Após muita expectativa e seguindo a tendência mundial de maior transparência na divulgação de informações relacionadas aos aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução nº 59/21. A norma estabelece que as companhias abertas divulguem, no formulário de referência, dados referentes às suas práticas ESG, com base no formato “pratique ou explique”. Ou seja, caso a empresa não adote determinada prática deve justificar sua decisão.
A agenda ESG está inserida em um contexto de profunda transformação cultural, econômica, tecnológica e socioambiental, e a sua adoção, ainda que sujeita a ajustes de percurso, é irreversível. Deve-se reconhecer, contudo, que a sociedade não evolui de forma linear, dando espaço para oportunismos e desvios, em que o discurso nem sempre é acompanhado da prática — o que explica a disseminação do greenwashing, tokenismo e socialwashing, apenas para citar alguns exemplos. Embora essa realidade não invalide a mudança em curso, ela reforça a necessidade de avançarmos ainda mais na agenda ESG.
É neste contexto que surge a Resolução 59, que, ao alterar o conteúdo que deve ser divulgado pelas companhias anualmente em seu formulário de referência: (i) segregou o risco social dos riscos ambientais e climáticos, (ii) ampliou o conceito de política ambiental para uma política de conformidade ambiental, social e de governança corporativa, (iii) reduziu o excessivo foco na situação econômico-financeira, (iv) aumentou a visibilidade sobre casos de fraude e corrupção, e (v) ampliou consideravelmente o universo de informações a serem divulgadas pelas empresas em relação às suas práticas ESG.
Apesar de a norma ter sido alvo de algumas críticas — dentre elas, a de que deveria ser mais prescritiva, como a regulamentação imposta pelo Banco Central1, e mais abrangente em relação ao aspecto social —, o fato é que o caráter orientativo da Resolução 59 não diminui a sua importância e nem a necessidade de as companhias de se prepararem para adotá-la. A regra está prevista para entrar em vigor em 2023, mas as informações que precisarão ser reportadas farão referência a dados e fatos relativos a 2022 e anos anteriores.
Confira abaixo alguns dos principais pontos de atenção da Resolução 59.
Relatório, métricas e indicadores
É certo que não se atinge uma mentalidade ESG apenas com a adoção de relatórios, métricas e indicadores. Porém, é inegável a importância desses elementos como direcionadores de uma mudança a longo prazo. Um desafio enfrentado pelas companhias é a ausência de uma métrica ou padrão global2, o que dificulta a capacidade de investidores e demais stakeholders (partes interessadas) de mensurarem a adesão de uma determinada empresa às melhores práticas ESG.
Embora a CVM tenha aprovado o CPC-09, com orientações sobre a elaboração e divulgação do relato integrado3 pelas companhias abertas, o relatório de sustentabilidade, elaborado essencialmente com base nas recomendações do Global Reporting Initiative (GRI), continua sendo a fonte mais utilizada pelas empresas para divulgação de informações sobre sustentabilidade corporativa. Outras fontes, no entanto, podem e são comumente adotadas — seja de forma isolada ou combinada —, tais como: ISSB, SASB, TCFD, SLP, ISE, Anbima, Bacen, dentre outras.
Acerta, portanto, a CVM ao não impor um padrão de relatório — o próprio mercado se encarregará de buscá-lo. Mais importante do que o formato desse documento em si, é o seu conteúdo, o que demanda das companhias: (i) a identificação das fontes que melhor se adequam à sua realidade (porte, setor de atuação, estágio de desenvolvimento); (ii) a seleção, com base na matriz de materialidade aplicada ao seu negócio, das métricas e indicadores que nortearão as suas ações; (iii) o mapeamento dos gaps existentes e (iv) a definição e implementação de um plano de ação mensurável.
Ao se debruçarem sobre as métricas e os indicadores, é importante que as empresas mostrem um maior e efetivo comprometimento com a pauta social, incluindo, mas não se limitando à diversidade e inclusão. O assunto foi expressamente tratado pela Resolução 59, mediante o aumento das exigências de divulgação das informações sobre a representatividade dos diversos pilares da diversidade, não apenas na companhia, como também nos órgãos de administração.
ODS e TCFD
Chama a atenção também o fato da Resolução 59 ter mencionado expressamente os ODS (Objetivos de desenvolvimento sustentável) da ONU e a TCFD (Força-tarefa para divulgações financeiras relacionadas às mudanças climáticas) como fontes a serem consideradas na elaboração do relatório e definição dos indicadores-chave.
Os ODS são a base de inspiração da própria agenda ESG, sendo natural e recomendável que as companhias selecionem os objetivos mais relevantes para o seu negócio e, a partir deles, definam o conjunto de métricas e indicadores a serem perseguidos, divulgados e auditados. O relatório do Fórum Econômico Mundial4 sobre ESG é um excelente exemplo do uso dessa metodologia.
Já a TCFD é base obrigatória no cumprimento da pauta ambiental e climática. É importante, no entanto, que as empresas não se esqueçam que a agenda ESG vai muito além da preservação do meio ambiente. A própria Resolução 59 é clara ao chamar a atenção para o aspecto social, inclusive substituindo a antiga expressão socioambiental, por social, ambiental e climático, jogando luz em cada um desses pilares.
Isso sem falar na contínua necessidade de estruturação de uma robusta estrutura de governança corporativa, sem a qual o “E” e o “S” não têm como prosperar.
Remuneração dos administradores
A vinculação de uma parte da remuneração dos administradores ao alcance das metas ESG também está no centro das discussões globais. Trata-se de importante ferramenta na busca de melhores práticas.
É preciso evitar, contudo, que metas irrisórias, genéricas, não alinhadas à estratégia da companhia ou cujo atingimento esteja atrelado a percentuais ínfimos da remuneração, tornem a vinculação acima mencionada meramente decorativa ou até mesmo indutora de comportamentos não desejados.
Outro aspecto que merece reflexão é a necessidade ou não de que parte da remuneração dos membros do conselho de administração esteja atrelada ao alcance de métricas ESG.
O começo de uma jornada
Diante do exposto acima, enxergamos a Resolução 59 como mais um elemento que amplifica a agenda ESG e a função social das companhias. O seu formato orientativo não diminui a sua importância — muito pelo contrário, representa uma excelente oportunidade para que as empresas comuniquem ao mercado, de maneira compreensiva, honesta e eficaz, as suas iniciativas e compromissos com a pauta ESG. Caberá às lideranças empresariais o dever de genuinamente liderar, de forma ética e efetiva, a necessária transformação cultural na jornada ESG. Não há mais espaço para desvios e oportunismos.
Richard Blanchet é sócio sênior do Blanchet Advogados, conselheiro certificado pelo IBGC (CCA+) e membro do comitê de indicação do instituto. Gabriela Alves Mendes Blanchet é sócia sênior do Blanchet Advogados, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE) e membro da comissão do conselho do futuro do IBGC.
Notas
1 – Vide Resoluções CMN 4.943, 4.944 e 4.945/21, Resolução BCB nº 139/21 e Instrução BCB nº 153/21
2 – A International Sustainability Standards Board (ISSB), criada pela Fundação IFRS, tem trabalhado, em sintonia com o GRI, na criação de métricas padronizadas de ESG
3 – O Brasil inclusive está entre os quatro países que mais emitem Relatos Integrados, segundo pesquisa da IFAC (International Federation of Accountants)
4 – Toward Common Metrics and Consistent Reporting of Sustainable Value Creation – https://www.weforum.org/whitepapers/toward-common-metrics-and-consistent-reporting-of-sustainable-value-creation
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