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Restituição de bônus indevidos: um caso emblemático
Ex-ministro do Planejamento Roberto Campos passou pela experiência de ser obrigado a devolver os ganhos obtidos sobre resultados de um balanço com erros
clawback, Restituição de bônus indevidos: um caso emblemático, Capital Aberto
Em tese, não há impedimento para que os termos de compromisso celebrados com a CVM contemplem restituições às empresas, cumulativamente aos valores recolhidos à autarquia | Imagem: Freepik

Em artigo publicado aqui mesmo na Capital Aberto (Temos boas razões para adotar a compensation clawback), leio sobre propostas de alteração nos requisitos de listagem na Nyse e na Nasdaq com o intuito de que as empresas adotem políticas de recuperação de remuneração variável paga a administradores com base em balanços posteriormente modificados por conta de erros materiais. 


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A adoção dessas previsões institucionais de autorregulação exige determinação para ser cumprida. Por sinal, em tese, no caso das companhias abertas brasileiras, penso não existir impedimento para que os termos de compromisso celebrados com a CVM contemplem restituições às empresas, cumulativamente aos valores recolhidos à autarquia.  

Por aqui, segundo informa o artigo citado, existem sugestões de reformas legislativa, administrativa e institucional, para coibir a corrupção e as fraudes privadas, incluindo a devolução de valores recebidos, no caso de irregularidades contábeis. Não conheço o teor dessas propostas, mas imagino que contemplem as indenizações pagas em decorrência de assédios e importunações, como aconteceu no caso do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães.  

As empresas listadas devem se acautelar, pois essas contas não podem ser imputadas aos acionistas. Mesmo não havendo indenizações a pagar, as cotações das ações são afetadas. É o caso também das reparações em decorrência de agressões sofridas por clientes, que geralmente acontecem em supermercados e shoppings. 

Sobre a devolução de remuneração baseada em demonstrações financeiras falsas ou errôneas, houve um caso emblemático. Segundo relata José Carlos de Assis (A Chave do Tesouro, 1983), o ex-ministro do Planejamento (1964-67) Roberto Campos, que praticou uma política monetária contracionista, enxugando a liquidez da economia, num tempo propício à supremacia dos tecnocratas (como se dizia) sobre os políticos, passou por experiência dessa natureza. 

Ao deixar o governo, prestigiado junto à comunidade financeira, Roberto Campos foi convidado a assumir a presidência do Investbanco (Banco de Investimento Industrial S.A.). Logo ocorreram aquisições de outras instituições, formando o Banco União Comercial (BUC), que colocou em prática uma gestão inovadora (pelo menos, à época), mas os resultados não corresponderam às expectativas. Ao contrário, em 1974 o conglomerado entrou em derrocada e sofreu intervenção do Banco Central. 

Em março daquele ano, Roberto Campos se afastou. Conforme divulgado publicamente, para retornar ao Itamaraty, sendo designado embaixador em Londres. Um decreto casuístico desbloqueou seus bens antes do término da intervenção e, consequentemente, antes que se caracterizasse a responsabilidade dos administradores

O BUC fechou o balanço em março apresentando um lucro colossal, que havia sido em parte distribuído aos diretores. No curso da intervenção, o Banco Central apurou que o balanço estava comprometido por créditos podres (empréstimos perdidos ou de difícil recebimento), ali classificados indevidamente como bons. 

Então, o diretor da área bancária, Ernesto Albrecht, que não era muito diplomático, mas determinado, enviou para Londres uma carta cobrando a devolução do valor recebido por Campos na distribuição de lucros. O embaixador teria devolvido sem contestar. 

Em suas memórias (A Lanterna na Popa, 1994), Roberto Campos atribui os problemas de gestão no BUC à interferência dos acionistas controladores; e a iliquidez do conglomerado, à crise de confiança desencadeada pela quebra do Banco Halles e à sua própria saída do comando executivo. 

Ele relatou que, em 1986, já em seu primeiro mandato como senador, foi multado pelo Banco Central por atos relacionados à sua atuação no BUC. O então senador preferiu não recorrer, optando por enviar uma carta-protesto ao presidente do órgão. 

Ao que tudo indica, essa multa não se confunde com a restituição relatada por José Carlos de Assis (seu livro é de 1983). A propósito, no serviço público, Campos foi presidente do BNDES, ministro, embaixador, senador e deputado. Com posições claras — liberal ortodoxo na economia e conservador na política —, sempre se alinhou à corrente ideológica à qual aderiu. 

Casos desse tipo ainda não receberam tratamento institucional adequado. Em lugar da transparência, aparentemente prefere-se celebrar acordos confidenciais, para evitar a revelação de (outras) eventuais práticas comprometedoras. Mais uma razão para a mudança proposta por Nyse e Nasdaq. 

*Carlos Augusto Junqueira de Siqueira é advogado. Atuou como superintendente da Comissão de Valores Mobiliários e é autor dos livros Fechamento do capital social e Transferência do controle acionário 

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