No julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº 19957.003434/2020-42 (“PAS”), ocorrido em setembro de 2023, membros do conselho de administração de companhia aberta foram absolvidos por suposta infração ao dever de diligência, previsto no artigo 153 da Lei 6.404/76 (“Lei das Sociedades por Ações”). Eles não convocaram uma assembleia geral para modificar o objeto social da companhia após a manutenção de participação societária em uma única sociedade que, na visão da Superintendência de Relação com Empresas (“SEP”), não desempenhava atividade análoga às previstas no objeto social da companhia.
O PAS teve origem em reclamação formulada por acionista que alegou não ter sido concedido o direito de recesso aos acionistas da companhia, previsto no artigo 137 da Lei das Sociedades por Ações. Na ocasião, a SEP entendeu não caber ao reclamante o direito de recesso, uma vez que o objeto social da companhia não tinha sido formalmente alterado. Tal decisão estava em linha com o entendimento exaurado pelo colegiado da CVM, no julgamento do Processo CVM nº 2003/7612, de que a deliberação assemblear é pressuposto do direito de recesso.
Dever de diligência
Contudo, a área técnica se posicionou no sentido de que os administradores da companhia deveriam ter convocado uma assembleia geral extraordinária para modificação do seu objeto social a partir do momento em que a companhia passou a manter participação societária em uma única sociedade, que atuava em um segmento cuja atividade não se enquadrava, nem ao menos parcialmente, no objeto social da companhia. Na visão da SEP, a companhia, que antes auferia receitas por participações societárias, nos termos do artigo 2º, § 3º da Lei das Sociedades por Ações, passou a se resumir a um investimento em coligada atuante em segmento diverso de seu objeto social.
Assim, a SEP entendeu que a ausência de convocação de tal assembleia representou uma quebra do dever de diligência dos membros do conselho de administração da companhia.
Divergindo dos argumentos apresentados pela área técnica, o relator do PAS não vislumbrou uma mudança no escopo das atividades desenvolvidas pela companhia, e, portanto, uma quebra do dever de diligência dos administradores, especialmente pelas seguintes razões:
· desde a sua constituição, optou por definir um objeto social amplo, sem fixar um segmento de atuação específico, possivelmente já considerando a chance de expansão de suas atividades ou a sua migração para outros ramos de atuação, o que é razoável para permitir a preservação e expansão das companhias;
· estava autorizada, nos termos do seu estatuto social, a exercer suas atividades por meio da participação em outras empresas, caracterizando-se desde 1983 como uma “holding pura” com participação societária nos mais variados ramos de atividades; e
. possuía em seu objeto social uma atividade que poderia ser correlacionada com o segmento em que a sociedade investida atuava, trazendo o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que o desenvolvimento de atividades complementares da atividade principal ou a ela integradas não configurariam alteração do objeto social.
O relator constatou também que existiam elementos comprobatórios no sentido de que a companhia atuava no setor em questão desde 1999, não se tratando, portanto, de uma atividade propriamente nova. Caso o fosse, caberia, na ocasião, a alteração do seu objeto social em sede de assembleia, sendo que os próprios acionistas poderiam convocá-la na omissão dos administradores. Por fim, reforçou que tal discussão não foi levantada à época pelos acionistas, o que seria um forte indicativo de que a alteração do objeto social não é evidente.
Convocação de Assembleia: direito ou obrigação dos acionistas?
Quanto a esses quesitos, houve uma discordância do presidente do colegiado. Ele entendeu que, satisfeitos os parâmetros previstos no artigo 123 da Lei das Sociedades por Ações, a convocação de uma assembleia torna-se um direito dos acionistas, e não uma obrigação, e, ainda, que a ausência de reclamação por parte dos acionistas não exime os administradores de adotarem o comportamento requerido pela legislação, regulação ou pelo estatuto social.
Amplitude do objeto social
Em seu voto, o presidente do colegiado reforçou que o §2º do artigo 2º da Lei das Sociedades por Ações, dispondo que o objeto social deve ser estabelecido de modo preciso e completo, deve ser interpretado e aplicado de forma sistemática e conforme a realidade empresarial moderna. Ele afirmou ainda filiar-se ao entendimento de que as investidas de companhias que possuem em seu objeto social a participação em outras sociedades podem desenvolver atividades diferentes daquelas previstas no objeto social da companhia.
Na sua visão, a lógica por trás da conclusão de desnecessidade de alteração do objeto social no caso concreto é a mesma utilizada para fins de determinar se uma alteração do objeto social dará direito de retirada ao acionista: alinhado com a doutrina e a jurisprudência dominantes, afirma que somente uma alteração substantiva que resulte na mudança do escopo de atuação da companhia daria o direito de retirada ao acionista, o que não aconteceria em um mero acréscimo ou supressão de atividades.
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