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Lei das estatais: tudo mudou para que ficasse tudo igual
Neste espetáculo corporativo, o espírito preventivo é superado pela “soberania” da assembleia
Lei das Estatais, Lei das estatais: tudo mudou para que ficasse tudo igual, Capital Aberto
O “modelo estatal brasileiro” tem natureza macunaímica | Imagem: Freepik

As construções teóricas sobre o funcionamento dos mercados derivaram quase todas da “mão invisível” de Adam Smith que, apesar de sua inventividade, deixou um rastro de falhas e lacunas que se tornaram cada dia mais evidentes no mundo das grandes corporações. Acreditar no liberalismo do século 19 é, basicamente, aceitar o que disfarça “interesses efetivos”. 


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Foi no espectro da teoria smithiana que surgiram as teorias relacionadas às empresas. Percebeu-se que a teoria lacunosa do funcionamento do mercado desprezava a formação das empresas — elas, quanto mais poderosas se tornavam, mais determinavam os preços. O mercado ficou maneta, de forma visível. Ronald Coase (1910-2013) foi o que melhor e mais cedo desmascarou a cilada da macroeconomia, ao formular a brilhante “Teoria da Firma” (1932). Ele demonstrou que, nos processos internos das empresas, os movimentos coordenados de preços do mercado simplesmente não funcionam. A razão está no que chamou de “coordenação” da produção. 

Nome novo, arranjo velho 

De forma sumária, podemos afirmar que foi deste paradigma da “firma” que nasceram as teorias da governança corporativa — uma outra forma de denominar a coordenação engajada na gestão das empresas. Ao invés de apenas alocar os recursos por meio dos mecanismos de preços de mercado, a governança corporativa tem o papel de maximizar o valor da empresa coordenando os preços de seus contratos de fornecimento, de vendas, de sua força de trabalho e assim por diante. Ademais, as empresas precisam exercer o seu papel perante a “integração” com outras empresas e outros stakeholders. 

Ora, são as empresas e a forma de sua organização (modernamente chamada de “governança corporativa”), portanto, que mais determinam hodiernamente a eficiência do sistema econômico como um todo. Dado o porte que alcançaram algumas empresas, o seu desempenho causa efeitos retumbantes na economia mundial, como foi o caso dos bancos estadunidenses em 2008. Assim sendo, a boa governança corporativa ganha contornos de interesse público — o que resultou na formulação legal do “interesse social da empresa” e nas práticas baseadas no soft law, dentre as quais, o acrônimo ESG

O ordenamento jurídico no contexto da firma é essencial na medida em que as empresas nada mais são do que “administradoras de contratos”, com o fito de dar grau de maior eficiência à gestão para fins da obtenção de resultados. Com efeito, na ausência de um ordenamento contratualista, societário e de mercado de capitais efetivo, não há empresas no sentido capitalista. 

Países como o Brasil conseguiram formular uma “prática” nova sem qualquer fundamento razoável na teoria: as sociedades de economia mista. Neste artigo, o debate sobre a sua eficiência não repousa sobre o manto ideológico segundo o qual o que tem participação do Estado é, necessariamente, ineficiente. Fosse assim, robustas corporações não teriam se formado na Europa Ocidental e, mais recentemente, na China comunista. 


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Casamento perverso 

O “modelo estatal brasileiro” tem natureza macunaímica: nasceu sem caráter, de um cruzamento “estatofágico” entre o corporativismo de seus trabalhadores e tecnocratas e o clientelismo das elites políticas e privadas. De fato, as práticas de grupos de poder e seus braços atuantes destroem o desempenho destas empresas, que deveriam produzir resultados mais eficientes (no sentido de Coase). 

A “teoria da firma estatal brasileira” é o resultado de gestões que, em vez de maximizar os preços de mercado dos contratos por meio de uma organização dos fatores internos, acabam por aumentar custos de seus contratos por conta das mazelas originadas pelo corporativismo e clientelismo. O ordenamento jurídico e institucional acaba por facilitar este processo perverso: há um enorme sistema de controle estatal, custoso e burocrático, que acaba por não controlar nem o corporativismo nem o clientelismo.  

A Lei das Estatais (Lei 13.303/16) criou o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A grande inovação desta lei foi estabelecer um padrão mínimo, preventivo e aceitável, de governança corporativa para que o corporativismo e (especialmente) o clientelismo não pusessem suas garras sobre as estatais. Para tanto, criou um conjunto de sistemas sobre a governança para evitar a “invasão” das empresas por terceiros que não estejam aptos ética e tecnicamente ao exercício do bom governo empresarial. 

No âmbito interno das empresas foram criados Comitês de Elegibilidade (Celeg) para recomendar ao conselho de administração e, posteriormente, à assembleia geral sobre os nomes que irão compor a governança. Depois de uma gama de procedimentos internos demorados para checagem dos candidatos, os Celegs devem publicamente divulgar as suas recomendações que podem (ou não) ser acatadas pelos conselheiros de administração que aprovam a convocação das assembleias gerais.  

Este espetáculo corporativo, na prática, não serve para quase nada: se o acionista controlador (o Estado) quiser, aprova quem lhe convier na assembleia geral de acionistas em que detém a maioria do capital. Ou seja, o espírito preventivo da Lei das Estatais é superado pela “soberania” da assembleia. O mais incrível de tudo é que, por meio de verdadeiros saltos triplos carpados de pareceres jurídicos, os conselheiros de administração sentem-se seguros ao enfrentar currículos duvidosos e fazer a verificação dos antecedentes profissionais e éticos dos candidatos. A partir daí, tudo se torna possível ao controlador por meio da máquina soberana das assembleias: mudar a diretoria, fatiar a governança corporativa e entregá-la aos apaniguados de políticos — e por aí vai. 

A Lei das Estatais brasileira consagra a máxima de Tomasi di Lampedusa (1896-1957) em O Gatopardo: “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi”. (“Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.). No Brasil, Coase enlouqueceria.  

Francisco Petros ([email protected]) é economista e advogado especialista em direto societário, compliance e governança corporativa.  

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