Recuperação judicial sem estratégia e “dinheiro novo” não prospera
É fundamental que, nesse processo, credores tenham participação relevante no financiamento
Luís Alberto de Paiva

Luís Alberto de Paiva é presidente da Corporate Consulting | Ilustração: Julia Padula

Na última década e meia, a partir da promulgação da Lei 11.101/05, o instrumento da recuperação judicial tem sido largamente utilizado por empresas que de alguma forma tiveram seus negócios fortemente prejudicados por crises, a ponto de a continuidade das atividades ficar ameaçada.

Essa lei foi baseada na ideia de consolidação de um grande acordo coletivo, capaz de organizar as finanças e as possibilidades de retomada de crescimento de empresas em dificuldades. Entre as que recorreram a esse expediente, no entanto, não mais do que 40% conseguiram de fato retomar os negócios.

As que foram bem-sucedidas nesse processo conseguiram mudar o cenário por meio de força de inovação, gestão rígida (para conduzir os negócios de maneira inteligente e estratégica quando necessário), controle de custos e capacidade para entender e adaptar produtos, serviços e preços às necessidades do mercado de maneira inusitada.

Destacam-se, ainda, a habilidade para controle de efeitos indesejados pelos credores, com uso da legislação a favor da empresa e, como não poderia deixar de ser, a capacidade e a rapidez para canalizar novos recursos para o financiamento à produção e ao estabelecimento de estoques mínimos — e pelo tempo necessário até que as margens e os resultados sejam recompostos.

Não obstante os desafios dos milhares de processos de recuperação judicial e extrajudicial ao longo de 15 anos, esse período foi extremamente importante para a recuperação de empresas que estão empregando e pagando tributos — muitas até crescendo.

Estratégia de aderência

Defensores do caos argumentam que a recuperação judicial não é um bom caminho. De fato, é um péssimo caminho para quem não está atento a algumas questões muito importantes, que em conjunto podem ser designadas estratégia de aderência.

A sensibilidade para a necessidade de decisões estratégicas para o saneamento das finanças da empresa poucas vezes vem da análise de projeções e riscos futuros. O que normalmente acontece é a concentração do olhar no presente, a percepção da crise pela queda de liquidez. Ou seja, sobram dívidas e problemas, e falta caixa para solução.

A demora resultante da percepção por meio da prática cria um lapso de tempo muito problemático para a empresa. Nessa dinâmica perversa, antes de tomar a decisão por uma readequação por reestruturação profunda, a empresa “míope” gasta seu caixa tentando pagar credores; assim vai se endividando no mercado secundário, arcando com custos muito maiores.

Não é difícil notar que quando uma empresa em dificuldades passa um ano fazendo e refazendo acordos com credores acaba gerando pagamentos enormes, custeados pelo capital de giro — dinheiro que não volta mais.

A empresa é recuperável?

Uma análise estratégica é um bom caminho para se elucidar uma questão fundamental: a empresa é recuperável? Caso a resposta seja positiva, em quais condições, a que custo, em quanto tempo? Quanto a empresa vai gerar de caixa adicional e qual montante deverá ser destinado ao financiamento da reestruturação e quanto para o pagamento de passivos? Nesse contexto, principalmente em empresas de capital intensivo, é comum a irrecuperabilidade do negócio. Qual seria então o efeito positivo de negociações que não vão alcançar seus objetivos?

Sobre os passivos: em quanto tempo alinha-se um fluxo de stand still (alinhamento entre devedor e credores para suspensão de pagamentos por tempo determinado)? Os credores estarão dispostos a isso? O patrimônio estará sob risco?

A recente reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências instituiu, de maneira mais intensiva, o papel da mediação, como se o mediador conseguisse alcançar a conjugação eficaz de interesses entre as partes. Mas sabe-se que, se esse tipo de questão pudesse ser resolvida por meio de mediações, muito provavelmente a empresa nem precisaria recorrer à lei para atenuar seus problemas.

DIP Finance

Também está intrinsicamente relacionada às negociações o DIP Finance —ninguém melhor do que o credor, afinal, para fazer esse papel dentro de uma reestruturação. Nessa modalidade de aporte, investidores se dispõem a injetar capital em companhias em dificuldades, em recebendo em troca garantias que se sobrepõem às anteriores.

Normalmente, os maiores financiadores são aqueles que têm grande exposição ao devedor, e podem fazer o financiamento desde que haja segurança em alguns pontos:

— o conjunto de novos financiamentos vai contribuir para a recuperação do negócio;

— o novo capital não vai intensificar os problemas da empresa em recuperação;

— a presença de profissionais novos e competentes no comando, capazes de descaracterizar qualquer indício da antiga gestão (de maus resultados).

Contando com a segurança desses três aspectos, o credor pode aportar dinheiro novo ou colaborar com empresas em recuperação. Dessa forma ele apoiará o plano de recuperação, aprovando as bases necessárias, até mesmo com grandes deságios e prazos longos para quitação do passivo. Também poderá aportar o capital na modalidade DIP Finance.

A conjugação necessária para uma empresa sair de uma crise, voltar a ser rentável e ter riscos atenuados envolve uma grande capacidade de funding e participação de um agente de mudança reconhecidamente capacitado. Só assim é possível casar de maneira adequada e eficiente os interesses de credores, devedores e investidores.


Luís Alberto de Paiva ([email protected]) é presidente da Corporate Consulting

 

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