Pesquisar
Close this search box.
Os quatro desafios da empresa em crise
A compreensão e o endereçamento adequados desses aspectos costumam ser determinantes para separar o turnaround exitoso do desastre anunciado
Conselho de administração: as novidades no ativismo societário
Raphael Martins é sócio do Faoro Advogados | Ilustração de Julia Padula

A leitura do noticiário econômico retrata uma situação de crise pulverizada. Avultam empresas na fila da recuperação judicial, tentando renegociar dívidas que aparentam ser impagáveis. Outra quantidade não desprezível tenta mitigar os efeitos dos mais diversos eventos: fraudes, calotes, desastres ambientais e mesmo outras situações mais exóticas. Não raro, há ainda aquelas que precisam lidar com ambos os fenômenos, contornando a tempestade perfeita que se abateu. Tão onipresentes têm sido esses eventos que convém se debruçar sobre eles e tentar extrair algumas lições.  


A Capital Aberto tem um curso online sobre distressed assets. Saiba mais!


É bem verdade que, com o perdão da paráfrase, cada empresa em crise sofre a crise à sua maneira. Não apenas pelas peculiaridades dela, mas principalmente pela existência de contornos e nuances que inibem generalizações. Por conta dessa individualidade intrínseca, a análise das crises ou, em linguagem muito ilustrativa, seu post-mortem, ganha relevância apenas a partir de esforços de abstração que, não raro, acabam por ignorar justamente as idiossincrasias que efetivamente contribuíram para o surgimento do respectivo estado de coisas.  

Gênese da tragédia

Essas situações limites costumam apresentar alguns temas recorrentes, que se podem denominar: negacionismo, limitações da liderança, força gravitacional da crise e dificuldade de individualização. Não há aqui nenhuma hierarquia de importância entre eles, mas a compreensão e o endereçamento adequados desses aspectos costumam ser determinantes para separar o turnaround exitoso do desastre anunciado. 

O primeiro elemento é o negacionismo ou, em linhas gerais, a recusa dos atores envolvidos em reconhecer a situação e adotar as medidas de mitigação necessárias. Embora seja quase um truísmo que a antecipação do enfrentamento da crise é a forma mais eficaz de se preparar para suas consequências, mesmo em situações associadas a grave desastre, os atores envolvidos tendem a se colocar em uma situação de descrença, seja negando o evento ou menosprezando a amplitude dos efeitos dele. 

Por circunstâncias humanas, há mesmo uma cadeia de afetos que se alimenta de ignorar os dados negativos e consequentemente evitar a prática daquilo que é sempre desagradável, trabalhoso e fora da zona de conforto dos envolvidos. O primeiro desafio, portanto, é ter uma leitura realista — quiçá ligeiramente pessimista — da presença da crise e da amplitude potencial de seus efeitos. 

Nesse ambiente, surge o segundo desafio: reavaliar as lideranças envolvidas no enfrentamento da crise. Sem nenhum juízo de valor, deve-se reconhecer que aqueles que podem promover o sucesso da empresa em um ambiente de normalidade eventualmente não tem o temperamento ou as competências para lidar com a situação hostil que se apresenta. No ambiente institucional brasileiro, em que a responsabilidade financeira do gestor é um risco palpável, esse fator pode ser um elemento paralisante para determinadas pessoas adotarem medidas necessárias para contornar a crise. 

E o problema se agrava na medida em que situações diversas demandam líderes com instrumentais específicos. Um desastre humanitário e uma crise financeira exigem profissionais com competências que não necessariamente coincidem. Enquanto a primeira deveria ser tratada por gestores com fortes atributos de sensibilidade e empatia, o último pode exigir alguém com maior resiliência aos riscos pessoais e frieza emocional. 

O terceiro, que se relaciona com o problema da liderança, é a dificuldade de se manter multifocal em uma crise. Afinal, essa tem uma força gravitacional que absorve e se transforma no centro de atenção da gestão. Ocorre que, conforme frase atribuída a Delfim Netto, não se pode esquecer de que todo dia se tem que abrir a quitanda, ter beringela para vender e troco para a freguesia. No ambiente de stress que se apresenta, os diversos aspectos da operação propriamente dita tendem a ser negligenciados, especialmente quando a responsabilidade sobre eles recai nos mesmos agentes que estão endereçando o desafio mais iminente.  

Ignorar a força gravitacional da crise possui um efeito catalisador, agravando ainda mais o momento de agrura. Não há fórmula pronta para tratar esse problema, mas a solução costuma passar por compartimentar a gestão — segregando o grupo envolvido em lidar com a crise do grupo responsável pela operação — e, no que costuma ser um ponto de constante atrito, redistribuir as cadeias de subordinação. 

Enquanto os três primeiros desafios são internos, o último, a dificuldade de individualizar a solução, é externo e o menos perceptível de todos. Não há dúvida de que a empresa em crise está tentando resolver o “seu” problema. Por outro lado, os agentes externos envolvidos têm dificuldade de conferir um tratamento individualizado e, muitas vezes, adotam soluções que não são as melhores para o caso concreto, homogeneizando a situação.  

Exemplificando: para uma instituição financeira, o tratamento de uma inadimplência ocorre considerando todas as repercussões que essa medida pode ter nas dívidas com outros credores. Para evitar que se criem precedentes, muitas vezes despreza-se a melhor alternativa para o devedor em crise e para a respectiva dívida, eventualmente ao ponto de sacrificá-los em prol da defesa de uma tese genérica.  

O endereçamento desse último desafio costuma ser o mais difícil, na medida em que é o menos explícito. Afinal, nem sempre é fácil reconhecer quando o ambiente institucional está contaminando as discussões do caso concreto. Aqui, o desafio da gestão é, além de identificar a presença desse fenômeno, trazer sempre à mesa a unicidade da situação enfrentada pela empresa. 

A crise é uma espada de Dâmocles pendente sobre as empresas. É irrelevante se ela virá dos chamados “cisnes negros” ou a partir de riscos que são conhecidos e mapeados. O importante e sempre desafiador é desenvolver oportunamente o instrumental necessário para lidar com esses momentos. E perceber que momentos nos quais a gestão é colocada sob stress podem ter um papel transformador e positivo para a empresa que os supera. 

*Raphael Martins é advogado e sócio de Faoro Advogados.  

Matérias relacionadas

Timing adequado pode ajudar empresa a escapar de recuperação judicial

Paradigmas de gestão de crises

Recuperação judicial sem estratégia e “dinheiro novo” não prospera


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.