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O preço do conservadorismo ao escolher não se endividar
Companhias que se orgulham de apresentar passivos próximos a zero em seus balanços podem estar destruindo valor para os acionistas
Alexandre Póvoa é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor” | Ilustração: Julia Padula
Alexandre Póvoa é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor” | Ilustração: Julia Padula

Ser uma pessoa endividada é bom ou ruim? O senso comum de qualquer cidadão indica que o endividamento deve ser a última coisa a ser procurada, já que o conservadorismo manda que durmamos “com a consciência tranquila”. Pois saiba que você pode estar cometendo um erro grave do ponto de vista financeiro. 


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A hipótese básica de que todo o endividamento é necessariamente danoso vem da ideia de que o capital próprio não tem um custo (“diferentemente da dívida, que paga juros”). Pois saiba que isto não é verdade. Se você possui 1 mil reais em seu bolso, o que você poderia fazer, além de gastá-los em consumo? Aplicar em um fundo de renda fixa ou ações em seu banco? Comprar parte de um negócio para auferir lucros no futuro? Em outras palavras, o seu dinheiro apresenta também o chamado custo de oportunidade. Há diversas alternativas de investimento e poupança em contraponto ao simples consumo. 

No caso das empresas, a mesma verdade se aplica. Companhias que se orgulham de apresentar, em seus balanços, passivos próximos a zero (às vezes, com caixa maior que a dívida) podem estar destruindo valor para os seus acionistas. Cabe lembrar que os juros pagos deduzem da base de cálculo do imposto de renda (IR), gerando um ganho tributário extra. Se uma empresa, por exemplo, capta recursos de um banco a 20% ao ano, seu custo real cai a 14% (20% x 0,7) se considerarmos o abatimento de uma alíquota de IR de 30%. No Brasil, é verdade, também há benefício fiscal para o capital próprio: os juros sobre capital próprio (JCP) representam aproximadamente 7% de chamado tax shield.  

Outra razão que torna a dívida mais barata que o equity é o fato de que o acionista vira literalmente sócio no projeto, no lucro ou no prejuízo. Já o credor simplesmente cobra a sua parte, independentemente do sucesso do negócio. Encontramos exatamente aqui mais uma razão para o custo cobrado pelo capital próprio ser maior do que o da dívida. 

Muito interessante notar a evolução dos números de endividamento das empresas brasileiras abertas em Bolsa ao longo dos anos. Duas medidas são aqui analisadas: A primeira figura refere-se à participação da dívida na chamada estrutura de capital: dívida/(dívida + valor de mercado da companhia); já a segunda está ligada a um mensurador de alavancagem muito usado pelo mercado: dívida liquida/Ebitda.

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Nota-se na figura um pico de 42% em 2002, causado pela queda violenta das ações somada ao encarecimento das dívidas em dólar, que bateu a cotação de 4 reais — o mercado temia a primeira eleição de Lula. Com a melhora da economia nos anos seguintes, observou-se queda forte da apreciação do Real, muito por conta do boom de commodities e da proliferação de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) no mercado brasileiro. Com isso, a participação da dívida no capital despenca para a mínima de 16%. Durante a crise de 2008, que levou à forte queda das bolsas, o indicador volta para 25%. Fica então oscilando por volta desse patamar até escorregar para 19% em 2019. Volta a subir para 25% durante a pandemia (nova derrocada das ações). Atualmente, encontra-se em 24%. 

Qual a importância desses resultados? Por que, no Brasil, as empresas são tão capitalizadas, com percentual de endividamento bastante inferior ao observado em outros países do mundo? Não se deve confundir decisões de financiamento atreladas a risco de crédito com decisões calcadas na ótica racionalmente correta do ponto de vista de criação de valor para o acionista. A volatilidade de políticas econômicas no Brasil nos últimos 25 anos, as altas taxas de juros e os baixos índices de crescimento desmotivaram as empresas a tomarem empréstimos, simplesmente em razão do alto risco de descasamento entre ativo (vendas) e passivo (juros). Traduzindo, a dívida caberia dentro da planilha de um fluxo de caixa até a perpetuidade, mas talvez não resistisse a um teste de solvência de curto prazo.  

Cabe lembrar que os juros representam custos fixos a serem pagos e, quanto maior for a variância de vendas de uma companhia, menos racional é a tomada de um empréstimo. Para empresas de commodities (siderurgia, mineração, alumínio, petróleo e celulose), por exemplo, que têm alta correlação com ciclos econômicos, como captar dívida longa com taxas prefixadas? Apesar de ser uma opção mais barata (devido ao ganho tributário) do que lançar ações (lembre-se do custo de oportunidade), talvez a companhia fique em situação incômoda no momento baixo do ciclo (vendas mais baixas). Aí temos, então, uma pista a ser explorada: a alta participação de empresas de commodities pode enviesar o índice de endividamento do Ibovespa para baixo.  

Analisemos, então, o indicador de alavancagem mais popular entre os analistas: dívida líquida/ Ebitda. A interpretação, grosso modo, aponta para quanto a geração de caixa da empresa suporta a dívida líquida (dívida bruta – caixa).  

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A figura mostra, após um pico em 2014, declínio unidirecional do índice até 2019, elevação durante a pandemia e nova queda em 2022 para o nível agregado de 0,86 para as empresas do Ibovespa.  

Qual é a conclusão?  Repare que, na primeira figura, entre 2013 e 2022, observa-se certa estabilidade na participação da dívida na estrutura de capital. Já a Figura 2 mostra uma pronunciada queda da relação dívida líquida/Ebitda no mesmo período. A conclusão é que as empresas brasileiras melhoraram em muito a sua produtividade, com geração de caixa mais forte. Observa-se um relevante ajuste durante um período de recessão e crise, com as companhias nacionais saindo mais fortes e ficando prontas para decolar. Note-se que a participação da dívida na estrutura de capital não caiu; foi a geração de caixa que subiu. 

A chamada teoria da estrutura de capital ótima (a proporção ideal entre juros e capital próprio que uma empresa ou um indivíduo deve perseguir para financiar suas atividades) consiste em assunto intensamente explorado na literatura econômica. Simplesmente desprezar a opção endividamento (com tipo e prazos adequados) num momento em que a economia brasileira já apresenta sinais de recuperação pode ser um erro estratégico grave. Infelizmente, dada a estrutura decisória ainda arcaica do mercado de capitais nacional — com grande parte das companhias com o sócio majoritário possuindo mais de 51% do controle —, esta concepção conservadora pode pesar muito no bolso do acionista minoritário, dada a destruição de valor da empresa.  

*Alexandre Póvoa ([email protected]) é estrategista da Meta Asset Management e autor dos livros Valuation, como precificar ações e Mundo financeiro, o olhar de um gestor 

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