A aprovação surpreendente do Projeto de Lei 2720/23, que criminaliza a discriminação de pessoas expostas politicamente (ou, como conhecidas no jargão do mercado, as “PEPs”), tem gerado amplos debates e críticas. A começar pelos mercados financeiro e bancário, certamente os mais atingidos pela norma.
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A redação da Lei 9.613/98 e da Resolução do COAF 29/17 define o termo “pessoa exposta politicamente”. Trata-se de parlamentares, governadores, prefeitos, ministros e outros ocupantes de cargos públicos de alto escalão — e a nomenclatura estende-se a familiares de segundo grau e “estreitos colaboradores” desses agentes.
O objetivo do projeto é evitar situações em que as pessoas expostas politicamente, muitas vezes sem qualquer condenação — ou com processo ainda em curso ou em caso de investigação preliminar —, enfrentem dificuldades injustificadas para realizarem negócios com instituições financeiras. Por exemplo, em situações como a de solicitar a simples abertura de uma conta bancária ou de obter financiamento para um imóvel ou carro.
Falhas do KYC
Na prática, a não ser que se declare como pessoa exposta politicamente durante o procedimento de cadastro junto à instituição financeira, um indivíduo somente é identificado como tal após a realização do procedimento de “know your client” (KYC) ou de uma auditoria pelo setor competente dentro da instituição. O KYC e a auditoria constituem dois padrões internacionalmente aceitos pelos mercados financeiro e de capitais no campo dos esforços contra lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Aplicam-se não somente às pessoas expostas politicamente, mas a todo e qualquer cliente.
É verdade que existem casos históricos de falhas na aplicação do KYC. Alguns, inclusive, repercutidos internacionalmente, como o do Panama Papers. O procedimento, contudo, foi se tornando mais sofisticado ao longo dos anos graças ao uso das bases internacionais de dados e de processos de compliance cada vez mais rígidos. Garantem, assim, uma boa dose de segurança não somente para a instituição financeira como também aos seus clientes e aos recursos nela depositados.
Terceiro indesejável
O procedimento faz muito sentido. Ao ter a faculdade e o dever ético, além de jurídico, de se negar a fazer negócios com determinada pessoa de forma fundamentada e justificada, a instituição financeira protege seu principal ativo: a reputação frente ao mercado. Evita, dessa forma, o envolvimento, ainda que completamente indireto e sem culpa, com um terceiro indesejável.
O projeto, por sua vez, visa penalizar as negativas em circunstâncias injustificadas. Para isso, propõe a aplicação de multas diárias de até 10 mil reais, além de penas de prisão de dois a quatro anos, para quem praticar ações discriminatórias contra pessoas expostas politicamente ou na condição de réu em processos sem trânsito em julgado. Alguns exemplos dessas práticas: obstar a promoção funcional; negar ou obstar emprego em empresa privada; impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; negar a abertura ou manutenção de conta corrente, concessão de crédito ou outro serviço de instituições financeiras.
A proposta ainda vai passar pelo Senado e, após sua possível aprovação, seguirá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele terá 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto, seja integralmente ou parcialmente. Em caso de veto, as decisões serão analisadas pelo Congresso Nacional e poderão ser derrubadas pelos parlamentares.
Impacto nos M&As
Para além dos processos de KYC, na hipótese de aprovação do projeto de lei, as operações de fusões e aquisições (M&A) e investimentos envolvendo sócios com características de pessoas expostas politicamente também poderão ser afetadas. Afinal, é comum que compradores e investidores tenham regras específicas para transações entre partes que tenham esse perfil.
No caso de fundos de investimento, por exemplo, existem disposições nos regulamentos que estabelecem uma série de pormenores a serem observados em negociações que envolvem pessoas expostas politicamente. As cláusulas se aplicam, por exemplo, a sócios ou investidores de uma determinada empresa-alvo. Já observamos situações em que a transação foi suspensa por preocupações relacionadas a PEPs envolvidas no negócio.
Com cautela, sem discriminação
Se o projeto de lei for aprovado, as auditorias envolvidas nessas transações deverão adotar uma cautela adicional em seus trabalhos. Caberá a elas adotar medidas que mitiguem riscos associados a essas pessoas sem incorrer em possível discriminação. A nova legislação exigirá políticas internas bem calibradas nesse sentido. Além disso, treinamentos para funcionários, atualização de políticas de conformidade e revisão de contratos serão necessários para garantir tratamento justo e em conformidade com a lei.
Embora o projeto não impeça a realização de diligência jurídica e de compliance de pessoas expostas politicamente, tudo indica que as discussões acerca do tema ganharão novos contornos caso ele prospere. Mais um aspecto delicado a integrar as já complexas transações de investimento.
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