
A eficácia[1] do negócio jurídico que implica a alienação do controle de companhia aberta depende do lançamento, pelo adquirente do controle, de oferta pública de aquisição das ações (OPA) com direito de voto detidas pelos acionistas minoritários da companhia-objeto. Após a reforma promovida pela Lei 10.303/2001, com a reintrodução do instituto da OPA por alienação de controle na legislação societária, ficou definido que a oferta deveria ser lançada por um preço equivalente a, no mínimo, 80% do valor pago por ação com direito a voto do bloco de controle.
Nada obstante, determinados segmentos especiais de listagem criados pela B3 conferem tratamento igualitário aos acionistas da companhia (controladores e minoritários), ampliando o alcance da OPA para abarcar as ações preferenciais (quando emitidas) e igualando o preço por ação pago pelas ações do bloco de controle às ações detidas pelos minoritários.
Questão controversa
Ao longo dos anos, a questão do preço na OPA por alienação de controle foi objeto de discussão doutrinária e objeto de análises pelo colegiado da CVM. A primeira questão controversa se apresenta quando a alteração de controle é indireta, isto é, quando a companhia adquirida na transação controla a companhia aberta alvo.
Nestas hipóteses, o ofertante deve justificar[2] o preço por ação a ser pago pelas ações da companhia aberta na oferta uma vez que o preço da transação pode contemplar, além das ações de emissão da companhia aberta, outros ativos detidos pela controladora. À CVM faculta-se, inclusive, “determinar a apresentação de laudo de avaliação da companhia objeto” para esse fim.
No processo administrativo CVM RJ 2007/1996[3], o colegiado se manifestou no sentido de que “a CVM tem competência para analisar (e o dever de fazê-lo) se a ‘demonstração justificada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da Lei 6.404/76, correspondente à alienação do controle da companhia objeto’, a que se refere o § 6º do art. 29 da Instrução 361/02, foi realmente feita de maneira justificada[4]”.
No precedente, o colegiado não alterou a metodologia — de múltiplos de Ebitda para cotação em bolsa, como pretendeu a área técnica — empregada pelo ofertante na justificativa do preço. Mas determinou que “fossem acolhidos os ajustes no cálculo de preço baseado em Ebitda apresentados pela SRE […], tendo em vista os equívocos constantes do cálculo efetuado pela ofertante, que quanto a esses pontos, portanto, não logrou apresentar a ‘demonstração justificada’”[5].
Nesse sentido, foi reconhecida a competência da área técnica para determinar correções na justificativa do preço por ação incluída nos laudos de avaliação, as quais, implementadas pelo ofertante, podem alterar o preço da OPA.
Extensão dos ajustes de preço
Outra questão que se apresenta está relacionada ao fato de o preço por ação derivar de negócio jurídico privado, formalizado por meio de contrato de compra e venda de participação societária. Nesse âmbito, a negociação comporta mecanismos contratuais que podem incrementar o preço, ou diminuí-lo, tais como cláusulas de ajuste de preço, retenção de preço, earn-out, indenização, superveniência ativa, entre outros institutos consagrados pela prática de fusões e aquisições de companhias[6].
Nestas situações, buscam os ofertantes transpor a lógica de tais mecanismos para o preço da oferta, o que implica, geralmente: 1) o pagamento de uma parcela de preço à vista, com a retenção de outra parcela para fazer frente a ajustes futuros; e 2) o desconto, para compensação do ofertante, ou a liberação, para pagamento dos minoritários, da parcela retida do preço com a ocorrência desses eventos futuros.
No processo administrativo 19957.003983/2022-89[7], foram analisados pela CVM pedidos formulados por minoritários em que ficou clara a posição da área técnica e, também, do colegiado, quanto à extensão desses mecanismos contratuais que afetam o preço da oferta.
No processo de registro da OPA em questão, a área técnica solicitou ajustes no edital da oferta para incluir: 1) a transcrição de determinadas cláusulas e anexos do contrato de compra e venda para melhor compreensão dos destinatários da oferta a respeito das cláusulas contratuais, entre elas indenização e ativos contingentes; 2) procedimento de “divulgação e acompanhamento por parte dos acionistas minoritários de cada liberação ou retenção de valores retidos […], [detalhando] os valores retidos que seriam inerentes à companhia[8] e aqueles que seriam inerentes exclusivamente aos vendedores […][9]”; e 3) o esclarecimento de “situações sujeitas à dedução dos valores retidos da indenização que seriam de responsabilidade da companhia[10] e aquelas que seriam de responsabilidade integral dos vendedores […]”[11].
Restou claro, deste modo, o entendimento da CVM no sentido de que, em havendo parcelas futuras a serem eventualmente retidas ou pagas aos acionistas minoritários, que se dê ampla e detalhada informação a eles sobre os termos e as condições de liberação ou retenção de tais valores.
OPA unificada
Também a unificação da OPA por alienação de controle com as modalidades de cancelamento de registro e saída de segmento especial de listagem, a fim de aproveitar o movimento da oferta para tornar a companhia privada, trazem complexidade à definição do preço.
Nesses cenários, o colegiado da CVM já se manifestou sobre a definição do preço da OPA, tendo em vista, principalmente, que a “oferta [deve ter] as mesmas condições previstas para o pagamento do controlador”[12].
Em decorrência da aquisição de controle, não é raro que o adquirente deseje fazer também o cancelamento de registro e a deslistagem da companhia-objeto, razão pela qual é comum o pedido de registro de OPA por alienação de controle unificada com cancelamento de registro e saída de segmento de listagem.
No processo administrativo 19957.001012/2019-07[13], o Diretor Relator entendeu que “o argumento de que os requisitos de preço de cada uma das modalidades de OPA que se pretende aglutinar podem ser satisfeitos por uma alternativa de preço distinta baseia-se em uma premissa equivocada: a de que a OPA Unificada consistiria em um procedimento em que duas ou mais ofertas correm em paralelo. A dicção da regra é clara e indica que se trata de uma única oferta, que visa a mais de uma das finalidades previstas naquela Instrução[14]”.
Desse modo, no precedente, a unificação das OPAs se tornou possível pois, após o incremento do preço pelo ofertante, a parcela à vista do preço-base garantia “o valor mínimo da faixa de ‘valor justo’ indicado no laudo de avaliação elaborado, e os acionistas que eventualmente optarem por essa modalidade de preço [teriam], ainda, o direito a parcelas incrementais caso o antigo controlador [viesse] a receber novos pagamentos[15]” em atenção ao artigo 4º, §4º, da Lei das S.A.
Em outras palavras, a parcela à vista do preço ofertado (desconsiderando retenções feitas em decorrência dos mecanismos contratuais e estendida aos minoritários) já perfazia o valor justo exigido para uma OPA de cancelamento de registro e saída de segmento.
Não seria possível, no entanto, que a parcela à vista, paga na liquidação da OPA, fosse inferior ao valor mínimo da faixa de valor justo revelada pelo laudo elaborado para fins de cancelamento de registro, na expectativa de que os mecanismos contratuais que preveem liberações futuras de valor retido pudessem incrementar o preço ofertado e, assim, perfazer o valor justo por ação. Caso fosse dessa maneira, haveria uma incerteza sobre o pagamento do valor justo pelas ações no processo, um dos requisitos da OPA de cancelamento de registro e deslistagem.
Portanto, pela análise dos precedentes descritos acima, entende-se que o contrato que tiver por objeto a compra e venda do controle de uma companhia aberta deve ser negociado e estruturado considerando os diversos entendimentos da área técnica e do colegiado da CVM a respeito da OPA por alienação de controle, em especial das questões atinentes à definição do preço da oferta, pois, como consequência da transação, o adquirente do controle deverá obter o registro da OPA[16] perante a CVM e, nesse processo, o preço ofertado pode se revelar uma controvérsia entre o adquirente, os acionistas minoritários e os órgãos reguladores do mercado de capitais.
[1] Art. 254-A da Lei das S.A.: A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
[2] Artigo 33, §6º, da RCVM 44: No caso de alienação indireta do controle acionário: (i) o ofertante deve submeter à CVM, juntamente com o pedido de registro, a demonstração justificada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da Lei nº 6.404, de 1976, correspondente à alienação do controle da companhia objeto; e (ii) a CVM pode, dentro do prazo previsto no § 3º do art. 11, determinar a apresentação de laudo de avaliação da companhia objeto.
[3] J. em 21 de março de 2007.
[4] Trecho extraído de ata de reunião do colegiado realizada em 21 de março de 2007.
[5] Trecho extraído de ata de reunião do colegiado realizada em 21 de março de 2007.
[6] Oferta Pública por Alienação de Controle in: Brasil M&A: guia para Fusões e aquisições de empresas brasileiras / Marcelo Siqueira, Fernanda Bastos Buhatem, José Marcos Treiger, Elie Jaques Sherique. – Rio de Janeiro: Donnelley Financial solutions do Brasil Ltda, 2017: “Em certas situações, contudo, pode haver alguma complexidade na definição do preço acordado para a venda do controle e, especialmente, na forma de replicá-lo (no todo ou em parte) aos destinatários da OPA. Com efeito, os contratos que regulam a compra e venda do controle de companhia aberta muitas vezes preveem regras para ajuste do preço acordado para a operação. Em certos casos, o contrato inclui outras disposições que, embora não sejam a rigor equiparadas a um ajuste de preço, têm impacto direto no preço da operação.”
[7] J. em 22 de junho de 2023.
[8] O reconhecimento da contingência afetaria o preço da OPA.
[9] Adaptação de trecho extraído ata de reunião do colegiado realizada em 22 de junho de 2023.
[10] O reconhecimento da contingência afetaria o preço da OPA.
[11] Adaptação de trecho extraído ata de reunião do colegiado realizada em 22 de junho de 2023.
[12] Trecho extraído de ata de reunião do colegiado realizada em 05 de outubro de 2004.
[13] J. em 18.06.2019.
[14] Trecho extraído do voto do diretor relator do processo administrativo 19957.001012/2019-07.
[15] Trecho extraído do voto do diretor relator do processo administrativo 19957.001012/2019-07.
[16] Art. 33, §2º, da RCVM 44: O requerimento de registro da OPA de que trata o caput deve ser apresentado à CVM no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da celebração do instrumento definitivo de alienação das ações representativas do controle, quer a realização da OPA se constitua em condição suspensiva, quer em condição resolutiva da alienação.
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