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O preço da rentabilidade
Psicóloga Vera Rita Mello Ferreira explora fatores emocionais por trás da febre das criptomoedas
, O preço da rentabilidade, Capital Aberto

Vera Rita Mello Ferreira*/ Ilustração: Rodrigo Auada

O plano inicial era peripatético: andar, refletir e discutir pelas veredas do Parque da Água Branca, na zona oeste paulistana, onde Vera Rita Mello Ferreira faz suas caminhadas matinais. Mas a ideia de imitar os antigos filósofos de Atenas foi torpedeada pela agenda superlotada da professora e consultora de Psicologia Econômica, que já fez trabalhos para o Banco Central, é membro do Núcleo de Estudos Comportamentais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), integra a International Network for Financial Education (INFE) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e foi pioneira nas publicações sobre o tema no Brasil.
Assim, a conversa com Ferreira para esta seção transformou-se numa entrevista multimídia — via smartphone, WhatsApp, Messenger —, dedicada a entender a “mania das criptomoedas”. Segundo recorrentes relatos na imprensa nacional, há 1,4 milhão de investidores em bitcoins, cadastrados nas três corretoras que alegam representar 95% desse mercado. É mais do que o dobro das 619 mil pessoas físicas cadastradas na B3 até o fim do ano passado e quase três vezes os 558 mil investidores do Tesouro Direto. E isso apesar de as autoridades reguladoras (Banco Central e CVM) alertarem para os elevados riscos desse tipo de aplicação, que só pouquíssimos iniciados fazem ideia do que significa.
O chamado “comportamento de manada” vem imediatamente à mente quando se fala nessas manias, das tulipas ao bitcoin. Mas de onde vem esse impulso de ser mais um na multidão? “O ser humano é um ser social, que aprende, fundamentalmente, pelo exemplo”, lembra a professora. “Esse foi o primeiro método que a criança adotou para aprender a falar a língua, a andar. A gente aprende por imitação, que continua sendo um recurso muito poderoso para o resto da vida.”
Da imitação à manada, intervém a fantasia de que os outros sabem mais. “Todo mundo está se dando bem, enquanto eu estou ficando pra trás”, sopra aquela vozinha de dentro. É assim em toda situação de incerteza, ambiguidade, desconhecimento. O indivíduo tende a seguir as outras pessoas, para se proteger no meio da multidão. Principalmente no pânico, situação em que reina a pressa para se desfazer daquele ativo que está desabando antes que caia muito mais. E acaba caindo mesmo, porque todo mundo vende achando que vai cair mais. A famosa profecia que se autocumpre.

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Ao pânico da saída, da fuga, contrapõe-se o inverso. “Existe o ‘pânico’ da entrada, de querer fazer parte, de querer pertencer. É como se todo mundo tivesse conseguido uma senha simbólica. ‘Agora é bitcoin’, e a manada se atropela atrás da criptomoeda. A mídia tem sua responsabilidade, porque fica botando lenha na fogueira”, avalia Ferreira.
Na febre do ouro (ou das tulipas, ou do bitcoin), as pessoas veem as coisas pela metade; não atentam para o contexto. “Quem se deu bem com bitcoin foi quem comprou por frações de centavos, anos atrás. Se vendeu, se deu bem. Mas quem comprou no ano passado só perdeu. Ou está lá, segurando ainda”, observa.
Nessa fase de se manter o ativo na carteira, mesmo na baixa, interfere a aversão à perda, que não é a mesma coisa que a aversão a riscos. Esta se caracteriza pela preferência por ganhos certos, ainda que pequenos, à possibilidade de ganhos maiores, isto é, ganhos incertos. Já a aversão à perda é aquela situação em que a pessoa não se conforma em estar tendo prejuízo e tenta evitar a perda de qualquer maneira. Por isso, não desapega.
“A aversão à perda também é um comportamento ancestral, já que descendemos daqueles indivíduos que perderam menos e, por isso, conseguiram sobreviver e deixar descendentes”, pontua Vera Rita. “Então, para evitar perder, as pessoas fazem coisas loucas. Por exemplo, abraçar mais riscos do que normalmente fariam. Por isso suitability é um problema: se a pessoa está diante de ganhos, vai ter menos apetite por riscos, mas se estiver numa situação de perda, vai ter mais apetite por riscos, sem se dar conta disso”, complementa.
Na base de tudo vislumbra-se o velhíssimo conhecido pressuposto de que a valorização passada será a valorização do futuro, um dos enganos mais comuns entre investidores previsivelmente irracionais.
Até o nacionalismo parece intervir nas escolhas erradas dos investidores que tendem a comprar um ativo do próprio país. Um exemplo contundente desse comportamento foi dado pelos 450 mil italianos, grande parte aposentados e viúvas, que compraram títulos da dívida argentina pela ligação sentimental entre a Itália e a imensa colônia de descendentes na foz do Rio da Prata. “Se nada pode dar errado com meu país, imagine, então, comigo, que sou ´o cara´?”. Esse otimismo exagerado é muito mais comum entre os homens.
O problema é o excesso de autoconfiança em tudo o que diz respeito a dinheiro. Ferreira lembra de uma frase divertida do guru da Psicologia Econômica, Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia de 2002: “Quanto mais ideias os homens têm, mais dinheiro eles perdem. Não sei quantas ideias as mulheres têm, mas pelo menos elas não agem baseadas nessas ideias, perdem menos e têm mais ganhos no longo prazo”.
É claro que há diferenças entre homens e mulheres. Várias pesquisas mostram que as bolsas de valores são mais ativas, e ações são mais negociadas, na parte da manhã. É nesse período do dia que os homens, sobretudo os homens jovens, estão com os níveis mais altos de testosterona — o hormônio masculino que, entre outras coisas, instiga os machos a tomar riscos. “Mas homens e mulheres serem mais ou menos emocionais é bobagem. Somos todos emocionais”, esclarece a psicóloga, cujos cursos de Psicologia Econômica norteiam-se pela constatação de que a razão é escrava da emoção; ela existe para racionalizar a experiência emocional. “Primeiro vem o impulso, depois as pessoas justificam racionalizando; isso vale para homens e mulheres.
A chave, então, é o “delay”. Esperar um pouco, não agir no impulso, aconselha. Ela recomenda a meditação e, em alguns casos, até mesmo análise como ajuda. O importante é a pessoa identificar que tem um problema e recorrer ao suporte de um profissional externo, mais isento, como um planejador financeiro pessoal. Como o próprio Kahneman faz, segundo ela.
Mas se investidores erram por questões emocionais, também acertam por decisões emocionais. Afinal, a base de tudo o que se passa na mente do ser humano é emocional: o lado dos impulsos, mais primitivo, fundado nos instintos. “Isso não nos deixa jamais, a não ser que a pessoa tenha uma lesão neurológica na área do cérebro que processa o medo ou outras emoções”, sublinha a psicóloga e psicanalista, lembrando que a medicina já comprovou que, se a pessoa tiver uma lesão como essa, nem consegue tomar decisões, porque fica analisando, avaliando todos os prós e os contra de uma decisão, sempre de forma muito objetiva, fria e racional. Sem o impulso, o indivíduo permanece apenas na análise, paralisado. Não ter emoções implica, portanto, não tomar decisões.
Logo, a emoção tem que ser contrabalançada pela moderação. Ou, parafraseando Thomas Jefferson, que afirmou que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”: o preço da rentabilidade é a eterna autovigilância.

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