Os acionistas da Localiza que participaram da última assembleia geral ordinária da companhia, em 23 de abril, foram surpreendidos por um ponto pouco habitual no boletim de voto a distância. Além de apresentar o tradicional questionário de múltipla escolha, a administração fez uma sugestão aos votantes: que se abstivessem de opinar sobre a proposta de adoção de um conselho fiscal.
A Localiza escreveu que não recomendava a instalação do conselho fiscal argumentando já ter um órgão de controle previsto em estatuto, o comitê de auditoria. Na avaliação da companhia, as funções desse comitê poderiam se sobrepor às desempenhadas por um conselho fiscal, o que resultaria em “aumento de custos sem benefícios claros”. A empresa indicou querer evitar a eleição de candidatos indicados por “acionistas detentores de percentual ínfimo ou minimamente representativo do capital”. A instalação foi proposta por sócios detentores de 2% do capital social da empresa.
A iniciativa da companhia é inusual. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não quis comentar especificamente o caso da Localiza, mas informou, em nota enviada à CAPITAL ABERTO, que “o anexo 21-F da Instrução CVM 481 não prevê, no item 15 (sobre o desejo da instalação do conselho fiscal), que companhias apresentem opiniões sobre essa instalação”.
Renato Chaves, conselheiro em empresas de capital aberto e editor do Blog de Governança, diz desconhecer ação semelhante em companhias abertas. “Não existe no boletim a figura de recomendação de voto. Isso deve estar posto na proposta da administração”, argumenta. Também incomoda Chaves o fato de a companhia incentivar que os acionistas não instalem o conselho fiscal. “Queridos acionistas controladores, a Lei é clara sobre o direito de acionistas minoritários fiscalizarem a sua gestão; se vocês não querem ser fiscalizados a solução é muito simples: fechem o capital”, alfineta, em seu blog.
Já na visão de Paula Magalhães, sócia do escritório Lobo de Rizzo Advogados, a recomendação poderia estar tanto na proposta da administração quanto no boletim de voto. “Acredito que a Localiza inovou e foi diligente nesse caso. A empresa não impediu nenhum acionista de votar e buscou fornecer informações para o tema. Não há nada pior que o uso do voto de forma desinformada, e isso, infelizmente, é comum em votações via boletim de voto a distância”, afirma. A advogada também concorda com o conteúdo da proposta da empresa. “As diferenças entre conselho fiscal e comitê de auditoria são muito sutis e funcionam apenas na teoria. O que se observa na prática é uma sobreposição de funções, que é custosa. Ainda mais num momento de pandemia e contenção de gastos”, avalia.
Em nota, a Localiza observa que a recomendação para a não instalação do conselho fiscal já constava em seu manual de participação em assembleias. “Para deixar mais clara a recomendação da companhia, que não foi compreendida por alguns acionistas no passado, ela optou por constá-la também no boletim de votação a distância. A companhia preza pela transparência e clareza nas comunicações com seus investidores”, atesta.
Diferença entre conselho fiscal e comitê de auditoria
Por natureza, tanto o conselho fiscal quanto o comitê de auditoria são órgãos de controle e fiscalização de uma companhia. Ainda assim, suas atuações são distintas. Segundo o Código Brasileiro de Governança Corporativa elaborado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o comitê de auditoria assessora o conselho de administração e a ele responde, enquanto o conselho fiscal é um órgão de controle independente dos administradores, que se reporta diretamente aos acionistas.
Vale destacar que os dois órgãos divergem em suas origens. O comitê de auditoria é resultado da resposta do mercado americano a uma série de escândalos decorrentes de fraudes contábeis — desse movimento nasceu a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), de 2002, que passou a exigir essa instância interna de controle, formada exclusivamente por membros independentes (sendo ao menos um deles especialista em finanças). A ideia era limitar a ocorrência de desvios nas companhias.
Dois anos depois, o Brasil aderiu ao conceito. Instituições financeiras, seguradoras e entidades de capitalização e previdência foram obrigadas a adotar o comitê de auditoria por determinação do Banco Central e da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Em 2016, o órgão também passou a ser recomendado para todas as companhias abertas e, um pouco depois, em 2018, o comitê de auditoria tornou-se indispensável para todas as companhias integrantes do Novo Mercado — caso da Localiza.
Já o conselho fiscal é um órgão opcional, instalado conforme a demanda dos acionistas. Esse tipo de conselho está previsto na Lei das S.As. e pode ser solicitado por investidores que detenham uma participação mínima do capital da empresa. A Lei 6.404/76 fixou esse percentual em 10%, mas deu poderes à CVM para reduzi-lo — e assim foi feito. Por meio da Instrução 324/00, a autarquia baixou os percentuais mínimos para uma faixa entre 2% e 8%, conforme o capital social da companhia. No caso da Localiza, a instalação foi requisitada por acionistas com 2% do capital.
Proposta da Abrasca
A flexibilização determinada pela CVM, no entanto, não encontra consenso no mercado. Na interpretação da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), a autarquia “facilitou imensamente” a instalação do órgão em relação aos critérios originalmente previstos em lei. A entidade defende uma reforma da Instrução 324/00 que eleve os requisitos mínimos para a solicitação de instalação do conselho.
Assim como a Localiza, a Abrasca é contra a atuação simultânea do conselho fiscal e do comitê de auditoria, e chegou a sugerir uma mudança regulatória que evitasse essa situação. A proposta foi enviada em novembro de 2019 à Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK), grupo formado por representantes do Ministério da Economia, do Banco Central, da CVM e da Susep. A entidade igualmente pleiteia que o pedido de instalação do conselho fiscal seja retirado do boletim de voto a distância, sob a alegação de que o assunto deve ser debatido em assembleia, para que não seja aprovado por meio de um “clique desinformado”.
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