No último dia 26 de março, foi editado o Decreto 11.964/24 definindo os projetos considerados prioritários pelo Poder Executivo, que regulamenta a Lei 14.801/24 (legislação que instituiu as novas debêntures de infraestrutura), a Lei 12.431/11 (conhecida por ter criado as debêntures incentivadas, além de outros valores mobiliários com benefício fiscal e os fundos de investimento em infraestrutura – FI-Infra) e a Lei 11.478/07 (que instituiu os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura – FIP-IE), além de ter revogado o antigo Decreto 8.874/16 que regulamentava o mesmo tema. Embora a Lei 14.801/24 tenha previsto que a regulamentação do tema pelo Poder Executivo seria editada até 09 de fevereiro, o Decreto 11.964/24 apenas foi editado no dia 26 de março.
No Brasil, a Lei 14.801/24 e a Lei 12.431/11 representam marcos regulatórios significativos que visam fomentar investimentos no setor de infraestrutura. As já conhecidas debêntures incentivadas foram estabelecidas pela Lei 12.431/11 e garantem benefícios fiscais aos investidores pessoas físicas (isentos de imposto de renda) e aos investidores pessoas jurídicas (alíquota de 15% de imposto de renda).
Por outro lado, a Lei 14.801/24 sancionada em 09 de janeiro, além de trazer outras disposições relevantes para o setor de infraestrutura, busca agora garantir benefícios fiscais alocados diretamente aos emissores de debêntures de infraestrutura, incentivando de forma indireta a participação de investidores institucionais que já eram isentos ou contavam com alíquota reduzida de imposto de renda, como fundos de pensão e diferentes espécies de fundos de investimento.
Esclarecimentos trazidos pelo Decreto 11.964/24
Até a edição do Decreto 11.964/24, inúmeras comunicações foram enviadas ao Governo Federal visando discutir a regulamentação e outros temas relevantes que não restavam totalmente esclarecidos apenas com a publicação da Lei 14.801/24. Referidas tratativas contemplaram, inclusive, a manifestação de associações setoriais objetivando a manutenção dos respectivos setores como prioritários para os benefícios fiscais advindos da legislação.
Um dos principais pontos de discussão do Governo Federal para a edição do Decreto 11.964/24 foi a questão relacionada à ingerência dos ministérios acerca da definição dos projetos de investimento considerados como prioritários. O mercado acompanhou de perto essas discussões, que envolveram intensos debates entre os ministérios sobre a delegação de competência ou não.
O ponto crucial trazido pelo Decreto 11.964/24 pauta-se justamente na listagem dos setores e projetos de investimento que podem ser considerados prioritários pela legislação atualizada. Em contrapartida aos anseios do mercado, ao comparar a nova linguagem ao agora revogado Decreto 8.874/16, pode-se concluir que o texto do Decreto 11.964/24 é, em termos gerais, mais restritivo do que se imaginou. Tal noção mais restritiva é inclusive estampada no art. 4º do novo Decreto, que traz um rol exaustivo (“incluídos exclusivamente”) justamente para os setores que mais emitiram debêntures incentivadas ao longo dos últimos anos (i.e., energia, logística e transportes e mobilidade urbana)[1]:
Logística e transportes, incluídos exclusivamente: a) rodovias; b) ferrovias, inclusive locomotivas e vagões; c) hidrovias; d) portos organizados e instalações portuárias, inclusive terminais de uso privado, estações de transbordo de carga e instalações portuárias de turismo; e e) aeródromos e instalações aeroportuárias de apoio, exceto aeródromos privados de uso privativo; | |
Mobilidade urbana, incluídos exclusivamente: a) infraestruturas de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano; b) aquisição de veículos coletivos associados às infraestruturas a que se refere a alínea “a”, como trens, barcas, aeromóveis e teleféricos, exceto ônibus que não se enquadrem no disposto na alínea “c”; e c) aquisição de ônibus elétricos, inclusive por célula de combustível, e híbridos a biocombustível ou biogás, para sistema de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano; | |
Energia, incluídos exclusivamente: a) geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica; b) gás natural; c) produção de biocombustíveis e biogás, exceto a fase agrícola; d) produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono; e) hidrogênio de baixo carbono; f) captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono; e g) dutovias para transporte de combustíveis, incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono; | |
Parques urbanos públicos e unidades de conservação; | Telecomunicações e radiodifusão; |
Saneamento básico; | Irrigação; |
Equipamentos públicos culturais e esportivos; | Requalificação urbana; |
Educação pública e gratuita; | Saúde pública e gratuita; |
Habitação social, incluídos exclusivamente projetos implementados por meio de PPPs; | Transformação de minerais estratégicos para a transição energética; e |
Segurança pública e sistema prisional; | Iluminação pública. |
Além do rol exaustivo para os principais setores do mercado de infraestrutura, nota-se também a restrição tanto para o setor da saúde e educação quanto para habitação social que, no antigo Decreto 8.874/16, não continha a previsão “pública e gratuita” e “exclusivamente projetos implementados por meio de PPPs”.
Além disso, em contraponto à celeridade que o Decreto 11.964/24 e a Lei 14.801/24 buscam garantir para o enquadramento automático dos projetos como prioritários, foi definido que os ministérios poderão editar novas portarias complementares ao Decreto para regulamentar de forma específica o tema do enquadramento para seus respectivos setores, podendo inclusive impor outras limitações a subsetores não previstas no Decreto 11.964/24.
Embora não previsto na Lei 12.431/11 e na Lei 14.801/24, o Decreto 11.964/24 ainda parece ter imposto certa restrição à possibilidade de emissão de valores mobiliários com benefícios fiscais por sociedades de propósito específico (SPEs) que não sejam titulares de projetos regulados. Apesar de não ir diretamente contra essa determinação, o art. 5º do novo Decreto exige que os projetos de investimento sejam relacionados a concessão, permissão, autorização, arrendamento ou contrato de programa para serem considerados prioritários. Este ponto certamente será objeto de discussões e esclarecimentos.
Como antecipado, em regra não será mais necessária a chancela ministerial prévia pelos ministérios competentes (até o momento, será necessária apenas para projetos de titularidade de entes subnacionais). Conforme previsto no art. 8º do novo Decreto, para garantir o acompanhamento e fiscalização dos projetos prioritários, bastará o envio de informações relacionadas aos empreendimentos :
a) nome empresarial e número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ, próprios e do titular do projeto, quando se tratar de pessoas jurídicas distintas; b) setor prioritário em que o projeto se enquadra; c) objeto e objetivo do projeto; d) benefícios sociais ou ambientais advindos da implementação do projeto; e) datas estimadas para o início e para o encerramento do projeto ou, na hipótese de projetos já em curso, a data de início efetivo, a descrição da fase atual e a data estimada para o encerramento; f) volume estimado dos recursos financeiros totais necessários para a realização do projeto; e g) volume de recursos financeiros que se estima captar com a emissão dos títulos ou valores mobiliários, e respectivo percentual frente à necessidade total de recursos financeiros do projeto; |
No momento de registro da oferta pública dos valores mobiliários com benefícios fiscais na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, o emissor deverá apresentar a comprovação do protocolo das informações sobre o projeto prioritário ao ministério competente. Além do envio dessas informações, o emissor deverá:
II – manter atualizadas, junto ao Ministério setorial, as seguintes informações próprias e do titular do projeto, quando se tratar de pessoas jurídicas distintas: a) a relação das pessoas jurídicas que o integram; e b) a identificação da sociedade controladora, na hipótese de pessoa jurídica constituída sob a forma de companhia aberta com valores mobiliários admitidos à negociação no mercado acionário; |
III – destacar, de maneira clara e de fácil acesso ao investidor, por ocasião da emissão pública dos valores mobiliários com benefícios fiscais, no Prospecto e no Anúncio de Início de Distribuição ou, no caso de ofertas destinadas exclusivamente a investidores profissionais, no Anúncio de Encerramento e no material de divulgação: a) a descrição do projeto, com as informações de que trata o inciso I; b) o compromisso de alocar os recursos obtidos no projeto prioritário; e c) o número e a data de publicação da portaria de aprovação, quando exigida; e |
IV – assegurar a destinação dos recursos captados para a implantação do projeto prioritário e manter a documentação relativa à utilização dos recursos disponível para consulta e fiscalização por pelo menos cinco anos após o vencimento dos valores mobiliários com benefícios fiscais, ou após o encerramento do fundo de investimento em direitos creditórios. |
Apesar da recente decisão do Tribunal de Contas da União de avaliar o subsetor de geração distribuída e eventual prática de comercialização de energia elétrica de forma irregular, por meio do processo TC 005.710/2024-3, o Decreto 11.964/24 traz boas notícias ao setor de GD. O subsetor de geração distribuída recebeu tratamento específico, conforme determinado pelo Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída (14.300/22), já que, para fins de emissão exclusivamente de debêntures incentivadas, não será necessário que o projeto de investimento cumpra com os requisitos do art. 5º do Decreto 11.964/24:
Art. 17. Nos termos do disposto no parágrafo único do art. 28 da Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022, exclusivamente para fins de emissão dos valores mobiliários a que se refere o art. 2º da Lei nº 12.431, de 2011, os projetos de minigeração distribuída serão considerados como projetos prioritários e que proporcionam benefícios ambientais e sociais relevantes, independentemente do atendimento ao disposto no art. 5º deste Decreto.
Outros destaques são:
- O Decreto será revisto até o dia 31 de dezembro de 2025, conforme disposto na Lei 14.801/24;
- Emissão de debêntures de infraestrutura com cláusula variação cambial já está autorizada, sem referência a qualquer outra regulamentação adicional pelo Ministério da Fazenda ou Conselho Monetário Nacional;
- Saída do setor de óleo e gás devido à linguagem restritiva do art. 4º;
- Debêntures incentivadas e de infraestrutura poderão ser emitidas pelo mesmo projeto prioritário, até o limite de despesas financiáveis, embora os benefícios fiscais não possam ser cumulados pela mesma debênture;
- Há um período de transição de 90 dias para os projetos de investimento que tenham portarias de prioridade editadas no âmbito de novas emissões de debêntures incentivadas;
- Ofertas relacionadas a projetos que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes, desde que tenham relatório de avaliação externa, terão prioridade no registro na CVM, além de outros benefícios.
Temas Pendentes de Regulamentação e Temas Controversos
Apesar dos esclarecimentos trazidos pelo Decreto 11.964/24, diversos temas relevantes ainda aguardam regulamentação. Aqui destacamos justamente as portarias ministeriais complementares trazidas pelo novo Decreto que, contra todas as preocupações expostas pelo mercado, não possuem prazo máximo para serem editadas e/ou publicadas. Como já exposto, referidas portarias ministeriais poderão inovar e impor novas restrições.
Além disso, portaria do Ministério da Fazenda poderá detalhar as despesas financiáveis por meio de debêntures incentivadas e de infraestrutura, incluindo ou excluindo certos requisitos. O Ministério da Fazenda também poderá autorizar a aquisição de debêntures de infraestrutura por parte relacionada para colocação do papel no exterior no âmbito de uma operação estruturada.
No Decreto 11.964/24, não houve nenhuma disposição relacionada ao “bond de infraestrutura”, previsto no art. 8º da Lei 14.801/24. É possível que o Conselho Monetário Nacional eventualmente poderá publicar uma resolução para regulamentar tal instrumento nos próximos meses.
Por fim, outro tema que suscita esclarecimento refere-se aos FI-Infra. Apesar de os Fundos FIP-IE estarem autorizados a investir em debêntures de infraestrutura, o mesmo tratamento não foi garantido aos FI-Infra, embora ambos os fundos estejam sujeitos à alíquota de 10% de imposto de renda nesse tipo de investimento, conforme art. 4º da Lei 14.801/24. Considerando que o art. 3º da Lei 12.431/11 não foi adequado para prever que FI-Infra podem investir em debêntures de infraestrutura dentro da alocação mínima de 85% em infraestrutura, é possível concluir que ainda teremos obstáculos para viabilizar o investimento desse tipo de fundo em debêntures de infraestrutura.
Outros destaques são:
- Existe certa discussão acerca da efetiva possibilidade das debêntures serem utilizadas para o financiamento de outorgas, tema que provavelmente será objeto de esclarecimentos;
- O Decreto não esclarece se o benefício fiscal das debêntures de infraestrutura é aplicável à remuneração global dos debenturistas ou somente aos juros stricto sensu, delegando à Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda e à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda potenciais esclarecimentos sobre este assunto;
Em resumo, é evidente que, não obstante alguns avanços e esclarecimentos ainda aguardados pelo mercado, certamente o novo regime das debêntures traz perspectivas positivas para o financiamento da infraestrutura no Brasil. Foi exatamente dessa forma que o antigo marco legal da Lei 12.431 foi também evoluindo ao longo do tempo tendo se tornando um importantíssimo instrumento de financiamento. Espera-se que as portarias ministeriais complementares não imponham novas restrições mas sim contribuam no esclarecimento dos pontos aqui discutidos, principalmente considerando a grande familiaridade de parte dos ministérios na avaliação de projetos de investimento para os setores previstos como prioritários no novo Decreto.
[1] Conforme dados disponíveis no último Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas do Ministério da Fazenda, edição 109ª, referente ao período de 2012 até o final de 2022, divulgado em: 22/02/2023.
Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.
Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.
User Login!
Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.
Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais
Ja é assinante? Clique aqui