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Novas tendências no combate ao insider trading
Incorporação de presunções sobre o ilícito em norma da CVM trará mais previsibilidade para o mercado
Novas tendências no combate ao insider trading
Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio ‎| Ilustração: Julia Padula

Quando se analisa o combate ao insider trading no Brasil é essencial o estudo dos casos que vem sendo decididos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em seus processos sancionadores. Com efeito, praticamente não há decisões judiciais transitadas em julgado sobre a matéria, seja na esfera cível, seja na esfera criminal.  

O insider trading constitui a modalidade mais importante de infração ao dever de lealdade do administrador, previsto no artigo 155 da Lei das S.As., que visa a impedir o uso de informações privilegiadas por parte daqueles que estão “por dentro” dos negócios da companhia. O padrão normativo, seguindo o princípio do direito norte-americano, é o seguinte: o insider faz a divulgação da informação relevante ou abstém-se de negociar. Caso negocie de posse de informação confidencial e relevante estará caracterizado o ato ilícito, pois evidente a assimetria de informações com relação aos demais investidores, a CVM pode, após um procedimento administrativo, aplicar-lhe as penalidades elencadas no artigo 11 da Lei 6.385/76. Embora a Lei das S.As., em sua redação original, preveja apenas o ilícito cometido pelo administrador, ao longo do tempo o conceito de insider foi sendo alargado, abrangendo hoje também o acionista controlador, assim como qualquer pessoa com acesso à informação privilegiada.   

Há dois conceitos fundamentais, quando se analisa a jurisprudência administrativa da CVM: o do insider “primário”, que tem acesso direto à fonte das informações privilegiadas (administradores, acionistas controladores, assessores próximos), e o do insider “secundário”, que as recebem do insider primário. Em torno de tais figuras são construídas as presunções utilizadas pela CVM no julgamento dos casos, aplicadas com relação à: posse de informação relevante e privilegiada; seu uso na negociação e existência da finalidade de auferir vantagem. Como é praticamente impossível a prova direta do ilícito, avultam, nos julgamentos, as presunções (relativas) e os indícios. 

Presunções 

Conforme vários julgados da CVM, presume-se que o insider “primário”, como é próximo à fonte das informações, a elas teve acesso, a não ser que prove o contrário. Tal análise é feita caso a caso, levando-se em conta as funções exercidas pelo insider na companhia; um diretor jurídico ou de marketing, por exemplo, pode não ter tido idêntico acesso a uma informação financeira detida pelo CFO. Tal presunção não se aplica ao insider secundário, cabendo à CVM demonstrar que ele teve acesso à informação. 

A segunda presunção é a seguinte: provado que o insider (primário ou secundário) teve acesso à informação e negociou com valores mobiliários da companhia, entende-se que ele a utilizou na operação.  

A terceira presunção também se aplica a ambos: ao usar a informação, o insider teve o intuito de lucrar ou evitar um prejuízo, não sendo necessário que tenha de fato alcançado tal objetivo. Ou seja, caracteriza-se o ato ilícito ainda que ele tenha mantido em sua carteira os títulos ou realizado prejuízo na operação, pois a finalidade de obter vantagem indevida constitui o elemento subjetivo do tipo, devendo o dolo ser auferido na intenção do agente. 

Os indícios constituem elementos importantes nos julgamentos da CVM, desde que graves e convergentes, para fundamentar uma punição. Caso haja contraindícios igualmente fortes, o acusado deve ser absolvido, tendo em vista o princípio do “in dubio pro reu”. Os principais indícios utilizados são: o momento da negociação, pois quase sempre o insider usa a informação privilegiada em período próximo à sua divulgação; o montante negociado frente ao patrimônio do acusado; e a tipicidade do seu comportamento, talvez o elemento probatório mais importante, pois se analisa se a negociação seguiu ou não um padrão de conduta normalmente adotado pelo acusado. Se ele nunca havia comprado ações e faz uma operação com valores significativos frente ao seu patrimônio na véspera da divulgação de uma informação relevante, sendo parente de um administrador ou do acionista controlador, por exemplo, temos um indício grave de que atuou como insider. Se ele usualmente comprava ações da companhia em montantes compatíveis com seu patrimônio, há um contraindício capaz de amparar sua absolvição.   

Regulamentação 

A minuta de instrução da CVM sobre o insider trading, ora em audiência pública, incorpora sua jurisprudência administrativa, prevendo tais presunções relativas. Assim, a autarquia presumirá, até prova em contrário, que: a pessoa que negocia de posse de informação relevante faz uso dela; o acionista controlador, diretor, membro do conselho de administração, de comitê estatutário e a própria companhia têm acesso a todas as informações relevantes ainda não divulgadas ao mercado; as pessoas acima, bem como aquelas que mantêm relação profissional, comercial ou de confiança com a empresa que possui informação relevante ainda não divulgada, sabem que se trata de informação privilegiada; o administrador que se afasta da companhia dispondo de informação privilegiada vale-se dela para negociar no prazo de seis meses; são relevantes informações sobre incorporação, fusão, cisão ou qualquer reorganização societária, como mudança de controle e fechamento de capital, a partir do momento em que há intenção de realizá-la. A instrução, se editada como está, criará, resolvendo dúvidas sempre levantadas, uma proibição autônoma à negociação por parte dos insiders nos quinze dias anteriores à divulgação das informações trimestrais ou anuais, mesmo que não haja fatos relevantes.  

A incorporação em norma regulamentar da CVM de tais presunções tornará mais previsíveis as decisões do regulador sobre o insider trading e constituirá um guia confiável para os agentes do mercado saberem quando podem ou não negociar de posse de informações “sensíveis”. Por outro lado, não cabe colocar todos os membros da administração e mesmo pessoas externas à companhia no “mesmo saco”. Suas posições diversas levam-nas a acessos diferenciados às informações privilegiadas. Além disso, nos casos de reorganização societária, às vezes é quase impossível saber o momento a partir do qual há intenção de realizá-las. 

Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio

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