
Lá se vão quatro meses da divulgação da fraude nas demonstrações contábeis da Americanas e ainda não temos divulgação dos detalhes dos fatos ocorridos. Mas, por tudo o que já foi divulgado publicamente, desde a declaração pública do presidente da companhia por alguns dias até o relatório dos administradores judiciais da empresa em recuperação judicial, não há como deixar de nominar como fraude o acontecido.
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Jogar despesas financeiras contra fornecedores, registrar indevidamente os rebates, adulterar imobilizado e intangível — entre, possivelmente, outros desastres — são escolhas que jamais poderiam ser chamadas de erros. Adulteração violenta de passivos, de ativos e, consequentemente, dos resultados e do patrimônio líquido para enganar bancos, fornecedores, investidores, etc. E tudo numa proporção tão grande (talvez a maior no Brasil, não pesquisei) que as consequências se espraiaram de forma alarmante.
Os efeitos foram devastadores sobre o crédito bancário para o país inteiro (já vinha numa certa recessão em função da política monetária de juros, mas ajudou a piorar) e até sobre o próprio instituto do risco sacado (coitado, acabou ficando, pelo menos temporariamente, chamuscado sem culpa alguma). Algumas manchas, também indevidas, recaíram sobre o segmento varejista. E outras continuam sendo sentidas e não se resolverão tão rapidamente.
Ou seja, conseguiu-se algo prodigioso: afetar os investidores, os bancos, os fornecedores, o emprego, milhares de outras empresas no Brasil, a imagem de auditores, de bancos e tanta coisa mais. Eu, pessoalmente — e, acredito, todos os contadores, exceto eventuais envolvidos —, levamos uma trombada como a deferida por um trem dado como o mais rápido do mundo (China), a 460 km/h. Nos sentimos abatidos, envergonhados, atônitos, incrédulos, revoltados. Se existirem culpados, espero que eles a levem também.
Missão corrompida
Utilizar a contabilidade para produzir demonstrações mentirosas desafia toda a tradição de uma área do conhecimento que tem como única missão bem informar os gestores, os investidores, os credores, o fisco, o corpo funcional, os sindicatos e outros tantos sobre o patrimônio empresarial e suas mutações.
Não foi, claramente, a primeira vez, e, infelizmente, talvez não seja a última. Mas cada nocauteada dessas nos produz sentimentos e arranhões, à nossa pessoa e à profissão, que não cicatrizam com facilidade. Nos sentimos péssimos quando pessoas mal intencionadas se utilizam da nossa ferramenta para seu próprio benefício (ou o de alguns poucos), causando prejuízo para o resto do mundo.
Também é claro que não só a nossa profissão sofre com essas intervenções desastrosas de terceiros (às vezes, com a infeliz conivência de colegas), mas precisamos agir fortemente no sentido de divulgar a que realmente se presta a contabilidade. Conscientizar de que exceções não significam deterioração da área e da profissão e penalizar os que, de fora e de dentro, assim procedem, como forma de mitigar o mal e, principalmente, ajudar a desestimular eventos semelhantes. Peço desculpas pelo desabafo, mas raras vezes me senti tão mal como contador, professor de contabilidade, consultor, parecerista da área e cidadão.
*Eliseu Martins é professor emérito e professor sênior das FEAs-USP de São Paulo e Ribeirão Preto e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central.
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