Biologia sintética: a nova aposta dos investidores
Avanço de startups dessa área ameaça domínio de gigantes e atrai investimentos bilionários
Biologia sintética: a nova aposta dos investidores
Os laboratórios Pfizer, BioNTech e Moderna inseriram numa molécula uma mensagem certeira para o sistema imunológico humano atentar para a eventual chegada do inimigo Sars-Cov-2 | Imagem: freepik

Quando a pandemia pegou o mundo de surpresa, no início de 2020, quase nada se sabia sobre a dinâmica da covid-19 e da transmissão do novo coronavírus. Mas, por se tratar de uma doença infecciosa, havia convergência dos especialistas em torno de um ponto: a superação da crise necessariamente passaria pela vacinação. O problema é que o desenvolvimento de vacinas sempre foi demorado, levando em média de 10 a 15 anos — sendo o recordista em rapidez o imunizante contra a caxumba, que demandou quatro anos. Pois a biologia sintética mudou tudo: saindo do estágio da pesquisa acadêmica para a escala industrial a passos largos, essa tecnologia permitiu que em pouco menos de um ano pelo menos duas vacinas já estivessem nos braços das pessoas. Como num filme de ficção científica mais sutil, em que as novidades são menos espalhafatosas que carros voadores e viagens corriqueiras a outros planetas, os laboratórios Pfizer, BioNTech e Moderna inseriram numa molécula uma mensagem certeira para o sistema imunológico humano atentar para a eventual chegada do inimigo Sars-Cov-2. 

O RNA mensageiro, tecnologia de base dessas vacinas, faz parte de um conjunto bem mais amplo de aplicações dos achados da biologia sintética. Numa explicação de caráter didático, trata-se de manipular geneticamente micro-organismos — principalmente bactérias e fungos — para que possam fazer determinados “trabalhos” de interesse dos seres humanos. O leque de aplicações é do tamanho da nossa sempre surpreendente criatividade: vai de agricultura à produção de tecidos, do armazenamento de dados a medicamentos de precisão. 

Amplo alcance 

Essa verdadeira — e discreta — revolução vai permitir que atividades econômicas continuem rodando a pleno vapor, a despeito de limitações que provavelmente vão ocorrer com a emergência climática e com a escassez de recursos naturais. Para seguir nessa trilha, pesquisadores e startups vão precisar de financiamento, e os investidores globais já perceberam essa demanda, assim como grandes empresas que podem ver ameaçados nichos de mercado com a substituição de seus produtos por versões “sintéticas” mais baratas e sustentáveis. 

Um bom exemplo dessa relação entre tecnologia e capital é a americana Ginkgo Bioworks, que está prestes a abrir o capital em Nova York, com a expectativa de captar cerca de 15 bilhões de dólares. Investida da Spac (special purpose acquisition company) Soaring Eagle Acquisition Corp, a companhia trabalha com a manipulação de bactérias capazes de sintetizar nitrogênio do solo (tarefa que poucos seres vivos conseguem fazer na natureza) para que elas façam essa captação numa escala muito maior, conforme as necessidades do agronegócio. Com isso, várias culturas poderiam prescindir do uso de fertilizantes, cuja fabricação depende de nitrogênio e de uma indústria calcada na exploração de combustíveis fósseis. 

Se cai a demanda por fertilizantes sintéticos, cai a receita das indústrias, como a alemã Bayer. Não por acaso, a companhia, ainda em 2017, criou uma joint venture com a Ginkgo Bioworks, a Joyn Bio, especializada na captação de nitrogênio do solo por meio de biologia sintética. Como se dizia antigamente, se não pode vencê-los, junte-se a eles. Os especialistas acreditam que serão muito amplos os efeitos dessa área da tecnologia, e em praticamente todos os setores, mas em ritmos diferentes. Inicialmente (prazo de cinco anos), a expectativa é de impactos sobre saúde e beleza, dispositivos médicos e eletrônicos; em dez anos seriam atingidos produtos químicos, têxteis, moda e tratamento de água. Num prazo mais longo, a biologia sintética chegaria aos segmentos de mineração, eletricidade e construção civil. O BCG Henderson Institute calcula que o alcance da biologia sintética chegará, em 2030, a empresas e setores que hoje representam 30% do PIB mundial, o que corresponde a uma montanha de 28 trilhões de dólares. 

Interesse dos investidores 

Sempre ávidos por oportunidades com perspectivas de robustos retornos no futuro, os investidores têm sido generosos nos aportes às startups de biologia sintética (também conhecidas como syn-bio). Estima-se que os investimentos tenham somado 8 bilhões de dólares em 2020, montante que já cresceu substancialmente neste ano, tendo atingido 4,6 bilhões de dólares apenas no primeiro trimestre. Dinheiro é fundamental nessa indústria, já que sem ele as pesquisas não podem avançar; igualmente essencial é o apetite para risco, considerando que muitos dos testes dos desenvolvedores de novas aplicações podem simplesmente não funcionar. 

Principalmente nos Estados Unidos, a biologia sintética já faz parte da realidade de muitas empresas interessadas em uma atuação mais sustentável — demanda recorrente em tempos de ESG. Ela facilita a produção de corantes de jeans (que, no processo tradicional, é extremamente poluente) por meio de micro-organismos alimentados com açúcar; permite a fabricação de “carne” com base em células-tronco retiradas de animais e ovos (ideia que agrada a crescente procura por alimentos que não envolvam sofrimento animal ou o desmate de amplas áreas para pecuária); viabiliza a chamada “seda de aranha”, ao inserir em DNA de bactérias uma instrução para que produzam fios de teia de aranha, material de resistência ímpar, para tecidos (o que no futuro teria potencial para substituir a pouco sustentável produção de algodão). 

Não à toa, as startups de syn-bio têm ganhado cada vez mais popularidade e chegado até à bolsa de valores no exterior. No Brasil, entretanto, o segmento é incipiente e não há investimentos de porte nessa tecnologia. O que mais se aproxima dessa ideia por aqui, pelo menos no setor de alimentos, é o negócio de empresas como a Fazenda Futuro, foodtech baseada no Rio de Janeiro que produz “carne” feita de vegetais (beterraba, ervilha, grão de bico). A tecnologia desenvolvida pela startup simula os sabores de carnes de boi, frango e porco. Frequentemente citada nas listas de candidatos a unicórnios (startups com valuation de pelo menos 1 bilhão de dólares) nacionais, a Fazenda Futuro em setembro de 2020 recebeu um aporte de 21,6 milhões de dólares, em rodada liderada por BTG Pactual e Monashees.   

À parte os desafios tecnológicos e de escala da biologia sintética, aspectos que parecem perfeitamente superáveis, colocam-se diante de pesquisadores, empresas e investidores questões éticas. Como aconteceu com inovações como a fertilização in vitro e a clonagem de seres vivos, questiona-se quais seriam os efeitos dessa espécie de brincadeira de Deus. Ainda não se sabe, por exemplo, se (e quais) as implicações do contato, com a natureza, de bactérias com DNA modificado para cumprirem tarefas que não são as suas biologicamente determinadas. Mas algum pesquisador já deve estar, neste momento, debruçado sobre possíveis soluções para esse problema. E com o empurrão financeiro dos investidores, não há dúvidas que esse setor ainda deve crescer — e inovar muito — nos próximos anos. 

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