Dizer que as eleições presidenciais de 2022 no Brasil estão no topo da lista de riscos monitorados pelos investidores chega a ser uma obviedade. A lembrança desagradável da instabilidade nos preços dos ativos em 2018, quando o petismo e a “velha política” passaram a ser hostilizados, continua fresca na memória do mercado. Mas a situação agora é ainda mais delicada. Diante da dificuldade da economia brasileira em se reerguer, uma polarização política nos moldes da ocorrida há quatro anos poderia trazer ainda mais instabilidade para o País. A diferença é que, se nas últimas eleições presidenciais o sentimento antipetista era predominante, hoje a ojeriza parece ter arrefecido. Tanto que a sete meses de os brasileiros irem às urnas, agentes dos mercados financeiro e de capitais dão sinais de que estão mais à vontade — ou ao menos resignados — com a possibilidade de um novo governo conduzido por Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, o candidato petista à presidência lidera todas as pesquisas de intenções de voto.
Na visão do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, essa reação do mercado provavelmente está relacionada ao avanço de Lula rumo ao centro político e a consequente percepção de que um governo dirigido por ele não tomaria medidas mais extremas. Em entrevistas, Lula tem frisado que não quer ser o candidato do PT ou da esquerda unicamente, mas de “um movimento” com alcance maior, incluindo forças sociais. Enquanto esse movimento não se delineia de forma mais concreta (e possibilita análises mais embasadas), Neto observa que o melhor termômetro para medir o humor dos investidores em relação a uma possível vitória do petista é o preço dos ativos. “Recentemente, ao olhar esses preços, vemos que eles caíram pouco. Isso significa que o mercado passou a ser menos receoso com a transição entre governos”, afirmou Campos Neto para a GloboNews, no último dia 14.
De acordo com pesquisa patrocinada pela XP Investimentos, Lula é favorito em São Paulo, cidade detentora do maior colégio eleitoral brasileiro e residência de boa parte das empresas do mercado financeiro. Cerca de 34% dos paulistas votariam nele para presidente, percentual que cai para 26% quando o candidato é Jair Bolsonaro (PL) e para 11%, quando é o ex-juiz Sergio Moro (Podemos). Os outros pré-candidatos têm 7% ou menos das intenções de voto.
Salvador do Brasil?
Poucos dias antes da fala do presidente do BC, circulou no mercado um relatório intitulado “Seria Lula o salvador do Brasil?, elaborado pela casa de análise canadense BCA Research. O documento ressalta que os ativos brasileiros estão “estruturalmente baratos” e recomenda o aumento da exposição de investidores ao País, tanto em ações quanto em títulos de dívida. A expectativa dos analistas da BCA é que Lula, caso vença as eleições, promova uma política econômica pragmática, ainda que mais frouxa no aspecto fiscal. “As propostas de Lula e sua agenda após a eleição serão moderadas, dando um impulso positivo aos mercados financeiros”, escreveram os analistas da BCA, liderados pelo economista-chefe de mercados emergentes Arthur Budaghyan.
Assim como Campos Neto, Budaghyan acredita que Lula entendeu que precisa se deslocar para o centro caso queira atrair a maioria da população, ganhar a confiança dos empresários e criar um cenário positivo para o mercado financeiro. Uma demonstração desse deslocamento seria a sua aliança com o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (sem partido), cotado para ser candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pelo petista. Segundo relatos feitos por integrantes do PT, Alckmin já teria aceitado assumir o cargo — a expectativa é que o anúncio oficial seja feito em março.
De modo geral, a união Lula-Alckmin foi bem recebida pelos investidores. Na opinião de especialistas ouvidos pelo Correio Braziliense, ela poderia representar um desvio ao chamado “risco de cauda” — cenário no qual algo fora do padrão pode acontecer. Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, entretanto, pondera que há o risco de Alckmin ser “apagado” na campanha com o petista. Além disso, ao jornal, ele observou que Lula precisa ter cuidado para não fazer promessas excessivas, uma vez que qualquer proposta precisará ser colocada em prática em meio a um cenário econômico bastante ruim. “[Se ele seguir por esse caminho], ele mata o ‘efeito Alckmin’”, afirma.
Entre os estrangeiros, uma possível vitória de Lula na disputa presidencial é vista com bons olhos. “Não matem o mensageiro: as pessoas gostam do Lula lá fora. E não gostam do Bolsonaro. É um fato isso”, disse Rogério Xavier, cofundador da gestora SPX Capital, em evento do Credit Suisse. O atual presidente manchou a reputação do Brasil no exterior com posições controversas — e muitas vezes estapafúrdias — sobre assuntos que variam de questões climáticas a vacinas. Lula, ao contrário, costuma adotar postura mais diplomática. Na visão de investidores internacionais, o País tende a melhorar sob sua gestão.
“Lula tem uma imagem internacional positiva. Ele não é desconhecido e já foi testado”, disse Gabriel Galipolo, ex-CEO do Banco Fator e sócio-diretor da consultoria Galipolo, para a agência de notícias Reuters. Segundo ele, a perspectiva de que Lula vença as eleições vem estimulando a entrada de capital externo no País, embora essa não seja a principal razão para os ingressos. Após a sinalização de aperto monetário pelo Fed, muitos investidores internacionais reduziram sua participação no setor de tecnologia americano e buscaram oportunidades em mercados emergentes. Em janeiro, os estrangeiros alocaram 32,5 bilhões de reais em ações na B3, o maior saldo mensal de capital externo dos últimos 12 meses. O fluxo impulsionou o Ibovespa, que registrou alta de 6,9% no período.
Terraplanismo econômico
A palavra “salvador” associada a Lula no relatório da BCA Research soou forte para os investidores brasileiros, que permanecem frustrados com o fato de o País não ter conseguido construir uma terceira via até o momento. Mas diante da decepção do mercado com Jair Bolsonaro, a perspectiva de que Lula possa ao menos salvar o Brasil de uma nova gestão do militar já traz certo alívio.
À medida que o tempo para executar projetos amplamente aguardados diminui, as críticas públicas a Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, se tornam mais ácidas e contundentes. Na sua primeira carta aos investidores de 2022, intitulada “Terraplanismo econômico”, a Verde Asset Management, gestora de recursos de Luis Stuhlberger, não esconde sua indignação com a gestão do atual presidente. “Em praticamente todas as áreas de atuação [do governo], o que se viu foi um desastre. Da ação deliberada de atrasar a vacina e jogar insistentemente contra, com o suprassumo das fake news antivax, à política econômica”, destaca o economista-chefe da Verde, Daniel Leichsenring.
Na sua opinião, o ponto derradeiro de descompasso entre o governo e o mercado foi a aprovação, no fim do ano passado, da PEC dos Precatórios e de medidas que limitaram o efeito do teto de gastos. “Houve a destruição completa da credibilidade do teto de gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal, alterados para acomodar um volume extraordinário de gastos a mais com o fundo eleitoral e as emendas parlamentares, sob a esfarrapada desculpa de atender aos mais pobres com o Auxílio Brasil”, critica o economista.
Diante desse cenário temerário e da ausência de uma terceira via forte, Stuhlberger considera que uma vitória de Lula na eleição presidencial deste ano é praticamente certa. “Não acho que um Lula revanchista, um Lula sindicalista ou um Lula de esquerda vão predominar”, disse o gestor em evento organizado pelo Credit Suisse. Ele pondera, no entanto, que dificilmente a inflação ao consumidor vai voltar a 3% com o petista no poder — a tendência é que as reformas no governo Lula se foquem mais no aumento da carga tributária do que no corte de despesas. “Porém, não acho que o mercado está recebendo isso muito mal, se for feito responsavelmente”, comenta Stuhlberger.
Silêncio de Lula
Apesar do otimismo em torno de uma possível vitória do petista, é bom lembrar que qualquer prognóstico positivo em relação aos rumos que a economia brasileira possa tomar sob sua gestão é quase um ato de fé. Até o momento, o petista pouco falou com o mercado, recusando um convite do BTG Pactual para palestrar no CEO Conference Brasil 2022, que aconteceu entre 22 e 23 de fevereiro. O evento anual do banco de André Esteves reuniu outros pré-candidatos à presidência, entre eles Bolsonaro (PL), João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Moro (Podemos).
Membros do PT, entretanto, já começaram a se movimentar para estreitar a relação com os investidores. Alguns deputados petistas, como Rui Falcão, de São Paulo, e José Guimarães, do Ceará, tiveram encontros com o banco de investimentos Modal e com a XP, respectivamente. Outros integrantes da Comissão Executiva Nacional do PT também têm mantido conversas com agentes do mercado.
Até agora, o silêncio de Lula tem atuado a seu favor. Como ele pouco detalhou propostas, o favoritismo do petista é sustentado em boa parte pelas lembranças positivas que parcela do mercado e da sociedade guardam do Brasil que existiu entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010. Os investidores, melhor do que ninguém, sabem que desempenho passado não é garantia de resultado futuro. Mas também reconhecem quando o presente não é mais suportável.
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