
A remuneração com base em ações é uma das formas mais poderosas de alinhamento de incentivos entre administradores e acionistas, uma vez que o primeiros estão recebendo a mesma unidade de valor que os últimos utilizam como medida de sua riqueza. Entretanto, em razão de suas próprias características, o mecanismo tem alguns pontos de atenção que devem ser observados com critério para que sua adoção seja efetiva e crie os incentivos adequados para todos os envolvidos.
Dada a grande abrangência do uso da remuneração com base em ações, não há uma fórmula pronta para que seja adotada nas organizações. Há, porém, caminho a ser seguido, e que requer uma série de reflexões.
Direitos de decisão
Um dos pontos a serem observados na construção dos incentivos é a conexão entre os direitos de decisão do executivo e o mecanismo de recompensa. Como a ação representa a organização como um todo, ela tem um vínculo claro com o escopo de atuação dos executivos mais sêniores da companhia. Já para os administradores ligados a unidades de negócio ou de nível operacional, essa ligação é menos clara, o que reduz o impacto esperado do incentivo.
Essa é uma das razões pelas quais a maioria dos contemplados por esse tipo de incentivo está situada nos níveis mais altos da organização ou com potencial para atingi-lo em algum momento. Um dos perigos de uma relação opaca entre ações e decisões e incentivos correspondentes é a percepção de que a remuneração com base em ações é um prêmio, concedido a partir de um desejo dos acionistas, e não o resultado das ações tomadas pelos envolvidos no plano.
Valor da companhia
Pode-se estimar o valor de qualquer companhia (e por consequência, de suas ações), seja de capital aberto ou fechado. No entanto, o fato de haver ações negociadas no mercado fornece uma massa crítica de dados relevante como um parâmetro de estimação, a despeito da liquidez reduzida para uma parcela importante do mercado acionário brasileiro.
Para se lidar com a questão da liquidez ou para empresas de capital fechado, pode ser realizada uma avaliação da companhia por diversos métodos (fluxo de caixa, múltiplos, transações comparáveis etc.), mas sempre haverá o questionamento sobre as premissas e/ou sobre a abrangência desses métodos.
Plano real versus plano virtual
Outro ponto a ser observado é se o objeto do plano — as ações — será real ou virtual (também conhecido como “fantasma”). No segundo caso, o contemplado receberá um montante correspondente ao valor econômico da quantidade de ações a que tem direito, enquanto no primeiro recebe a ação propriamente dita. Embora não haja nenhuma limitação contrária, imagina-se de maneira mais clara planos com ações reais em empresas de capital aberto e virtuais nas empresas de capital fechado.
Um dos desafios na utilização desse instrumento é o fato de que o preço das ações é influenciado enormemente por questões macroeconômicas e setoriais (“ruído”). Se o propósito do plano é premiar os administradores pela sua performance discricionária (“sinal”), é necessário filtrar o primeiro do segundo.
“Gatilhos” para concessão de ações
Uma das formas de endereçar essa questão é a adoção de gatilhos para a concessão das ações, que pode estar ligada à entrega de um dado milestone (entrega de um projeto, por exemplo) ou à superação de determinada meta financeira, como um dado nível de receita, lucro ou dividendos. O risco desse mecanismo está na possibilidade de eventualmente o custo econômico do milestone ou da meta financeira excederem o seu benefício esperado (i.e., sejam destruidores de valor).
Mais uma abordagem possível envolve a adoção de gatilhos em relação a empresas comparáveis. Se a companhia se destacar (em termos de performance financeira ou acionária), ocorre a concessão das ações. Nesse caso, há o desafio claro da escolha das empresas comparáveis e de capital aberto num mercado relativamente pequeno e muitas vezes oligopolizado como o brasileiro.
Prazos
Uma alternativa para a filtragem dos ruídos na performance acionária é a dilatação do prazo do plano, pois acredita-se que no longo prazo os movimentos relacionados à macroeconomia e ao setor se anulem e o preço das ações convirja para seu valor intrínseco, refletindo o impacto das decisões dos administradores.
Além disso, um plano com um vesting (prazo a partir do qual os contemplados podem vender suas ações) longo também aproxima o management da perspectiva do acionista, que usualmente tem uma visão de longo prazo.
Tamanho do pacote de remuneração
Uma questão aparece de forma sutil nas discussões entre acionistas e gestores quando da definição do tamanho do pacote de remuneração: ao contrário dos acionistas, o executivo não é um investidor diversificado. Seu patrimônio é largamente dependente de sua renda como empregado da organização e, como decorrência desse fato, tem um risco mais alto. Consequentemente, sua avaliação de um determinado pacote tenderá a ser mais conservadora do que aquela realizada pelos acionistas.
De qualquer maneira, mesmo considerando todos esses itens, deve-se ter consciência de que não há plano infalível e/ou que consiga prever todas as situações possíveis num horizonte de médio e longo prazos. Por isso, é necessário que o conselho de administração ou os acionistas acompanhem de perto os resultados do plano, de forma a mitigar ou até mesmo a evitar comportamentos inadequados.
E tão importante quanto a observação do tamanho esperado do pacote no momento da concessão é como esse pacote se comporta em relação à variação da riqueza dos acionistas. Em outras palavras, qual a divisão da criação de riqueza entre os administradores e acionistas.
Ao se observar o valor das ações a que o executivo tem direito após o término do vesting, dever-se-ia comparar esse valor com o do valor inicial do pacote, assim como com a variação das ações no mesmo período. Se a intenção é alinhar interesses, não há problema no fato de o administrador ser regiamente recompensado se o acionista também for.
Pedro Tavares é diretor-executivo de Operações na Stern Value Management
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