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Outro desgoverno anunciado
BRF expõe efeitos nocivos de visão pobre sobre propósito das empresas
, Outro desgoverno anunciado, Capital Aberto

Ilustração: Rodrigo Auada

A boa governança deve estar integrada a uma liderança consciente e a uma cultura ética que despertem o melhor nas pessoas, a fim de que a organização persiga um propósito maior do que fazer dinheiro. Sem boa cultura, liderança e propósito, a governança corporativa se torna oca, vazia. Essa visão, que tenho enfatizado nos últimos anos, foi mais uma vez solenemente ignorada por uma grande companhia nacional. Desta vez, a BRF. O resultado foi outro desgoverno anunciado, exemplo de como uma empresa com boas práticas de governança no aspecto formal pode ser malgovernada na prática.

A raiz dos problemas, que culminaram com a prisão do ex-CEO como parte de uma operação da Polícia Federal, remonta ao ano de 2013, quando um grupo de acionistas ascendeu ao comando após ter deposto o então líder de longa data. O objetivo era claro: extrair mais retorno no menor prazo possível para “maximizar a riqueza para os acionistas”. Apesar de a companhia ser rentável e líder de mercado, esses acionistas acreditavam que a gestão anterior estava acomodada e perdendo oportunidades de crescimento.

A BRF passou, então, pelo típico processo de “financeirização”, que converte as empresas em meros ativos financeiros com o intuito de manter o apoio do mercado — ao menos no curto prazo. Como resultado, unidades foram vendidas, houve cortes drásticos de custos e cerca de 2 mil pessoas perderam o emprego em menos de um ano, incluindo dezenas de executivos com rica experiência no setor (além do CEO, dez dos 12 vice-presidentes).

Como tenho destacado, nossas organizações precisam, mais do que nunca, de líderes missionários, com maturidade para deixar um legado positivo para a sociedade. Em pleno século 21, não é mais possível aceitar líderes militares autocráticos ou líderes mercenários sem envolvimento emocional com a companhia. A BRF conseguiu a verdadeira “tempestade perfeita” ao contar com esses dois estilos, simultaneamente, no conselho e na diretoria.

No caso da cultura, fomentar um ambiente saudável baseado em confiança, transparência, empatia, segurança psicológica e alta motivação intrínseca é a chave para se prevenir comportamentos antiéticos. Na BRF, assim como em outros escândalos, os problemas não ocorreram por ausência de estruturas de governança, mas sim por uma cultura tóxica caracterizada por desconfiança, agressividade, foco no lucro de curto prazo sem reflexão ética, estresse e medo.

No que se refere a propósito, a adoção de uma finalidade maior deve ser vista como o ponto de partida para uma organização de sucesso, uma vez que é a “cola” que une seus membros e energiza a todos. Contudo, em vez de adotar um propósito genuíno como norte e pensar no resultado como consequência, a BRF insistiu na mentalidade obsoleta de traçar um objetivo financeiro e cascatear metas frias para alcançar os números desejados a qualquer custo.

O resultado da perda de qualidade de gestão e de identidade corporativa foi desastroso. As ações, que estavam na casa de 44 reais em fevereiro de 2013, quando anunciadas as mudanças no comando em 2013, despencaram para 23 reais no fim de março de 2018 — queda de 48%, idêntico percentual de alta do Ibovespa no período. Ironicamente, a nova gestão tinha como objetivo fazer as ações chegarem a 100 reais até o fim de 2017. Também como efeito colateral da obsessão pelo resultado financeiro, a companhia viu um lucro de 1,1 bilhão de reais em 2013 se transformar num prejuízo de mesma monta em 2017.

O caso da BRF, portanto, deixa lições importantes para as empresas obcecadas pela maximização do retorno para seus acionistas a qualquer custo. Mais cedo ou mais tarde, os impactos negativos dessa visão estreita, míope e transacional serão sentidos por todos os stakeholders, incluindo os próprios acionistas.

 


* Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Direzione Consultoria e autor de Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões. 


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