Investidor de Petrobras usa escudo contra Bolsonaro
Ameaças do governo à política de preços da companhia encorajam novas reformas de governança
Ameaças do governo à política de preços da Petrobras encorajam novas reformas de governança
O “trunfo” do governo para ter voz ativa nas estratégias da companhia é a renovação do conselho | Imagem: freepik

Por quase dois meses, a Petrobras evitou repassar a alta dos preços internacionais do petróleo para as bombas, amortecendo o impacto sobre a cadeia de abastecimento no pós-pandemia. Mas com a nova alta no custo da commodity decorrente do conflito na Ucrânia, os reajustes vieram — e em doses dolorosas para o bolso do consumidor. No último dia 10, os preços da gasolina, do diesel e do gás natural subiram, respectivamente, 18,7%, 24,9% e 16%. O aumento deflagrou diversas crises e, novamente, trouxe à tona a ameaça de ingerência política na Petrobras.

No mercado de capitais, a decisão da petroleira foi bem-recebida. O reajuste seria um sinal, na visão de investidores, de que a estatal segue comprometida com a adoção da política de preço de paridade internacional (PPI) — alvo constante de críticas do governo. No dia 7 de março, em entrevista à imprensa, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a PPI “é resultado de uma legislação errada feita no passado, que não pode continuar”. Contundente, a declaração fez as ações da Petrobras desabarem 7,65%. Parte das perdas só foram recuperadas no dia 10, com o anúncio do mega-aumento de preços.

A preocupação agora é com o efeito que o reajuste terá sobre a população. Pouquíssimas empresas têm o poder de mexer tão intensamente com a direção da bolsa de valores brasileira e, ao mesmo tempo, suscitar questões de política macroeconômica. Analistas do Ibre-FGV avaliam que o reajuste pode disparar a expectativa de inflação para 2022 e tem potencial para deteriorar o quadro macroeconômico do Brasil até o fim do ano, gerando um ciclo vicioso de mais endividamento público e pressão sobre dólar e preços de alimentos. O impacto dos reajustes da gasolina, do gás de cozinha e do diesel na inflação é estimado pelo Ibre em 1,5%.

Nem é preciso dizer que, com as eleições batendo à porta, a perspectiva de que esse cenário se concretize é um pesadelo para Bolsonaro. O presidente mostra extrema irritação com a petroleira — ainda mais com o fato de ela ter anunciado o reajuste dos combustíveis antes de o Congresso finalizar a votação de um novo modelo de cobrança do ICMS. O projeto, descrito na Lei Complementar 192/22, estabelece a incidência do tributo uma única vez sobre combustíveis, inclusive importados, com base em alíquota fixa por volume comercializado. Como resultado, haverá uma redução significativa no preço do litro de diesel, mas que pode custar a estados e municípios 13,3 bilhões de reais, segundo estimativa da IFI (Instituição Fiscal Independente). A aprovação da lei complementar acabou ocorrendo no dia 11. De olho na reeleição, essa é por ora a principal aposta de Bolsonaro para conter os preços nas bombas.

Nas redes sociais, o presidente afirmou que a estatal não demonstra sensibilidade com a população. “É Petrobras Futebol Clube e o resto que se exploda”, afirmou. E não foi só Bolsonaro que usou o aumento dos preços como palanque. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também criticou o reajuste e disse que, se voltar ao Palácio do Planalto, irá rediscutir o papel da Petrobras.

Governança em xeque

Tanto as atitudes de Bolsonaro quanto a declaração de Lula dão calafrios nos investidores. Mas a percepção geral é de que a estrutura de governança da Petrobras — e a pressão dos investidores — tem assegurado que a empresa não ceda às pressões políticas. Até porque, caso pare de repassar a alta dos preços internacionais do petróleo para as bombas, a diretoria pode ser questionada judicialmente por acionistas minoritários.

A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) deixou clara essa possibilidade no dia 8, quando divulgou uma carta pública para endereçar a questão. “No caso da Petrobras, a própria Lei das Estatais e o estatuto social da companhia trazem previsão de que se a empresa não praticar suas políticas em condições de mercado, deve haver necessariamente ampla divulgação dos custos (prejuízos) e a respectiva compensação da companhia pelo acionista controlador (União)”, ressalta a associação.

A preocupação dos investidores não é fortuita. A falta de pudor de Bolsonaro em interferir na gestão da Petroleira ficou evidente ainda em fevereiro de 2021. Na época, o chefe do Executivo manifestou publicamente insatisfação com o manejo dos preços dos combustíveis e impôs a substituição do CEO da estatal, Roberto Castello Branco. Seu posto foi ocupado, meses depois, por Joaquim Silva e Luna — um general.

Agora, o “trunfo” do governo para ter voz ativa nas estratégias da companhia é a renovação do conselho de administração da Petrobras, prevista para acontecer durante a assembleia de acionistas em 13 de abril. Bolsonaro já indicou Rodolfo Landim para o cargo de chairman, hoje ocupado por Eduardo Bacellar Leal Ferreira. Landim é atual presidente do Flamengo e integrou o quadro de funcionários da Petrobras por 26 anos. O executivo também ocupou o cargo de CEO da antiga BR Distribuidora (atual Vibra), de 2003 a 2006, além de fazer parte do círculo próximo do chefe do Executivo.

O cargo de CEO da companhia também pode escapar das mãos de Silva e Luna, apesar de seu mandato ir até 2023. Conforme informações publicadas na coluna de Malu Gaspar, no O Globo, Bolsonaro não está contente com a atuação do general e já teria uma solução para afastá-lo do cargo. A ideia seria retirar seu nome da lista de indicados para compor o conselho da empresa a partir da próxima assembleia. Como o estatuto da Petrobras estabelece que o CEO tem que ser também conselheiro, Luna estaria automaticamente destituído.

Aparentemente, o que Bolsonaro planeja com essas mudanças é arrumar espaço para a adoção da mesma estratégia de controle de preços de Dilma Rousseff. Uma ironia, considerando o asco do presidente com o PT. No governo Dilma, mesmo que a cotação internacional do petróleo subisse, os preços internos dos combustíveis eram mantidos, porque o fluxo de caixa da estatal cobria a diferença. A situação gerou sérios problemas financeiros para a petroleira, que passou a apresentar endividamento crescente.

Estatuto social em revisão

Cercada de críticas e com uma possível interferência política à espreita, a Petrobras tem se defendido como pode. Nas redes sociais, relembrou o longo período em que não promoveu reajustes e ressaltou que a política de preços atual é crucial para assegurar o abastecimento do País. Também afirmou ser “uma das empresas que mais investem no Brasil”, com mais da metade do caixa produzido retornando para a sociedade na forma de tributos, participações governamentais e dividendos pagos ao Estado.

A companhia também planeja promover mudanças em seu estatuto social. Entre as alterações propostas para a assembleia de 13 de abril está o reforço de suas práticas de governança, com o intuito de proteger a estatal de interferências do governo. Os ajustes incluem, por exemplo, a necessidade de quórum qualificado para eleição e destituição do diretor de governança e conformidade pelo board e a ampliação das responsabilidades dos comitês de assessoramento ao conselho.

A versão atual do estatuto estabelece que se a União orientar a Petrobras a assumir projetos e alterar preços de combustíveis “em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado”, a estatal deve ser ressarcida pelo Tesouro. Dada a importância desse dispositivo, os administradores propõem que os comitês de investimentos e de minoritários também passem a se posicionar sobre esse ponto sempre que houver propostas de mudanças nessa regra. Outra sugestão é que os comitês de pessoas e de minoritários sejam chamados a se pronunciar em caso de alterações no estatuto que envolvam requisitos para indicação de conselheiros e diretores.

As sugestões serão discutidas na assembleia do próximo dia 13 de abril, quando o governo também tentará emplacar mudanças no conselho de administração. Dependendo dos rumos do encontro, é possível que a Petrobras protagonize mais um embate histórico entre União e minoritários. Combustível para a briga é o que não falta.

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