Necessário, mas não suficiente
Canal de denúncias deve ser visto como ponto de partida — e não de chegada — no combate a comportamentos antiéticos
Necessário, mas não suficiente

Ilustração: Rodrigo Auada

A implantação de um canal de denúncias é um dos elementos-chave de um programa de ética e compliance. Em muitas organizações, contudo, o número de transgressões reportadas muitas vezes se mostra pequeno após a adoção desse mecanismo, o que gera uma percepção potencialmente enganosa de que a organização está muito bem no que tange ao comportamento de seus executivos e colaboradores.

Na prática, pode ser frequente uma grande distância entre a ocorrência de atitudes antiéticas e seu devido reporte. Dois motivos principais fazem com que as pessoas deixem de relatá-las no ambiente de trabalho.

O primeiro é o sentimento de inutilidade. Isto é, a sensação de que “aqui vai ser sempre assim” e que falar não vai mudar o estado de coisas. O segundo é o medo de que a utilização do canal de denúncias leve a retaliações por parte de superiores ou de outros envolvidos.

Esse temor não é infundado. Uma pesquisa realizada no Reino Unido, por exemplo, constatou que pelo menos 50% das pessoas que denunciaram práticas antiéticas em seu trabalho foram demitidas ou se demitiram; outras 28% sofreram bullying dos colegas ou punição por seus chefes, enquanto para apenas 16% as denúncias tiveram um desfecho positivo.

No início de 2017, o banco inglês Barclays forneceu um caso concreto que corrobora o temor dos potenciais denunciantes: seu CEO solicitou à área de segurança interna da instituição que rastreasse e identificasse os autores de duas cartas anônimas enviadas ao conselho de administração. Essas cartas apontavam problemas de conduta por parte de um executivo contratado diretamente pelo CEO após terem trabalhado em conjunto anteriormente.

Outro exemplo negativo ocorreu no banco americano Wells Fargo, envolvido em uma fraude gigantesca desvendada em 2016. Diversos funcionários foram demitidos após reportar a existência de práticas ilegais nos anos anteriores ao escândalo. Uma investigação interna mostrou que haviam sido feitas 885 ligações para o canal de ética do banco entre 2011 e 2016 e que os funcionários que haviam indicado os problemas foram posteriormente objeto de “ações corretivas” por parte de gestores da instituição.
Adicionalmente, a ciência comportamental identifica duas outras razões que dificultam o reporte das transgressões observadas. A primeira decorre do viés do status quo, ou seja, de nossa tendência a ter uma atitude inercial e a manter as coisas como estão.

A segunda é resultado do chamado “efeito espectador”, uma situação na qual a presença de outras pessoas testemunhando um determinado problema desencoraja os indivíduos a intervir isoladamente, o que resulta em uma passividade generalizada. Essa situação de inércia coletiva tende a ser um risco substancial nos casos de corrupção empresarial: quanto maior e mais complexa a companhia, menor será a propensão de alguém agir e maior será a chance de o efeito espectador vir a ocorrer (“se todos sabem, então ninguém fala”). Logo, a dificuldade cada vez maior de romper o silêncio muitas vezes fomenta a corrupção.

As empresas interessadas em reduzir para valer os comportamentos antiéticos, portanto, devem ir além da implantação do canal de denúncias. Em complemento, devem investir na criação de um ambiente de elevada segurança psicológica e de uma cultura em que as pessoas saibam que o silêncio significa concordância e que serão responsabilizadas por eventuais omissões.


*Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Direzione Consultoria e autor de Ética Empresarial na Prática: Soluções para a gestão e governança no século XXI. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.


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