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Para que servem as assembleias gerais?
Administradores brasileiros perdem a oportunidade de obter um alinhamento valioso com os acionistas sobre os atos de sua gestão
Raphael Martins
Raphael Martins é sócio do Faoro Advogados | Ilustração de Julia Padula

Como ocorre anualmente, Warren Buffett e Charlie Munger compareceram no fim de abril à assembleia geral da Berkshire Hathaway para, ao longo de algumas horas, prestar toda sorte de esclarecimento aos acionistas. Neste ano, entretanto, além das deliberações de praxe, foi submetida à votação proposta de um acionista detentor de pouco mais de 10 mil reais em ações da companhia. Seu objeto era destituir Warren Buffett da função de presidente do conselho de administração. 


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O pedido foi amplamente rejeitado. Entretanto, para aqueles familiarizados apenas com o universo das assembleias gerais brasileiras, o desejo de algum acionista de destituir a “vaca sagrada” de Omaha é o fato menos inusitado do episódio. Não somente inexiste a prática de o administrador se colocar à disposição para efetivamente prestar contas de sua gestão, o que incluiria esclarecer e receber eventuais críticas por suas decisões administrativas, como a possibilidade de o acionista efetivamente contribuir com as matérias a serem discutidas é bastante restrita. 

A legislação não é a vilã 

A culpa por essa situação não é necessariamente da lei. É bem verdade que, diferentemente do exemplo americano, o direito de submeter matérias à assembleia geral é restrito aos acionistas que, observando o ritual previsto em lei, detêm determinada participação no capital social. Por outro lado, a mesma lei, além de não impedir que os administradores submetam ao conclave propostas recebidas por acionistas que não detenham a participação prevista na lei, obriga que esses administradores estejam presentes para prestar esclarecimentos em relação às demonstrações financeiras e aos atos de gestão praticados. E o que é ainda mais significativo: para esses esclarecimentos, a lei não impõe limites formais ou materiais ao conteúdo das intervenções dos acionistas, cabendo apenas ao presidente do conclave atuar como um mediador em prol da condução dos trabalhos da maneira mais proveitosa. 

Ocorre que o modelo de assembleias brasileiro, especialmente a anual ou ordinária, é praticado como se fosse um laboratório hermeticamente controlado, no qual qualquer possibilidade de ruídos e desvios deve ser eliminada. Para os participantes, o encontro é envolto em uma lógica de segredo e opacidade. Funciona como um rito formal necessário para, de um lado, ilidir responsabilidades e, de outro, legitimar a distribuição do resultado ou qualquer deliberação proposta. Seu valor, portanto, é o de um mero requisito burocrático, a ser periodicamente superado. 

Assim, perdem-se três oportunidades valiosas: a primeira é a possibilidade de a administração obter a opinião dos acionistas sobre os eventos de gestão praticados. Recentemente, tem-se ressaltado o papel transformador que o fluxo de feedback contínuo e conduzido de maneira franca promove. No caso específico, esse diálogo seria qualificado justamente por envolver o buy side do papel — aquele que, curiosamente, menos se relaciona, no nível pessoal, com a gestão e cujas críticas têm tido menos repercussão em relação às do sell side. 

Oportunidade de alinhamento 

Além disso, a experiência americana demonstra que o ativismo por meio da proposição de pautas em assembleias gerais tem exercido um importante papel de alinhamento da gestão da companhia aos interesses de um de seus mais relevantes stakeholders: os acionistas. Mesmo em hipóteses de rejeição da matéria proposta, as discussões reverberam dentro e fora das companhias. Não custa lembrar que uma das primeiras iniciativas relevantes de ativismo nessa área foi o pedido, rejeitado em deliberação, para que uma companhia suspendesse seus negócios com a África do Sul durante o regime de segregação racial. 

Finalmente, permite superar, na relação entre companhia e investidor, a lógica tóxica do segredo pela virtude da transparência. Há uma máxima de mercado de que, se o modelo do analista está errado, provavelmente é devido à má qualidade da informação prestada pela companhia. E essa percepção, na grande maioria dos casos, está certa. A assembleia geral deveria ser entendida como um momento privilegiado para o alinhamento de expectativas e até mesmo para correções no fluxo de informação da companhia para o acionista. 

É bem verdade que as assembleias gerais brasileiras são marcadas pelo grande absenteísmo dos investidores em geral. Entretanto, parece haver aqui uma espécie de dilema de “tostines”: os acionistas não comparecem porque a assembleia é esvaziada de conteúdo ou ela é esvaziada de conteúdo porque os acionistas não comparecem? 

Benefícios superam o desconforto 

Criar uma cultura de participação do acionista não é difícil, mas é preciso haver o élan. Algumas companhias brasileiras, cite-se Vale e Petrobras, conseguiram transformar suas reuniões em momentos de efetiva prestação de contas, no qual os principais gestores se fazem presentes e incentivam que os acionistas solicitem esclarecimentos ou apresentem suas críticas aos atos de gestão praticados. 

Além disso, não há amarras legais que impeçam os administradores de implementar estruturas de governança que, observando-se os requisitos de antecedência e publicidade, permitam aos acionistas propor discussões que sejam de interesse social, ainda que estejam fora da pauta prioritária da administração.  

É bem verdade que esse processo causaria desconfortos. E, no limite, escancararia o ambiente hermético criado para o encontro anual de acionistas, que virou uma espécie de zona de conforto do relacionamento do management com o investidor. Não há dúvidas, entretanto, de que os potenciais benefícios são transformadores.

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