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Carta ao presidente Lula
O Brasil não pode perder tempo com o azul e o rosa ou com a “propriedade” do verde-amarelo. Precisamos nos livrar do espantalho golpista
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As democracias não morreram. Ao contrário, estão deixando de ser pauta política, para se tornar parte dos costumes | Imagem: Freepik

Em primeiro lugar, desejo saúde e o parabenizo pela vitória nas urnas. Getúlio Vargas continua sendo o presidente com mais tempo no cargo, mas o senhor é o primeiro a ser eleito pela terceira vez. Não é pouca coisa, ainda mais quando se enfrenta preconceitos e o uso indevido da máquina pública. 


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Imagino que o senhor esteja recebendo muitas cartas, como é comum aos presidentes, aqui e em todo lugar. Não fosse a triste realidade brasileira, com tantos analfabetos, certamente receberia uma quantidade maior.  

Falo assim, desde logo, porque essa questão é mais séria agora do que antes, por conta das fake news. Não vejo essas coisas, mas as pessoas comentam. Dia desses, a Venezuela ia invadir o Brasil, com apoio dos russos! Em outro dia, antes da sua posse, o senhor tinha três dias para deixar o país e o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, apoiava o golpe! 

Pois o povo acredita nessas loucuras e fica nervoso. A ignorância (sem pejorativo) precisa ser combatida. Sugiro que o senhor crie novas universidades, institutos e escolas federais por esse Brasil afora (como, aliás, já fez antes). Não esquecendo as bibliotecas, pelo menos uma em cada biboca do país, para falar em bom português. A recuperação e criação de museus também é salutar, para o bem da cultura e da memória nacional, constante e espertamente apagada. Enfim, algo como as Portas de Cultura, do Gilberto Gil, mas de forma permanente. É a melhor maneira de afastar o peixe podre, ensinando cada um a pescar. 

Na Segunda Guerra, os nazistas faziam fogueiras com livros e fechavam bibliotecas e editoras nos países ocupados. Enquanto isso, os americanos distribuíram livros para milhões de soldados em todas as frentes, da Europa à Ásia. O resultado é conhecido. Vale se inteirar desse programa (Armed Services Editions), que começou com voluntários e participação popular. Se eles conseguiram em tempos de guerra, por que não fazer em tempos de paz? 

A propósito, o pessoal fala muito no New Deal, mas seria também oportuno conhecer o programa (instituído por lei em 1944) de reabsorção dos soldados desmobilizados no final do conflito, quando milhões voltaram para casa, numa época em que a atividade econômica se reduziu, após o esforço de guerra. Não é o caso aqui, mas pode trazer ideias para a reinserção dos excluídos. 

Acho que foi um erro (não de seus governos anteriores) permitir a educação com fins lucrativos. O pessoal dispensa os professores mais experientes (e mais caros), colocando outros mais novos (e mais baratos) no lugar (quando não é a internet). Enchem as burras com recursos do crédito educativo, a garotada não tem como pagar (porque não tem emprego) e já começa a vida profissional endividada, às voltas com os juros medalha de ouro. 

A respeito da Fazenda, recrudesceu a discussão sobre o teto de gastos. Não vou falar disso porque não sou versado em números, embora pague as contas e os impostos em dia. Mas não observo o mesmo empenho na questão do teto dos sem-teto. Por sinal, as contas estão aumentando e os impostos são injustos. Não deixa de ter um pouco de farra nessa inflação, assim como nas desonerações eleitoreiras. Já a correção da tabela do IR fica no ora veja. É preciso estabilizar os preços e abaixar os juros. Parece que estão se retroalimentando. Haja pix!  

Aí começam com a crítica ao que chamam, negativamente, de desenvolvimentismo. Acusado pela industrialização do país e pela inflação, em seu discurso de posse no Senado, Juscelino Kubitschek, após mencionar a dependência da exportação de matérias-primas e de produtos primários, rebateu em grande estilo: “Creio hoje, mais do que ontem, ter andado de acordo com a prudência e o supremo interesse da nacionalidade, emitindo, não dinheiro, mas 20 mil quilômetros de estradas, 320 mil veículos automotivos, 1,3 milhão de toneladas, a mais, de aço em lingotes, mais de 2 milhões de toneladas de cimento. Emitindo volume incomparavelmente maior de petróleo, fertilizantes, metais não ferrosos, emitindo Furnas, Três Marias, a indústria pesada, a naval, a de tratores, a química de base, emitindo enfim a infraestrutura que delimita a época do nosso progresso”. 

Talvez o senhor não possa fazer tanto, porque no Brasil de hoje tem muito Nestor dançando na corda bamba, como disse o Ismael Silva naquele samba genial (Antonico). 

Na área do patrimônio natural, é preciso recompor a estrutura humana e material dos órgãos encarregados do setor. O pessoal extrai madeira e garimpa ouro ilegalmente, manda lá para fora e o Tesouro não vê nem a cor dos cobres tributários. É também por ignorância que não se entende o valor das florestas. Imagine o senhor se o Pão de Açúcar, no Rio, fosse desmontado para fazer pedra usada em aterros ou na construção desses prédios horrorosos que enfeiam as cidades? 

Alguém já fez a conta de quanto o Pão de Açúcar gerou de riqueza como atração turística? Ou nos bondinhos da Estrada de Ferro do Corcovado, inaugurada em 1884 por Pedro II e até hoje em (lucrativo) funcionamento? Ou, ainda, no simples comércio de cartões postais (enquanto existiram)? Se um bloco de pedra como esse gera tanta riqueza, imagina a Floresta Amazônica, que nem cabe em cartão postal. É um tesouro na economia do futuro, assim como foram as minas gerais para os colonizadores. 

No entanto, a ganância imediatista não quer saber disso. O senhor certamente conhece aquele ditado – O dinheiro não leva desaforo para casa. Mas ninguém quer desaforar o dinheiro, até porque o desaforo maior é a falta dele, para viver com decência e algum conforto. O dinheiro é que, às vezes, desafora a gente, com colonialismos, guerras e exageros nas desigualdades. 

Recentemente, o dinheiro tropeçou na crise de 2008 e a globalização (seletiva) esbarrou na crise dos refugiados, nas guerras comerciais protecionistas e na xenofobia nacionalista. Sei não, mas desconfio que, em algum momento, essas novidades se cruzaram com o reaparecimento da extrema-direita alucinada, pipocando nos quatro cantos do mundo. 

O professor Delfim dizia, há meio século, que seria preciso esperar o bolo crescer para repartir. Crescer, até parece que cresceu, mas, se repartiu, ninguém sabe, ninguém viu, como cantava o Cauby Peixoto naquela canção famosa. É um modelo Conceição, tão ruim que, neste século, a chamada direita (identificada com o modelo) não elegeu nenhum presidente — em 2018 foi a direita extremista que puxou o trem. Deu em desastre tão retumbante que a direita se dividiu e muita gente desembarcou.  

Na próxima eleição, já teremos completado um quarto de século. Como mero observador da cena política, constato que o seu partido venceu cinco das seis eleições presidenciais recentes (perdendo apenas aquela em que o impediram de participar). Recado mais claro é impossível. Cá entre nós, para voltar ao jogo, a direita precisa ajustar seu projeto, colocar molho nessa picanha e respeito na conversa, abrir espaço para lideranças democráticas, arejadas, isolando os radicais. Mas já se anuncia um candidato rezando pela cartilha reprovada. Vamos ver. 

É bom refletir sobre isso. O Brasil não pode perder tempo com o azul e o rosa ou com a “propriedade” do verde-amarelo, camuflando medidas nefastas. Também precisa se livrar do espantalho golpista, infelizmente recolocado em pauta. Acho que a (má) ideia já deu o que tinha que dar e deu ruim. Cobrou preço caro e, pior ainda, desnecessário. As democracias não morreram. Ao contrário, estão deixando de ser pauta política, para se tornar parte dos costumes. Só não vê quem não quer. Por conveniência, diga-se. 

Tem muita gente propondo ideias e não é de hoje. Acho que não emplacam porque esse modelo grudou que nem carrapato rentista. Precisamos de luz própria, produzir nossas soluções, como outros países fizeram. 

Ainda que me alongando, considero necessária uma palavra sobre a burocracia, a ineficiência,  o abuso e a prepotência de algumas áreas (serviços) no setor privado. O senhor poderia criar uma força-tarefa para vasculhar a bagunça na telefonia e na aviação comercial, por exemplo. Basta requisitar as reclamações nos órgãos e agências competentes. Tem coleções delas. 

Vou encerrar porque o senhor está assoberbado com tantos problemas. E mais ainda depois desses episódios criminosos (a lembrar aquela Noite dos Cristais, em 1938). Coisa triste, que indignou o mundo, ferindo a nacionalidade, como diria JK, o realizador que proporcionou emprego a milhares de peões na construção dos monumentos depredados. Aparentemente, alguns peões não respeitam mais o trabalho alheio, nem as instituições fundamentais da República. É, refletem o modelo e o (mau) exemplo. 

Peço desculpar qualquer inconveniência e desejo os melhores votos de uma gestão eficaz e socialmente benéfica, governando para todos. 

*Carlos Augusto Junqueira de Siqueira é advogado. Atuou como superintendente da Comissão de Valores Mobiliários e é autor dos livros Fechamento do capital social e Transferência do controle acionário.  

 

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