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A luta de investidores por vacina para todos
Assets internacionais jogam luz sobre os baixos índices de imunização nos países pobres e pedem quebra de propriedade intelectual das grandes farmacêuticas
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Segundo cálculos do FMI, a lacuna da vacinação entre os países pobres e os desenvolvidos pode custar à economia do planeta 5,3 trilhões de dólares nos próximos cinco anos. Imagem: Freepik

A proposta partiu de um grupo de 65 firmas de investimentos que reúnem um total de 3,5 trilhões de dólares em ativos. Juntas, elas tentaram convencer os acionistas da Moderna e da Pfizer nas assembleias gerais de 2022 a votarem favoravelmente à proposta de condução de um estudo para compartilhamento da propriedade intelectual e do conhecimento técnico dessas farmacêuticas com fabricantes de países de baixa renda. As gestoras se baseiam em um número assustador: apenas 12% das populações de países pobres haviam recebido a vacina até o fim do mês passado, ante 74% nos países desenvolvidos. Em termos globais, 11,7 bilhões de doses da vacina foram distribuídas até o dia 15 de maio, mas um terço da população global permanecia sem a primeira imunização nessa mesma data. Em uma mensagem de vídeo gravada, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) Tedros Ghebreyesus disse durante a assembleia da Moderna que a ajuda ao aumento da produção de vacinas salvaria vidas, reduziria os riscos do surgimento de novas variantes e aliviaria o pedágio imposto pela pandemia às economias.


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O argumento dos investidores baseia-se em uma lógica de negócio: munidas da tecnologia dos grandes fabricantes, as indústrias locais de países pobres poderiam desenvolver seus próprios imunizantes a custos compatíveis com cada realidade. O argumento não convenceu a ponto de ser aprovado por maioria: apenas 24% dos sócios da Moderna e 27,3% dos acionistas da Pfizer disseram “sim” à proposta dos ativistas. Ainda assim, a estratégia foi considerada um sucesso pelos investidores. “É a primeira vez que acionistas votam favoravelmente a uma resolução desse tipo”, disse Robbie Silverman, gerente sênior da Oxfam USA, organização que congrega ONGs independentes ao redor do mundo e foi protagonista na reunião de investidores em torno da causa.

Por trás do voto, os números

Um sistema mais igualitário, na visão dos investidores, é importante do ponto de vista humanitário — e também do financeiro. Segundo cálculos do Fundo Monetário Internacional, a lacuna da vacinação entre os países pobres e os desenvolvidos pode custar à economia do planeta 5,3 trilhões de dólares nos próximos cinco anos. É preciso entender que os investimentos da atualidade são diversificados, eles afirmam. Em outras palavras, não adianta nada ganhar com os lucros das farmacêuticas e perder com o desempenho das demais companhias. Além do mais, mesmo quando se trata dos formuladores de vacinas, é preciso olhar para a frente. “Em dois anos de pandemia, as farmacêuticas priorizaram lucros de curto prazo enquanto ignoravam a sustentabilidade e os riscos de reputação”, declarou Meg Jones-Monteiro, diretor da rede Interfaith Center on Corporate Responsability (ICCR), que também esteve à frente do esforço internacional de investidores em favor da disseminação de vacinas.

A pressão por equidade vinha agitando a pauta dos encontros de acionistas das “Big Pharma” desde o fim de 2021. Além das propostas para Moderna e Pfizer, a Oxfam, que adquire participações em companhias para defender causas humanitárias, exigiu que o conselho de administração da Johnson & Johnson (J&J) reportasse aos acionistas se e como a subsidiária da Janssen, fabricante da vacina de mesmo nome, consideraria a ajuda financeira recebida do governo americano para produzir o imunizante ao definir os preços de venda. Segundo a Oxfam, o compromisso de distribuir vacinas em bases não lucrativas estaria limitado à situação emergencial da crise sanitária, o que torna obscuro o cenário de como essa política seguirá no pós-pandemia, em que as vacinas contra a Covid deverão ser administradas regularmente. A solicitação da Oxfam levou a J&J e a Pfizer a pedirem à Securities and Exchange Commission (SEC) autorização para omitir as respectivas propostas dos acionistas do material da assembleia deste ano por considerar que as informações requeridas já eram conhecidas (no caso da J&J) ou que o pleito tratava de aspectos ordinários do negócio (alegação da Pfizer). A agência reguladora, porém, rejeitou os pedidos das duas empresas e suas alegações, obrigando ambas a levarem o tema à votação. O pedido não foi aprovado por maioria de acionistas em nenhum dos casos, mas os ativistas deixaram registrado o seu recado.


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Contrassenso perigoso?

As empresas refutam os argumentos dos investidores. A Moderna, por exemplo, afirma que entregou 807 milhões de doses de vacina contra a Covid em 2021, sendo um quarto deste total para países de baixa renda. Só não fizeram mais, segundo seus diretores, devido às dificuldades de refrigeração dos imunizantes e à falta de profissionais da saúde nas localidades, além de hesitação da população à vacina. Em carta aos acionistas após a assembleia, a Moderna declarou que teve dezenas de milhões de doses oferecidas com o seu “melhor preço” rejeitadas tanto pela Covax — aliança multilateral criada para garantir a entrega do imunizante aos países pobres — como pela African Union no fim de 2021, que teriam alegado não ter condições de distribuí-las. As companhias afirmam ainda que a fabricação das vacinas é muito mais complexa do que pode parecer. Segundo declarações da Pfizer, o processo envolve um total de 280 ingredientes oferecidos por 86 fabricantes provenientes de 19 países. O não atendimento desses processos da forma correta poderia colocar em risco as vidas dos pacientes, conforme declarações de Albert Bourla, presidente da companhia. O compartilhamento da fórmula das vacinas, alerta, seria um “contrassenso perigoso”.

Para a Oxfam, esses seriam apenas subterfúgios para as companhias protegerem seus lucros astronômicos. A Pfizer, por exemplo, exibiu um resultado líquido de 22 bilhões de dólares em 2021, muito superior aos 9,1 bilhões de dólares de 2020. A Moderna também impressionou, com uma margem líquida de 70% e um lucro líquido de 12,2 bilhões de dólares, ante um prejuízo de 747 milhões no ano anterior. Com a vacina mais cara do mercado, a Moderna vende a dose entre 19 e 24 dólares em média, podendo chegar a 37 dólares em alguns países — mais de 13 vezes o valor inicialmente previsto por especialistas, de 2,85 a dose.

Pontes para remediar

Após a assembleia, a Moderna publicou uma carta aos acionistas com uma série de compromissos para reduzir o abismo que separa ricos e pobres na jornada pela vacinação. Garantiu que, apesar de não aceitar o compartilhamento da propriedade intelectual, não irá fiscalizar o uso de suas patentes durante a pandemia e que jamais irá fazê-lo quando se tratar de fabricantes que atendem a países subdesenvolvidos. Comprometeu-se também a custear e construir no Quênia uma planta de produção de vacina mRNA (técnica que utiliza apenas um pedaço de material genético, em vez de todo o vírus, lançada com ineditismo contra a Covid-19), com capacidade para 500 milhões de doses por ano, de modo que a África tenha uma fonte local para manufaturar o imunizante. Disse ainda perseguir uma solução tecnológica para criar a próxima geração da vacina, cuja vantagem será dispensar o uso de refrigeradores superpotentes para armazenamento. E, por fim, atendeu a uma demanda dos investidores ativistas e associou parte dos bônus dos seus executivos à distribuição do imunizante entre países menos favorecidos.

Em setembro do ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fixou uma meta ambiciosa: garantir que 70% da população esteja vacinada em meados de 2022. Sete meses depois, o objetivo não parece tão distante, com 60,2% da população de todo o mundo com o esquema vacinal completo. A desigualdade, contudo, permanece ofensiva: das mais de 11 bilhões de doses distribuídas globalmente, em torno de 1% foi administrada em países pobres. “Não se trata de caridade”, diz Ghebreyesus, mas sim “de saúde pública inteligente e do interesse de todos”. Enquanto a desigualdade não deixar de existir, ele alerta, a pandemia tampouco acabará.

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