais efetiva a responsabilidade de alguns “gatekeepers” — como a da instituição financeira “underwriter”, que deve revisar criticamente as informações, e a do auditor independente. Da mesma forma, ele aconselha distinguir, dentre os administradores, os responsáveis primários e secundários, tendo em vista as posições que ocupam. 

Teto e assembleia 

Particularmente interessantes, a meu ver, são as sugestões sobre um “cap” (teto) máximo para as indenizações e sobre a maior participação dos acionistas. Com relação à primeira, em casos em que a companhia não atuou dolosamente, Steinberg propõe um limite máximo fixo ou um percentual do valor de capitalização da sociedade, prevalecendo o maior deles. Isto porque, caso não haja seguro, os acionistas não litigantes é que “pagarão a conta”. A segunda proposta é que os acordos para pôr fim a tais demandas sejam necessariamente aprovados pelos acionistas em assembleia geral, abstendo-se de votar aqueles que têm interesse no acordo. Assim evita-se que tais decisões sejam tomadas apenas pelos administradores, muitas vezes também réus na demanda. 

Tais propostas podem ser inspirações para nós. A primeira demandaria alteração na lei societária para que a companhia pudesse ser responsabilizada por atos ilícitos dos administradores; em troca, haveria um limite máximo de perdas e danos a pagar, excepcionando-se o regime do Código Civil no que toca à indenização de prejuízos. A segunda dependeria apenas da introdução de regra no estatuto da companhia, prevendo que acordos em litígios com acionistas acima de um certo valor dependeriam de aprovação da assembleia geral. Assim, poderíamos conciliar as vantagens e desvantagens das ações de classe propostas por investidores contra companhias abertas. À luz do Projeto de Lei 2925, apresentado recentemente pelo Ministério da Fazenda com propostas de mudanças na Lei das S.As., o momento é oportuno para refletirmos a respeito. 

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