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Os limites do investimento responsável
Guerra entre Rússia e Ucrânia acende debate sobre áreas cinzentas do ESG
Guerra entre Rússia e Ucrânia acende debate sobre áreas cinzentas do ESG
Aproveitando-se da falta de clareza em parâmetros ESG, assets direcionaram volumes significativos de dinheiro para investimentos na Rússia nos últimos anos | Imagem: freepik

Por mais contraditório que pareça, as guerras foram ao longo da história grandes impulsionadoras do movimento ESG. Na década de 1970, o ativismo estadunidense contra o conflito no Vietnã resultou na criação do primeiro fundo de investimento sustentável, o Pax World Fund. Outro importante avanço nessa seara ocorreu por causa do Apartheid, na África do Sul. Indignado com as barbáries promovidas pelo sistema de segregação racial, o reverendo americano Leon Sullivan desenvolveu, em 1977, um código de responsabilidade social para empresas, apelidado de Princípios de Sullivan — e o material serviria décadas mais tarde como base para a criação do Pacto Global da ONU. Agora, a guerra na Ucrânia promete ser mais um divisor de águas. Com a eclosão do conflito, fragilidades da indústria ESG têm sido escancaradas. E algumas incoerências são difíceis de engolir.

Parâmetros equivocados?

Que o mercado ESG sofre com a falta de critérios claros para definir o que é um investimento responsável não é novidade. Como destaca o editor do jornal The Times, Oliver Shah, os parâmetros que existem hoje parecem ser contraprodutivos, à medida que não evitam investimentos em setores e países controversos. Aportes feitos por fundos ESG em projetos de gás natural (que, embora mais limpos, ainda são poluidores) e usinas nucleares exemplificam bem a situação. Como ambos são fontes de energia essenciais para o alcance da descarbonização da economia no futuro, alguns gestores de recursos — e a própria União Europeia — consideram que esses investimentos podem ser considerados “verdes” sob certas condições.

Aproveitando-se dessa falta de clareza, assets com perfil ESG direcionaram volumes significativos de dinheiro para investimentos na Rússia nos últimos anos. Dados da Bloomberg revelam que o montante atingia 8,3 bilhões de dólares antes da eclosão do conflito na Ucrânia. Muitas dessas gestoras aportaram recursos em gigantes do setor de combustíveis fósseis, como Gazprom e Rosneft.

Na visão de Paul Clements-Hunt, fundador da Blended Capital Group e líder de um grupo que cunhou o termo ESG em meados dos anos 2000, esse cenário deixa claro que os investidores ESG “falharam” em seus objetivos. “O termo está sendo usado de forma ineficaz e, como qualquer pessoa familiarizada com o conceito de greenwashing pode atestar, a obsessão por ganhar dinheiro fácil nessa indústria está se sobrepondo a tudo”, afirmou à Bloomberg.

Alguns gestores de recursos, entretanto, discordam dessa visão e defendem que fundos classificados como ESG tinham motivos para investir na Rússia. Segundo eles, a menos que uma empresa seja claramente instrumento de um regime despótico, é importante diferenciar as organizações dos países em que elas operam. Além disso, argumentam que a rejeição total aos ativos russos significaria, em alguns casos, que boas empresas passariam a ser injustamente desprezadas. E isso inclui companhias locais de tecnologia que têm buscado ativamente aumentar a transparência no país, desafiando as restrições de Putin. Um exemplo seria o mecanismo de busca russo Yandex NV. “A empresa parecia contribuir positivamente para a democracia na Rússia e tinha adotado um código de conduta que abordava questões de direitos humanos”, afirma Kevin Hart, diretor da Boston Common Asset Management, gestora com foco em investimentos ESG.

No mês passado, a asset precisou vender a sua participação na Yandex, em parte por causa do risco de os EUA proibirem investimentos em ativos russos. E, seja para cumprir sanções econômicas impostas por seus países de origem ou simplesmente para minimizar danos à própria imagem, a tendência é que mais fundos de investimento retirem seu dinheiro da Rússia. Gestoras como BlackRock, o fundo soberano norueguês,  e Goldman Sachs já estão seguindo por esse caminho.

Novos problemas à vista?

A debandada não quer dizer necessariamente que os gestores de recursos tenham aprendido a lição. Eles podem estar se despedindo da Rússia, mas permanecem com dinheiro alocado em ações de empresas chinesas, por exemplo. Isso apesar das ameaças de Pequim de invadir Taiwan e das graves acusações de que o governo chinês perseguiu e aprisionou minorias muçulmanas.

Segundo um estudo recente conduzido pela American Chamber of Commerce in China com assets americanas, o percentual da receita dessas firmas proveniente de operações no gigante asiático saltou de 35% em 2020 para 58% em 2021. E quase dois terços das gestoras entrevistadas classificam a China como a principal ou uma das três principais prioridades para investimentos globais no curto prazo. Na última semana, representantes da China-Italy Chamber of Commerce disseram ao Global Times que o desenvolvimento da pauta sustentável deve tornar o país ainda mais atrativo para investimentos em 2022.

E não é só na China que os investidores ESG se arriscam. Um relatório divulgado no início de março pela Inclusive Development International e pela ALTSEAN-Birmânia mostra que fundos desse tipo geridos por algumas das maiores instituições financeiras do mundo têm uma participação combinada de 13,4 bilhões de dólares em 33 empresas que fornecem armas e tecnologia para os militares de Mianmar. O país sofreu um golpe de Estado em 2021 e hoje é palco de uma sangrenta guerra civil.  

Faz sentido um fundo com rótulo ESG investir em armas? Mais uma vez, na falta de critérios claros, a resposta depende da ótica do argumentador. Embora para alguns não exista justificativa plausível que possibilite a inclusão do setor em fundos socialmente responsáveis, analistas do Citi observam que as armas também servem para defesa e ajudam no combate a agressões. “A tensão na Ucrânia é um alerta para os investidores de que não podemos dar como certa a liberdade e a segurança das sociedades. O setor de defesa deve ser cada vez mais visto como uma necessidade que facilita a empreitada ESG”, afirmaram os analistas Charles Armitage e Samuel Burgess. Inusitada, a afirmação mostra que há argumento para tudo. A palavra final, entretanto, será dada pelos clientes desses fundos.

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