O e-commerce brilhou nos anos mais difíceis da Covid-19, quando praticamente se tornou o único canal de vendas possível do varejo. Não dá para dizer que o setor de vestuário e calçados tenha surfado na mesma onda — pelo contrário, foi um dos que mais sofreram. Afinal, quem iria investir em uma roupa ou acessório novo sem nenhuma perspectiva de sair de casa? A pandemia ainda não acabou e, na avaliação da Organização Mundial de Saúde (OMS), continua sendo uma emergência global de risco elevado. Mas o mundo nunca pareceu tão próximo do que era antes da Covid. E aquela parte do varejo que, três anos atrás, não se beneficiou com as vendas on-line, agora passa por um revés positivo.
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Algo que chama muito a atenção nessa guinada é a atuação de um player pouquíssimo conhecido do público brasileiro antes do isolamento social. A Shein, varejista chinesa de moda fundada em 2008 por Chris Xu, foi o aplicativo de “fast fashion” mais baixado no Brasil em 2021, com 23,8 milhões de downloads no período. A empresa tem forte apelo com a chamada “geração Z”, dos nascidos entre o final da década de 90 e a primeira década dos anos 2000. Em festas descoladas da noite paulistana, é comum encontrar jovens vestindo roupas, calçados ou acessórios “da moda” comprados na Shein. A plataforma pratica preços mais compatíveis com o poder de compra desse perfil de consumidor e também tem revolucionado a maneira de se adquirir produtos em sites estrangeiros.
Assim como muito do que é vendido em aplicativos como Shopee e Alibaba, os produtos da Shein vêm da China. Mas, de maneira inédita por aqui, a varejista montou seu próprio market place brasileiro, tornando-se parceira de fornecedores locais. Com essa estratégia, as mercadorias que antes demoravam meses para serem entregues no Brasil, chegam ao consumidor em prazos bem menores. Assim, a Shein traz ao País seu polêmico modus operandi, em que os fornecedores precisam conceber e confeccionar roupas em apenas uma semana.
Risco além-fronteiras
O interesse da varejista no Brasil não é à toa. De acordo com dados compilados pelo banco BTG Pactual, a Shein teria faturado 8 bilhões de reais no Brasil em 2022. Para efeito de comparação, a Renner, que divulgou resultados esta semana, obteve 13,2 bilhões de receita líquida no resultado consolidado do ano passado (número que inclui as vendas nas lojas físicas). A comparação entre a chinesa e a brasileira tem chamado cada vez mais a atenção de analistas que acompanham o setor.
Em relatório publicado no começo deste mês, o BofA trouxe um estudo no qual mostra que os preços da Renner são quase três vezes maiores que mercadorias similares comercializadas na Shein. Os analistas do banco destacaram que empresas como a Shein, normalmente, estão submetidas a uma carga tributária menor que a das varejistas brasileiras. Há, inclusive, queixas de lacunas na fiscalização alfandegaria que permitiriam que produtos da Shein ingressassem no país sem pagar imposto. Por esse motivo, a Shein estaria apta a oferecer preços mais atrativos em um cenário de crédito mais restrito no Brasil.
O banco também afirma não ver solução de médio prazo para as “ameaças crescentes do e-commerce de vestuário cross-border”. Diante disso, o BofA optou por rebaixar a recomendação para ações da Renner de “compra” para “neutro” e reduziu o preço-alvo do papel de 35 reais para 25 reais ao final de 2023, apostando em uma queda no lucro da varejista brasileira ao final do ano.
Novatas gigantes
A gestora Aster Capital calcula que a Shein tenha movimentado 7,1 bilhões de reais no Brasil em 2022. O número é menor que o estimado pelo BTG, mas ultrapassa com folga as vendas on-line de players tradicionais como C&A (511 milhões de reais), Guararapes (619 milhões de reais) e Grupo Soma (1,2 bilhão de reais). O relatório também chama atenção para o desempenho do Mercado Livre, com faturamento de 6,5 bilhões de reais. Mesmo não sendo direcionada especificamente à moda, a plataforma argentina é considerada uma ameaça pela grande quantidade de vendedores de vestuário e calçado que abrange.
Resta saber como as varejistas tradicionais vão reagir ao avanço de novatas gigantes. O sucesso dessas empresas coincide com um momento difícil para o consumo. Em 2022, o endividamento e a inadimplência atingiram níveis recordes. E os juros elevados da economia não devem cair tão cedo. No varejo físico, quem não consegue comprar em loja de departamento apela para o comércio popular — e essa mesma lógica parece tomar conta do varejo on-line.
Mas há um aspecto do sucesso da Shein que merece atenção e cautela. Para conseguir dar cabo de seu modelo de negócio “ultra fast fashion”, a empresa estaria submetendo seus fornecedores a condições precárias de trabalho e jornadas longas de 11 horas de produção. A informação veio à tona por meio de um relatório da ONG Public Eyes, em 2020, com base em depoimentos de pessoas que trabalham para esses fornecedores. Esse tipo de prática já provocou danos à reputação de grandes varejistas de moda, e não há razão para pensar que novatas seriam agraciadas com vista grossa. O risco ESG está ali, bem na cola da Shein.
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