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Fraudes como a da Americanas incentivam acordos de supervisão?
Embora ainda não tenham saído do papel, acordos de leniência com a CVM podem fazer sentido para administradores em certas situações, graças à extinção da pena
Acordo de supervisão é incentivado após fraude da Americanas
O acordo de supervisão pode ser celebrado com pessoas físicas ou jurídicas, desde que elas confessem a prática do ilícito e cooperem de forma efetiva

Após o escândalo de corrupção envolvendo as Lojas Americanas ter se tornado público, muito se discute a respeito da possibilidade de os envolvidos firmarem com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um acordo administrativo em processo de supervisão — mais comumente chamado de “acordo de leniência”, por sua similaridade com os acordos tão utilizados no âmbito da investigação da prática de atos contra a administração pública.  


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O acordo de supervisão foi introduzido pela Lei 13.506, de 14 de novembro de 2017, que dispõe sobre o processo administrativo sancionador nas esferas de atuação da CVM e do Banco Central do Brasil. Especificamente em relação à CVM, a lei é atualmente regulamentada pela Resolução 45, de 31 de agosto de 2021, que dispõe sobre a apuração de infrações administrativas, rito dos processos administrativos sancionadores, aplicação de penalidades, termos de compromisso e acordos de supervisão. 

O acordo de supervisão pode ser celebrado com pessoas físicas ou jurídicas, desde que elas confessem a prática do ilícito e cooperem de forma efetiva, plena e permanente para a apuração dos fatos, em especial com a finalidade de possibilitar a identificação dos demais envolvidos na prática da infração e a obtenção de informações e de documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. São, ainda, requisitos para a celebração do acordo de supervisão a cessação completa do envolvimento do proponente na infração, bem como que a CVM não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação administrativa das pessoas físicas ou jurídicas por ocasião da propositura do acordo. 

O acordo de supervisão permanecerá sob sigilo até que seja celebrado. Uma vez feito o acordo, ele será publicado no site eletrônico da CVM sem que, contudo, a identidade do signatário seja revelada. Em relação aos signatários do acordo que primeiro se qualificarem, poderá haver extinção da ação punitiva da administração pública na hipótese em que a CVM não tenha conhecimento prévio da infração noticiada. Ou, ainda, a redução entre um terço a dois terços das penalidades aplicáveis na esfera administrativa, nos casos em que a CVM já tenha conhecimento prévio sobre a infração noticiada.  

A pessoa natural ou jurídica que não seja a primeira a propor o acordo de supervisão poderá ainda celebrá-lo. Mas, nesse caso, poderá beneficiar-se da redução de apenas um terço da penalidade a ela aplicável. Caso, entretanto, a proposta de acordo de supervisão seja rejeitada, não haverá confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta objeto da proposta. A CVM tampouco poderá se utilizar de qualquer informação ou documento apresentado em suas investigações. 

Não saiu do papel 

Apesar de o instrumento estar à disposição do mercado há quase seis anos, não há notícias de acordo de supervisão assinado com a CVM até o momento. Isto se deve muito provavelmente ao fato de que a assinatura de acordo de supervisão não representa imunidade criminal para os envolvidos que confessarem ilícitos que tenham consequências na esfera criminal. Diferente do que ocorre, por exemplo, no âmbito das investigações conduzidas pelo Cade, em que o sujeito que propõe a delação fica resguardado nos âmbitos cível, administrativo e criminal.  

O acordo de supervisão é, portanto, restrito à infração de normas legais ou regulamentares cujo cumprimento caiba exclusivamente à CVM ou ao Banco Central. Além disso, o Ministério Público poderá se valer do reconhecimento da conduta ilícita para instaurar ação penal contra o indivíduo, podendo, inclusive, requisitar informações ou acesso ao sistema informatizado da CVM sobre os acordos de supervisão celebrados, sem que lhe seja oponível sigilo.  

Deste modo, caso a conduta ilícita seja também passível de condenação na esfera criminal, existe pouco incentivo para a utilização do acordo de supervisão. No caso das Americanas, em que, ao que tudo indica, estão em jogo ilícitos relacionados a manipulação de mercado e insider trading — ambos considerados, além de ilícitos administrativos, crimes contra o mercado de capitais — não haveria, em princípio, grande estímulo para que os envolvidos queiram firmar um acordo de supervisão nas investigações que envolvam as condutas mencionadas.  

Prós e contras 

Há casos, entretanto, em que a utilização do acordo de supervisão pode ser atrativa. Por exemplo, nas situações em que os envolvidos já estiverem negociando um acordo de colaboração com o Ministério Público. Ou ainda em casos de ilícitos que não tenham repercussão na esfera criminal — como em processo administrativo sancionador instaurado pela CVM contra membros do conselho de administração que tenham aprovado as demonstrações financeiras de determinada companhia, mesmo com evidências de que tenha havido irregularidades em sua elaboração. Nesta hipótese, poderia fazer sentido para um membro do conselho que figure como acusado propor a delação, considerando a possibilidade de extinção da pena se for o primeiro a propor o acordo.  

Além da questão criminal, um possível desincentivo reside no fato de que a assinatura do acordo de supervisão não exime o signatário da obrigação de reparar integralmente o dano causado. No caso de administradores ou sociedades controladoras, por exemplo, nada impede que a própria companhia ou os seus acionistas, nas hipóteses previstas em lei, ingressem com ações cíveis para obter reparação pelos danos ao tomarem conhecimento da existência da delação premiada. Esse possível desincentivo, entretanto, passa a ser irrelevante na medida em que as ameaças de sanções na esfera administrativa sejam severas o suficiente.  

O incremento das penalidades aplicáveis aos acusados, iniciado a partir da própria promulgação da Lei 13.506/17, resultará naturalmente na maior procura pela utilização do instrumento, na medida em que as sanções aplicáveis sejam cada vez mais rigorosas. Para que o acordo de supervisão seja efetivo, deve haver um receio real por parte daqueles que optem por não delatar eventuais ilícitos de terem as suas condutas investigadas e punidas severamente pelo regulador.  

Por fim, importante mencionar que o termo de compromisso, também regulamentado pela Resolução 45, pode em alguns casos “esvaziar” o interesse de potencial proponente pelo acordo de supervisão, não obstante serem institutos absolutamente diversos. Se no termo de compromisso não há confissão da matéria de fato (como há na hipótese de celebração do acordo de supervisão, o que poderia eventualmente desincentivar o uso deste último), o termo de compromisso não é resguardado pelo sigilo, ao contrário do acordo de supervisão. Por esse motivo, pode fazer sentido optar pelo acordo de supervisão ao entender que este pode mitigar, por exemplo, riscos reputacionais.  

Finalmente, nos casos em que há grande repercussão do ilícito no mercado, há uma tendência para que a CVM negue a negociação de termos de compromisso, por entender que matérias de interesse da coletividade e de todo o mercado devem ser levadas a julgamento, o que poderá criar incentivos para que acordos de supervisão sejam firmados, por exemplo, no caso das Lojas Americanas. 

*Clarissa Freitas é sócia da área de societário do Machado Meyer Advogados 

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