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A singela intenção de se tributar dividendos
Ao ater-se à questão fiscal e ignorar as variáveis que influenciam as políticas de dividendos das empresas, Congresso Nacional caminha para a solução errada
Políticas de dividendos e tributação de dividendos
Há uma série de fatores complexos que, individual e coletivamente, importam às decisões de distribuição de lucros para os acionistas.

Um dos temas mais complexos para a governança corporativa é a discussão sobre políticas de dividendos (que é um arcabouço teórico) e a definição sobre o seu desembolso (o caso concreto). A complexidade deriva do fato de o tema ser holístico. De fato, é o corolário de uma série de fatores que, individual e coletivamente, importam às decisões de distribuição de lucros para os acionistas.


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Vamos tecer alguns comentários sobre tais fatores, sem qualquer pretensão de esgotar a discussão sobre eles. Importante lembrar que, no contexto da reforma tributária em curso, o tema voltou a inspirar debates, inclusos os derivados das normas societárias. Aqui vale frisar que os fatos precedem o Direito. E, assim sendo, entender inicialmente os fatos é essencial para definir a razoabilidade das normas que recaem sobre o tema.

Como deve ser, a obediência às normas é requisito civilizatório. Mas o denominado direito positivo (posto) nem sempre é razoável perante os fatos. Ocupo-me aqui, de forma especial, dos fatores concretos que recaem sobre as políticas de dividendos e as definições a elas relacionadas.

O futuro é opaco

O primeiro aspecto que me parece relevante para a definição dos dividendos distribuídos por uma companhia diz respeito ao discernimento sobre a sustentação intertemporal (presente e prospectiva) dos resultados. O futuro, por natureza, é opaco. Logo, as percepções e avaliações de cenários têm de ser suficientemente exaustivas para sabermos se o pagamento de dividendos hoje é consistente com o que se espera ao longo do tempo. Em cenários erráticos e voláteis dos tempos modernos, este tema se tornou crítico.

De outro lado, o ciclo de negócios das empresas pode variar muito em função da conjuntura. E, sobretudo, das alterações estruturais nos mercados em que atua a empresa. Os paradigmas comportamentais dos consumidores e fornecedores, bem como a competitividade tecnológica dos setores econômicos, tornaram crítica a análise sobre a compatibilidade dos ciclos (futuros) e os dividendos (presentes).

Subjetividade elevada

A necessidade de investimento em manutenção e expansão da produção ou dos serviços é outro fator crucial. Toda a análise sobre a razoabilidade de investimentos futuros está baseada em fluxos de caixa descontados por taxas de juros e de riscos que são estimados e ponderados em vista de certas visões conjunturais e de mercado. Nesse contexto, o decisor sobre os dividendos se defronta com desembolsos prováveis de recursos e retornos menos prováveis de investimentos, o que agrega grande dificuldade à análise das políticas de dividendos.

Há, ainda, a questão da estrutura de capital (sumariamente definida como a relação entre capital próprio e de terceiros) — um dos temas não resolvidos pela literatura de finanças. Não há um padrão, digamos, ideal para o administrador da empresa definir com razoabilidade qual é o “nível ideal” de endividamento. Assim, a definição dos dividendos depende de decisões com elevado grau de subjetividade sobre remunerar acionistas ou pagar dívidas.

Outro tema desafiador é a influência que os acionistas exercem sobre a governança corporativa. Quanto mais direta e poderosa for esta influência menor será a prevalência do interesse da empresa sobre o dos acionistas. A Lei das Sociedades Anônimas estruturou a ficção jurídica de que os órgãos de governança corporativa devem defender prioritariamente os interesses da empresa. Todavia, como dissemos acima, os fatos (e interesses) precedem o Direito — e não o contrário.

Variáveis ignoradas

Os aspectos acima mencionados compõem, como se procurou demonstrar, um acervo factual no qual se coadunam condições econômicas (micro e macro), expectativas das partes relacionadas das empresas (especialmente os acionistas), objetivos estratégicos, e assim por diante. É neste quadro que o tema da tributação e regulação dos dividendos está inserido.

A eventual tributação de dividendos a partir da reforma tributária em curso está pautada em função de variáveis de política financeira, fiscal e tributária do Estado. Os aspectos brevemente abordados neste artigo, em geral, têm sido relegados a um plano menor. Todavia, são eles que mais influenciam macroeconomicamente. Tanto em termos de nível de investimentos das empresas e emprego como da saúde financeira sistêmica e individual dos entes econômicos (empresas e sistema financeiro e mercado de capital), avanços tecnológicos, etc.

Essas decisões vão muito além da formulação normativa (legal, econômica e contábil) sobre se os dividendos são renda distinta dos lucros apurados pela empresa. Ou ainda sobre se os lucros acumulados devem ter a sua destinação definida imediata ou mediatamente. Sobre se, quando e como as reservas patrimoniais devem ser constituídas, e assim por diante.

Solução errada

Muitos teóricos de finanças (sobretudo Gordon, Modigliani e Miller, Scholes, Jensen), desde os anos 1960, estudaram os efeitos que as políticas de dividendos podem ter. Tanto sobre o valor de mercado das empresas, as preferências e os interesses dos acionistas e investidores como sobre os temas de “conteúdo informacional”, teoria da agência e outros tantos.

O Congresso Nacional parece que vai se lançar na tarefa de tributar os dividendos sem avaliar muitas variáveis, o que pode tornar a complexidade das políticas de dividendos ainda maior. A solução de tributar dividendos pode ser singela. Mas é errada, pelo que se observa dos debates em torno do tema. Seria muito mais razoável reforçar — juridicamente, inclusive — os pilares da governança corporativa. De modo que o holístico tema dos dividendos fosse objeto de decisões mais robustas, tomadas não apenas na perspectiva de ajustes fiscais.  

__________________________________

*Francisco Petros é economista e advogado atuante nas áreas societária, de compliance e governança corporativa. Atua há três décadas no mercado financeiro e de capital. É conselheiro de administração e membro de comitês assessores de empresas de capital fechado e aberto. Foi presidente da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais.

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