Recuperação em K, o efeito mais trágico da pandemia 
Indicadores mostram que classes média e baixa perderam muito mais que os ricos
Ilustração do colunista Daniel Izzo

Daniel Izzo | Ilustração: Julia Padula

Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de covid-19, era dado como certo que a economia sofreria as consequências. As ruas vazias e as portas dos comércios fechadas foram o prenúncio da recessão. O que naquele momento ainda não se sabia era como a economia se recuperaria. A resposta veio agora, e na forma de um K. 

É comum os economistas usarem letras para simbolizar os modelos de recuperação — pode ser L, V ou U. No caso do modelo K, a retomada se dá com os mais ricos se recuperando rápido, até ascendendo, enquanto as classes média e baixa permanecem em queda e perdem poder aquisitivo. 

Pobres perdem mais 

No Brasil, esses efeitos foram comprovados pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, feita pela PUCRS: enquanto os 10% mais ricos do País perderam 3% da renda com a pandemia, os 40% mais pobres perderam 32%, descontando o auxílio emergencial. Isso mostra que a estagnação econômica provocada pelo momento atual fez mais vítimas na base da pirâmide. Ainda que medidas como o auxílio emergencial tenham sido colocadas em prática e amortecido os efeitos negativos, os números preocupam. 

Lá fora, o mesmo cenário: um relatório do FED, o Banco Central americano, mostrou que os trabalhadores de baixa renda foram os mais afetados pela perda de emprego durante a pandemia. Entre fevereiro e abril do ano passado, pelo menos um terço das pessoas com ganhos anuais abaixo de 30 mil dólares perderam o seu trabalho, enquanto o emprego das que ganham acima de 85 mil dólares ficou mais estabilizado.  

Aumento da pobreza extrema 

As estatísticas comprovam o que podemos ver nas ruas. O aumento da extrema pobreza é um dos mais trágicos efeitos colaterais desta crise causada pela covid-19. Infelizmente, pouco (ou nada) tem sido feito para resolver o problema definitivamente. E quanto mais demorar a solução, maior o perigo de aumentar a violência ou mesmo de haver uma revolta da parcela mais humilde da população. Historicamente, é isso que acontece quando as desigualdades tomam proporções absurdas. 


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Preocupa tanto quanto a desigualdade a falta de seriedade para tratar o problema. Algumas “sugestões” beiram o deboche, como foi o caso da ideia de alguns endinheirados do Vale do Silício de doar óculos de realidade virtual aos mais pobres para que pudessem visualizar a vida dos sonhos. Apesar de não terem um lugar digno para morar, poderiam ter um “lar, doce lar” disponível apenas virtualmente. A justificativa dos autores da ideia era que, ao vislumbrarem um mundo melhor, os usuários ficariam mais calmos e não ameaçariam a paz social. A sugestão claramente não resolveria o problema dos mais pobres. Seria apenas uma forma de os bilionários ficarem em paz com suas fortunas, sem temer revoltas. Uma vergonha! 

Descontando medidas estapafúrdias como essa, estamos acostumados a colocar nos governos ou mesmo no terceiro setor a responsabilidade pela solução dessas mazelas. Porém, diferentemente disso e principalmente neste momento de crise na saúde, a responsabilidade de encontrar o caminho viável é dever de toda a sociedade, inclusive das grandes empresas (e dos bilionários hi-tech da Califórnia).  

Essas companhias não podem mais justificar sua contribuição à sociedade apenas com impostos pagos. Isso ainda é muito pouco perto do impacto que podem gerar. Considerando que hoje há empresas com valor de mercado equivalente ou até maior que o PIB de grandes países, a capacidade de diminuir a desigualdade está também nas mãos delas. Elas precisam assumir sua parcela de responsabilidade no mundo real, bem longe das lentes virtuais. 


Daniel Izzo é sócio-cofundador da Vox Capital

 

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