Em agosto de 2019, o Business Roundtable, associação integrada pelos CEOs das principais empresas americanas, divulgou um documento em defesa de uma mudança fundamental no foco empresarial. Segundo o manifesto, as empresas deveriam buscar atender os interesses de todos os stakeholders (clientes, empregados e sociedade) em vez de ter como objetivo o mantra da maximização do retorno aos acionistas. A nova faísca, acesa por um grupo improvável, reacende um debate tão antigo quanto o próprio capitalismo: qual a função social das empresas?
James O’Toole, o autor de Enlightened Capitalists, certamente não tinha ideia de que sua obra seria publicada num momento tão propício para esse debate. Em linhas gerais, o livro cobre a história de vários homens e mulheres de negócios que buscaram alinhar os objetivos de lucratividade a práticas virtuosas junto a empregados e suas comunidades — do britânico Robert Owen no século 19 ao varejista americano John Cash Penney e a Anita Roddick, fundadora da marca The Body Shop.
As cerca de 500 páginas descrevem suas trajetórias e os trade-offs que enfrentaram, traçando paralelos entre suas ideias e motivações. Seria natural associar o pensamento vanguardista desses empreendedores ao conceito moderno de “bottom line triplo” (ASG, de ambiental, social e governança), mas rapidamente percebe-se que seu foco estava mais circunscrito ao bem-estar dos colaboradores. À medida que as biografias se aproximam do momento atual, as demais dimensões passam a ocupar seu espaço de forma mais explícita.
Embora o autor cante em prosa e verso a virtude desses capitalistas, duas questões emergem recorrentemente: as práticas “iluminadas” raramente sobrevivem à sucessão na liderança e elas só funcionam enquanto os resultados econômicos são positivos. Outra condição fundamental é o controle acionário concentrado nas mãos do líder empresarial, tipicamente em arranjos de controle familiar. Nesse sentido, se o dono de 100% de um negócio decide privilegiar colaboradores e comunidades em detrimento de maiores resultados, não há conflito de governança, pois ele só presta contas a si mesmo. No entanto, à medida que as empresas crescem e buscam recursos junto ao público investidor, a questão ganha complexidade. Afinal, como compatibilizar a tomada de decisões empresariais com os objetivos dos investidores institucionais e as práticas iluminadas junto aos colaboradores?
Esse é o ponto mais frágil da defesa que o autor faz desses “heróis”, e que também nos remete ao manifesto do Business Roundtable. Líderes empresariais modernos têm sofrido pressão crescente de cidadãos, consumidores e governos para atender a demandas sociais e ambientais. A nova geração de colaboradores/consumidores também anseia por valores corporativos guiados por propósitos elevados, muitas vezes determinando suas escolhas por onde trabalhar e o que consumir. Mas a definição de estratégias empresariais não pode prescindir de uma função-objetivo sem ambiguidade, que explicite o dever fiduciário dos agentes (gestores) para com os principais (acionistas): maximizar o retorno dos recursos sob gestão no longo prazo, de forma sustentável (sorria, Milton Friedman!). Nesse ambiente competitivo, uma interpretação possível sobre o manifesto é que tratar os objetivos ASG na estratégia empresarial seja simplesmente “good business”, e não filantropia corporativa. O resto é cortina de fumaça de executivos regiamente pagos.
The Enlightened Capitalists: Cautionary Tales of Business Pioneers Who Tried to Do Well by Doing Good
James O’Toole
Editora Harper Business
592 páginas
1a edição ― 2019
Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente
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