Discussões no meio jurídico parecem indicar como deverá ser o debate no Congresso Nacional sobre possíveis mudanças na Lei das S.As. O Projeto de Lei (PL) 2925, que visa fortalecer o sistema de enforcement societário brasileiro, foi recentemente encaminhado pelo governo à Câmara dos Deputados. Ainda que elogiado por aprimorar modelos de proteção a investidores e de reparação de danos causados por administradores e controladores, o texto contém pontos que, na visão dos advogados, necessitam ser calibrados. Do contrário, há riscos de a nova legislação, caso aprovada, acabar gerando uma onda de litígios no País ou de incorrer em excessos que podem trazer mais prejuízo do que vantagens ao acionista.
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É o caso da proposta de derrubar o sigilo dos processos de arbitragem, comumente usados para solucionar conflitos societários em empresas de capital aberto. Julio Fleichman, sócio do Fleichman Advogados, lembra que, por lei, a arbitragem não é confidencial — foi a prática que a tornou assim. “A publicização é bem relevante, até por uma questão de simetria de informações, um dos valores protegidos pela regulamentação”, afirmou, durante encontro do Legislação & Debates sobre mudanças na Lei das S.As., realizado na última semana.
Bernardo Freitas, do Freitas Ferraz Advogados, concorda que, em princípio, a quebra do sigilo é boa. A confidencialidade, argumenta, cria “um problema de assimetria gigantesco” entre acionistas envolvidos diretamente na arbitragem e os demais investidores. “O mercado acaba desconhecendo fatos que estão acontecendo na companhia e que envolvem controladores e administradores. Questões que, pelo simples fato de existirem, já poderiam influenciar na decisão do investidor de investir ou não na companhia”, disse Freitas.
Contudo, existe uma preocupação a respeito da dosagem dessas informações. O risco, segundo os especialistas, está na abertura de dados sigilosos e números estratégicos da companhia. “Se a informação é divulgada de forma muito ‘nua e crua’, em vez de beneficiar pode acabar prejudicando a companhia, o mercado e os acionistas. Esse é o maior desafio”, afirma Gyedre Carneiro de Oliveira, da Carneiro de Oliveira Advogados.
O advogado Vitor Biccas Massoli, do Nankran Mourão Brito Massoli, teme que a exposição do conflito arbitrário possa reverberar em queda no preço das ações da empresa e, consequentemente, no patrimônio do investidor. “Pode vir a ser uma perda bastante superior ao dano efetivamente discutido naquela demanda [de arbitragem]”, afirma.
O PL encaminhado ao Congresso dá à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a responsabilidade de decidir em quais casos de arbitragem o sigilo deverá ser mantido. “A CVM terá de pensar sobre essas situações com muito cuidado”, diz Gyedre.
Poder de polícia
A reforma na Lei das S.As também propõe a ampliação de poderes do regulador, que poderia acionar diretamente o Judiciário em pedidos de busca e apreensão, para auxiliar nas suas investigações. Atualmente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já usufrui dessa prerrogativa.
Ainda que chame de “iniciativa louvável” o fomento à atividade pré-sancionadora da CVM, Massoli lembra que a estrutura do órgão é enxuta e precisa de “braços” para que não haja perda de qualidade no trabalho da autarquia. “É importante que as atribuições da CVM estejam colocadas de forma clara na lei, mas também é preciso gente para dar efetividade à atividade pré-sancionadora”, diz Massoli.
Fleichman, por sua vez, diz ter preocupação com um excesso de poder. “Um dos dispositivos diz que a CVM pode realizar inspeção na sede social do estabelecimento, extrair cópias e documentos, o que precisa ser mais bem regulamentado”, defende. Na visão do advogado, a autarquia ganharia “poder de polícia”, abrindo um leque muito superior ao que possui hoje. “Eu fico com receio de que uma redação ampla [acerca desses poderes] possa fazer com que um órgão, de credibilidade imensa seja usado para instrumentalizar abusos que hoje não existem”, acrescenta Freitas.
Gyedre, por sua vez, acredita que a CVM estaria mais capacitada a entrar nas empresas e acessar informações que hoje são obtidas via atuação da Polícia Federal. “Em teoria, o regulador vai atrás do que realmente é importante”, diz a advogada. Na semana passada, o governo anunciou que vai abrir concurso público com 60 vagas para a CVM.
“A autarquia, necessariamente, vai precisar contratar para executar os poderes que ela passará a ter. São pessoas com pouco tempo de casa e sem treinamento para praticar esses atos, que tendem a ser mais de polícia, de executividade, do que a atividade que a CVM faz hoje. Isso me traz um receio de distorção”, diz Freitas. “A intenção é boa, mas temo que traga prejuízos ao mercado”.
Os parlamentares avançaram em pautas econômicas importantes, como a reforma tributária e a volta do voto de qualidade do Carf, e ainda precisam discutir o arcabouço fiscal. Mudanças na Lei das S.As podem não ser a prioridade agora, mas as propostas já estão na mesa. A revisão no percentual mínimo de capital social detido por investidores para instauração de procedimentos coletivos, de 5% para 2,5%, a proposta de elevar o prêmio pago ao autor da ação de 5% para 10%, e o risco de aplicação de normas do Código de Defesa do Consumidor em processos do mercado financeiro e de capitais são outros pontos da reforma que devem fomentar debates no Congresso e passar por ajustes finos. A discussão ainda não tem data para acontecer.
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