O elefante da governança
Há um verdadeiro elefante na sala no mundo da governança corporativa atualmente
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Ilustração: Freepik

Burocracia. Essa é uma palavra que a grande maioria dos executivos detesta. Apesar disso, a dura realidade é que, consciente ou inconscientemente, muitos diretores e conselheiros ainda têm como aspiração fazer com que suas empresas se tornem burocracias perfeitas.

Suas características centrais — estratificação hierárquica, poder baseado no cargo, fronteiras departamentais bem definidas, papéis delimitados e práticas padronizadas — continuam a ser a base do modelo de gestão da esmagadora maioria das empresas.

O problema é que a burocracia é produto de uma era cujo tempo já passou. Desde quando foi concebida, no final do século 19, o mundo se transformou dramaticamente. Os trabalhos de hoje são cognitivos, não manuais; a vantagem competitiva é produto da inovação, não apenas da escala; a comunicação é instantânea, não lenta e tortuosa; e o ritmo das mudanças é muito superior ao que era antes.

Não obstante, os números mostram que a burocracia está mais viva do que nunca. Desde a década de 1980, o número de gerentes mais do que dobrou nos Estados Unidos. A cada aumento de complexidade no mundo, as empresas tentam responder criando mais cargos, órgãos, políticas e regramentos, o que só tende a aumentar o aparato burocrático.

A burocracia é um sistema anacrônico e desumano que impõe enormes custos às empresas e à sociedade como um todo. Em seu livro Humanocracia, os autores Gary Hamel e Michele Zanini estimam que o custo da burocracia desnecessária nas empresas americanas é da ordem de incríveis 2,6 trilhões de dólares por ano. Como medida de comparação, esse montante corresponde ao dobro do lucro líquido das 3 mil maiores companhias listadas no país em 2018.

Os autores argumentam — com razão — que essas cifras colossais não são o principal motivo para desmantelarmos a burocracia nas empresas. O mais importante é o seu custo humano. Há um imperativo ético fundamental em jogo, uma vez que a burocracia desumaniza, mediocriza e limita as possibilidades de desenvolvimento das pessoas.

É por isso que há um verdadeiro elefante na sala no mundo da governança corporativa atualmente: os debates sobre conselhos de administração ainda estão voltados para construir as máquinas burocráticas perfeitas do século 20, não para criar as organizações flexíveis, inovadoras e humanizadas necessárias para ter êxito no século 21.

Mudanças estruturais

As enormes transformações tecnológicas da 4ª revolução industrial, ambientais da emergência climática e sociais das novas gerações demonstram de forma contundente que a empresa de sucesso de um futuro muito próximo precisará ser bastante diferente da atual. A maioria das empresas necessita de mudanças estruturais, não incrementais. Elas incluem a transição:

  • De pirâmides rígidas para redes flexíveis;
  • Do aproveitamento da inteligência de alguns poucos no topo para a utilização da inteligência coletiva de todos;
  • Do foco em criar sistemas de planejamento orientados a levar informações para cima para sistemas de inteligência que proporcionem informações em tempo real para as pessoas da linha de frente;
  • Da desconfiança baseada em uma premissa negativa sobre as pessoas para a criação de relações de confiança a partir de uma premissa positiva sobre os empregados;
  • Da transparência mínima (em que deve haver justificativa para disponibilizar a informação) para a transparência máxima (em que deve haver uma justificativa para não disponibilizar a informação);
  • Dos chamados “hard controls” centrados em regras e processos para a ênfase nos “soft controls” baseados na autorregulação entre os pares;
  • Do foco no compliance para o foco na ética;
  • Da motivação extrínseca baseada no medo para o foco na motivação intrínseca alicerçada na inspiração;
  • Da empresa organizada em torno de processos para uma empresa organizada em torno das pessoas;
  • Da ênfase nos valores do crescimento e da competição para a ênfase nos valores da conservação e da colaboração;
  • Da obsessão pela eficiência a curto prazo para a busca pela resiliência a longo prazo;
  • Do foco no retorno imediato para os acionistas para a criação de valor compartilhado e sustentável para todos os stakeholders;
  • Da maximização do lucro como conceito de sucesso para a maximização do propósito como conceito de sucesso.

Hora de se questionar

Muito pouco disso é debatido atualmente nos conselhos de administração e nos eventos e cursos dedicados ao tema. Em lugar de discutir como o conselho pode ser mais eficiente em atividades de planejamento e controle — foco dos debates no século 20 —, precisamos nos concentrar em responder perguntas mais condizentes com o mundo contemporâneo. Nesse contexto, duas se destacam:

1. Como os conselhos podem ajudar suas empresas a se tornarem mais humanizadas, com propósito, orientadas aos stakeholders e com ênfase na sua resiliência a longo prazo? Em particular, o que é preciso mudar em sua agenda, composição e funcionamento?

2. Qual será o papel do conselho de administração em empresas de vanguarda que operam com elevado grau de autonomia e confiança baseadas na lógica do “sentir e responder”, utilizando seu propósito como norte (como as empresas que adotam a autogestão)?


Prof. Dr. Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Virtuous Company Consultoria e autor de Empresiliente! Prosperando em um Mundo de Incertezas, Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI e Governança Corporativa: O Essencial para Líderes. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.


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