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O problema que o capitalismo de stakeholders ignora
Concentração de mercado das grandes corporações deveria estar no radar dos defensores de uma sociedade mais justa
Capitalismo de stakeholders, O problema que o capitalismo de stakeholders ignora, Capital Aberto
A concentração de mercado gera preços mais altos para os consumidores, reduz os salários dos trabalhadores e diminui a inovação. Imagem: Freepik

Todos os anos, a entidade sem fins lucrativos Just Capital elabora um ranking das empresas mais “justas” dos Estados Unidos. Para isso, avalia as maiores companhias abertas do país em relação a temas prioritários para o capitalismo de stakeholders, como o tratamento dado aos funcionários e clientes, o apoio à comunidade e a adoção de iniciativas que reduzam o impacto ambiental. Em 2022, o primeiro lugar da lista foi ocupado pela Alphabet, holding que controla o Google. Em seguida, no Top 10, estão Intel, Microsoft, Salesforce, Bank of America, PayPal, Apple, NVIDIA, Verizon e Cisco. Encabeçado por um dos mais poderosos monopólios dos EUA, o ranking chamou a atenção de Denise Hearn, participante da American Economic Liberties Project, e Michelle Meagher, advogada da área concorrencial. Juntas, elas escreveram um estudo que aponta um problema que o capitalismo de stakeholders ignora: a concentração de mercado das grandes corporações.


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No estudo, Hearn e Meagher observam que a livre concorrência está sendo erradicada nos Estados Unidos pela crescente influência de monopólios e oligopólios que governam um número cada vez maior de indústrias. Segundo um estudo citado por elas, desde 1990 mais de 75% das indústrias americanas se concentraram. E a tendência é que essa situação se intensifique nos próximos anos diante da efervescência da indústria de M&As. Em 2021, as fusões e aquisições globais movimentaram 5,8 trilhões de dólares e os negócios de private equity ultrapassaram 1 trilhão de dólares.

“Os defensores do capitalismo de stakeholders reconhecem com razão que a busca pela maximização de valor para o acionista leva a resultados perversos, mas as especificidades de como as empresas aumentam seu poder de mercado ainda recebem pouca atenção”, afirmam as autoras. Isso apesar dos danos causados pelo declínio da concorrência serem amplamente alardeados por especialistas. “A concentração de mercado gera preços mais altos para os consumidores, reduz os salários dos trabalhadores, promove o aumento da desigualdade e diminui a inovação”, pontuam.

E os prejuízos não param por aí. Os EUA são percebidos como a terra do empreendedorismo, mas desde 2017 a taxa de novos negócios no país vem caindo, em parte porque as pequenas e médias empresas se veem forçadas a negociar com competidores que definem os termos de mercado e muitas vezes usam táticas desleais para sufocá-las. Há também os casos em que essas empresas deixam de existir porque são abocanhadas por concorrentes mais fortes antes que possam decolar e se tornar uma ameaça. O Google já usou tanto essa tática que o site Killed by Google se dedica a listar empresas e serviços que a gigante de tecnologia adquiriu e depois abandonou.

Outro efeito negativo da concentração de mercado ficou evidente nos últimos dois anos, por causa da pandemia. A crise sanitária causou a disrupção da cadeia global de suprimentos, realçando os riscos de poucas companhias distribuírem itens essenciais. Essa situação tem efeitos deletérios para toda a sociedade, uma vez que gera escassez de produtos e, consequentemente, uma elevação considerável nos preços devido a uma oferta menor que a demanda.

Ameaça à democracia

Para além desses problemas, a concentração de mercado das grandes corporações também representa uma ameaça à democracia, na visão de Hearn e Meagher. Isso porque há relação direta entre concentração corporativa e gastos com lobby. “Quando as empresas são grandes e dominantes, elas usam o lobby para manter sua grandeza e moldar o ambiente regulatório”, destacam as autoras. Na visão delas, a aplicação zelosa da doutrina de Milton Friedman levou à criação de corporações superpoderosas, com uma estatura política elevada o suficiente para minar os mecanismos de controle de estado. Por isso, elas reforçam a necessidade de os governos implementarem uma política antitruste eficaz, que seja capaz de evitar que as companhias abusem do seu poder político e econômico. “Os mercados e as corporações são criações públicas e devem ser governadas pelo interesse público. Ambos precisam de supervisão, e os defensores do capitalismo de stakeholders agora reconhecem que os acionistas são guardiões insuficientes das criações públicas”, ressaltam.

Nesse contexto, a iniciativa de Joe Biden de exigir um maior controle sobre as aquisições das grandes corporações americanas é vista com bons olhos pelas autoras. Em julho do ano passado, o presidente americano emitiu uma ordem executiva com o intuito de diminuir a concentração corporativa em toda a economia dos EUA e respaldar as agências federais a serem mais rígidas na aplicação das leis antitrustes. A ordem emitida pela Casa Branca estabelece 72 ações e recomendações que visam “reduzir os preços para as famílias, aumentar os salários dos trabalhadores e promover a inovação e o crescimento econômico ainda mais rápido”. “Capitalismo sem competição não é capitalismo. É exploração “, disse Biden em um discurso antes de assinar a diretiva.

Entre outras medidas, a ordem executiva prevê o aumento do escrutínio sobre fusões e aquisições realizadas no setor de tecnologia, a limitação dos acordos de não competição e o estabelecimento do “Conselho de Concorrência da Casa Branca”, para liderar as respostas federais ao crescente poder econômico das grandes corporações. Mais recentemente, em linha com os esforços de Biden para coibir práticas anticompetitivas, Jonathan Kanter, chefe da unidade antitruste do Departamento de Justiça, também anunciou que o DOJ adotará uma postura mais rigorosa em relação a aquisições feitas por firmas de private equity. Nos últimos anos, essas empresas passaram a controlar parte importante da economia dos EUA, por meio de participações relevantes em empresas que vão desde redes de varejo a hospitais e centros de dados.

Além do apoio a iniciativas governamentais como essas, Hearn e Meagher consideram que os defensores de um capitalismo mais justo podem contribuir para o combate aos monopólios entrando com ações na Justiça contra empresas dominantes que realizem transações claramente prejudiciais aos stakeholders. “A política antimonopólio, quando aplicada adequadamente, usa a lei antitruste para impedir abusos decorrentes da concentração do poder privado — tanto corporativo quanto financeiro. Mas o antimonopólio é mais do que a fiscalização antitruste”, explicam. “É uma forma de ver o mundo através das lentes do poder: quem o tem, como é exercido e se ele vem sendo usado injustamente ou em detrimento sistemático de determinadas partes interessadas. Ignorar a concentração do poder — e seus abusos — é hoje o principal ponto cego do capitalismo de stakeholders”, ressaltam.

De fato, não parece fazer sentido que uma iniciativa cuja premissa é o comportamento corporativo ético dê as costas para as várias mazelas causadas pela concentração de poder político e financeiro das grandes corporações. Da mesma forma em que o combate às mudanças climáticas e o aumento da diversidade se tornaram prioridades para as companhias, é preciso que os impactos negativos dos monopólios entrem no radar dos líderes corporativos. O risco de se silenciarem sobre esse aspecto, alertam Hearn e Meagher, é o movimento por um capitalismo mais sustentável perder legitimidade.

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