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Fim do fast fashion?
Avanço do ESG pressiona indústria da moda a buscar modelos de produção mais sustentáveis
Indústria da Moda versus ESG: o fim do fast fashion
Imagem: freepik

Quando a Zara abriu sua primeira loja em Nova York, em 1989, o jornal The New York Times criou o termo “fast fashion”. A proposta era descrever a missão da marca, enfatizando que a varejista de moda levava apenas 15 dias para que uma ideia de roupa saísse do papel e fosse disponibilizada ao público. O modelo foi criado sob medida para o contexto sociocultural da época, marcado fortemente pelo consumismo, e logo se disseminou. Porém, com o aumento recente da conscientização socioambiental, cada dia mais a fórmula do fast fashion — baseada no desenho, na fabricação e na venda de coleções-relâmpago a baixo custo — torna-se antiquada, tanto para clientes como para investidores. 

Prova disso é uma carta escrita pela gestora de recursos JGP e endereçada à indústria da moda, que representa 3% do PIB mundial. Em um texto de mais de 70 páginas, a asset, que possui 30 bilhões de reais sob gestão, compila dados que evidenciam a insustentabilidade do fast fashion e seus prejuízos para o clima, o meio ambiente e o bem-estar de stakeholders. O impacto do setor em termos ambientais, de fato, é assombroso. A indústria da moda responde por aproximadamente 8% das emissões mundiais de gases do efeito estufa (GEE) e é responsável pelo uso de 79 bilhões de metros cúbicos de água por ano. Além disso, gera anualmente cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos — o que representa 5% dos resíduos sólidos mundiais. Isso significa que, a cada segundo, o equivalente a uma carga de caminhão de resíduos têxteis é incinerado ou descartado em aterros sanitários no mundo.  



Por trás de cada peça 

Os obstáculos para a sustentabilidade na indústria da moda começam logo na primeira etapa produtiva. O cultivo do algodão, que representa 23% da produção mundial de fibras, é um dos mais “sujos”. As plantações consomem de 16% a 17,5% dos inseticidas e de 7% a 10% dos pesticidas fabricados no mundo. A preparação da matéria-prima também é prejudicial ao meio ambiente. Aproximadamente 20% da poluição industrial de rios recai sobre os processos de tingimento, tratamento e finalização de tecidos. 

A etapa de fabricação das peças tampouco é sustentável. Seus impactos são deletérios principalmente no campo social. O setor emprega 300 milhões de funcionários e frequentemente é alvo de escândalos ligados a condições de trabalho precárias e análogas à escravidão. Devido ao caráter intensivo da produção — e interessada em reduzir os custos com a legislação trabalhista —, a indústria da moda se globalizou. Instalou uma parcela significativa de suas fábricas em regiões pobres e com mão de obra barata, como os países da Ásia, onde o trabalho informal ultrapassa 80% da população. Essa conjuntura, segundo o relatório da JGP, tornou as cadeias produtivas do setor complexas e extremamente difíceis de regular. “Nesses países, o não cumprimento do salário mínimo local é uma prática recorrente — e, muitas vezes, nem mesmo esse patamar é suficiente para garantir o sustento dos trabalhadores”, relatam os analistas da asset.  

Reputação na berlinda 

Esse cenário deixa clara a necessidade de a indústria da moda se reorganizar e revisar seus processos de produção. E um passo crucial — e urgente — nesse sentido é o monitoramento da cadeia de fornecedores. Muitas marcas terceirizam parte de fabricação de suas peças e não raro têm a reputação arranhada por acusações de violação de direitos trabalhistas envolvendo seus prestadores de serviços. O episódio mais recente teve como protagonista a varejista britânica Boohoo. Seus fornecedores em Leicester, no Reino Unido, foram acusados de manterem condições precárias de segurança e higiene em suas fábricas e de pagar aos trabalhadores menos do que um salário mínimo. Em julho, quando as acusações vieram à tona, a Boohoo se apressou em reafirmar seu compromisso com as boas práticas de governança corporativa, mas uma auditoria independente encomendada pela própria companhia acabou identificando diversas falhas na cadeia de suprimento e recomendou melhorias nos processos de gestão, compliance e monitoramento. “Embora a Boohoo tenha feito esforços para tranquilizar o mercado de que tomará as medidas necessárias para fortalecer sua governança e processos internos, é difícil para qualquer empresa desfazer os danos de graves alegações de má conduta”, afirmam, em relatório, os analistas da consultoria de dados IHS Markit.  



Ao avaliar o caso da Boohoo, Ketan Patel, gestor de recursos na Edentree Investment Management, fez um alerta: “Você pode investir na indústria da moda, mas não em fast fashion”, enfatizou Patel, em entrevista à Bloomberg. A rejeição ao modelo, entretanto, ainda é incipiente e restrita a países europeus como Portugal, Suécia, Reino Unido e Noruega. Nas nações emergentes, as varejistas adeptas ao fast fashion continuam em evidência e atraindo milhares de consumidores, entusiasmados com o aumento do seu poder aquisitivo. Isso explica por que, na China, a quantidade de roupas per capita já atinge níveis similares aos de países desenvolvidos.  

Novas rotas 

Diante da lista de evidências sobre a insustentabilidade de sua cadeia de produção — e de indicativos de que investidores não serão mais coniventes com o modelo opressor —, o setor da moda procura se reinventar. Um primeiro passo tem sido a compra de matérias-primas mais amigáveis ao meio ambiente para produção de peças, como o algodão com o selo da BCI (Better Cotton Initiative). Atuante em 23 países, a organização busca auxiliar os produtores na redução do impacto ambiental do cultivo. Uma boa notícia é que, no Brasil, a certificação emitida pela Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) exige o cumprimento de requisitos semelhantes aos da BCI, o que coloca o País no topo da lista de maiores produtores sob a iniciativa, com 2,17 milhões de toneladas produzidas na safra 2018-2019.  

Além da busca por processos mais sustentáveis, grandes marcas têm criado iniciativas que alinhem os negócios aos princípios ESG (sigla em inglês para fatores ambientais, sociais e de governança). Em seu relatório, a JGP menciona três companhias americanas que se destacam nesse sentido: a empresa de vestuário Patagônia, a gigante de itens esportivos Nike e a varejista on-line Everlane. Um dos maiores benchmarks da indústria, a Patagônia coloca a sustentabilidade como um pilar de todas as etapas de sua cadeia de produção, oferecendo programas de reparo e recompra de roupas com o intuito de fomentar a economia circular. Já a Nike, além de revisar o peso das questões socioambientais em seu modelo de negócio após escândalos no último ano, criou um índice estruturado que mede os impactos de seu processo de produção no meio ambiente, desde a etapa da matéria-prima até o produto final. A Everlane, por sua vez, tem ampliado a transparência na estrutura de custos, na precificação de produtos e no relacionamento com a cadeia de suprimento. Em seu site, é possível encontrar, por exemplo, informações detalhadas sobre fornecedores e materiais utilizados na fabricação de itens vendidos no portal. 

“Estamos em um ponto crítico agora, com o setor da moda sendo impulsionado rumo a uma mudança sustentável pelo ativismo dos acionistas, pela demanda do consumidor, por pressões regulatórias e pelos crescentes riscos climáticos. Isso cria oportunidades de investimento poderosas em toda a cadeia de valor”, ressaltou Caroline Brown, diretora-executiva da Closed Loop Partners, empresa americana de venture capital com foco em economia circular, em entrevista para a Vogue Business

Iniciativas ligadas à reutilização de itens e redução de descartes pós-consumo, como a da Patagonia, são uma das exigências da BlackRock. Este ano, a maior gestora de ativos do mundo inseriu a indústria da moda na lista de quatro setores-chave para os quais espera observar crescimento em direção à circularidade no pós-pandemia. Os outros são plástico, tecnologia e saúde.  

A questão é que, para esse movimento se consolidar, é preciso que mais pessoas se conscientizem sobre os malefícios do fast fashion e busquem uma alternativa. Hoje, ela parece residir na disseminação do slow fashion, modelo que prioriza o produtor local, promove consciência socioambiental e pratica preços que incorporam custos sociais e ecológicos. Por ora, no entanto, os esforços para desacelerar a produção têm pouco apelo entre a população em geral — e uma mudança desse cenário demanda reflexões complexas. Afinal, como fazer com que milhões de pessoas que estão conseguindo ter um guarda-roupa mais completo vejam vantagem em comprar menos e reaproveitar? Como convencê-las a abrir mão de produtos mais baratos para adquirir itens caros, porque são mais duradouros e sustentáveis? As soluções não são simples. Mas com o apoio de uma parcela de consumidores preocupados com a preservação do planeta e de investidores engajados com os princípios ESG não devem demorar a aparecer.  


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