Só desilusão
Drama operacional e societário alimenta a revolta dos investidores da Usiminas

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Tudo caminhou bem, pelo menos até 2008. Primeira siderúrgica privatizada no Brasil, a Usiminas foi vendida pelo governo federal em 1991, quando produzia 4 milhões de toneladas de aço por ano, e, nas mãos da iniciativa privada, recebeu investimentos que a fizeram atingir 9 milhões de toneladas. Tornou-se conhecida pela eficiên- cia e grandiosidade do negócio e viu seu parque industrial ser alçado ao posto de maior complexo de aços planos da América Latina. Diante da crise financeira global, porém, o cenário se inverteu. A produção da siderúrgica retornou a patamares inferiores a 7 milhões, e o lucro caiu paulatinamente até se transformar em prejuízo no ano passado. O ingresso de novos sócios poderia ter renovado o ânimo dos investidores, mas, por enquanto, só gerou discórdia. Com tantas frustrações, a Usiminas estacionou. Seus papéis preferenciais classe A, os mais negociados na BM&FBovespa, estão no mesmo patamar de cinco anos atrás — atualmente, são negociados na faixa de R$ 11, a mesma cotação que alcançaram no fim de 2008.

Na base dos problemas da companhia está uma situação conjuntural contra a qual os administradores pouco podem lutar. Nos últimos anos, o custo das matérias-primas para a produção de aço — minério de ferro e carvão — subiu muito. O preço de uma tonelada de minério de ferro mais que dobrou desde 2008. Em períodos de Produto Interno Bruto (PIB) aquecido, era possível resolver a situação transferindo a alta de custos para o preço do produto final. Esse repasse, no entanto, se tornou cada vez mais difícil. Enquanto a economia global esfriou, derrubando a demanda por produtos siderúrgicos, a China ascendeu ao posto de maior fabricante global de aço. O país, que na década de 1990 perdia feio para Japão e Estados Unidos, fornece hoje quase metade do aço produzido no mundo, um salto bem mais rápido do que os especialistas da siderurgia poderiam calcular — até o início da década passada, a fatia dos chineses na produção global não passava de 15%. “A Usiminas e o resto do setor siderúrgico ficaram reféns do poder da China de ditar os preços do aço e da sistêmica falta de competitividade da indústria brasileira”, diz um ex-executivo do alto escalão da empresa.

Do ponto de vista operacional, a Usiminas aparece em desvantagem em relação às maiores do setor — CSN e Gerdau. A companhia teve prejuízo de R$ 531 milhões em 2012. A margem de lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) consolidada, indicador do resultado operacional, ficou em 6% — na área de siderurgia, principal negócio da Usiminas, não passou de 3%. Sua maior concorrente, a CSN, também registrou prejuízo milionário em 2012, mas manteve a margem Ebitda da unidade de siderurgia em 19% e a consolidada em 27%.

Uma das razões para essa diferença brutal, dizem os analistas, está na origem do minério de ferro. Ambas possuem unidades de mineração, mas a CSN, com minas como a Casa de Pedra, atende não só suas necessidades como gera excedentes; a Usiminas extrai apenas metade do ferro que consome, entre 11 milhões e 13 milhões de toneladas por ano — o resto é adquirido de terceiros. Produzir o próprio insumo ajuda a garantir a matéria-prima a um valor adequado para a operação siderúrgica, e até algum ganho extra com a venda de aço quando os preços estão elevados. “O projeto de autossuficiência em minério e de verticalização de processos da CSN está muito mais maduro que o da Usiminas”, afirma Roberto Altenhofen, analista da consultoria Empiricus. No ano passado, a Usiminas finalizou um ciclo de investimentos de R$ 11 bilhões em cinco anos, mas não empregou os recursos para produzir minério de ferro a um preço mais baixo. A empresa resolveu investir em tecnologias direcionadas à fabricação de produtos de maior valor agregado. A estratégia se provou errada. “A Usiminas deixou de lado melhorias que ajudassem a baratear a produção”, observa Pedro Galdi, chefe de análise da corretora SLW.

Não há saídas fáceis para a Usiminas neste momento. Os especialistas são unânimes em dizer que a companhia precisará voltar a investir. É necessário substituir equipamentos obsoletos por alternativas mais modernas e eficientes. Sua capacidade de endividamento, no entanto, é limitada. Uma das emissões de debêntures inclui cláusulas contratuais — os chamados “covenants” — que estabelecem um teto para a dívida líquida de 3,5 vezes o Ebitda. No fim do ano passado, contudo, esse indicador atingiu 4,7 vezes.

Com tantas frustrações, os papéis PNA da Usiminas estão na mesma faixa de dois anos atrás

RELAÇÕES ABALADAS — Equalizar tantas necessidades e limitações já seria suficientemente desafiador para qualquer empresa. No caso da Usiminas, ainda cabe acrescentar à conta as complexidades do controle compartilhado. Desde janeiro de 2012, o bloco de controle da siderúrgica é majoritariamente composto de dois grupos de espírito bem diferente: os japoneses da Nippon Steel, uma corporação com centenas de milhares de acionistas, e os argentinos do grupo Techint, empresa de origem familiar que conquistou o controle da Usiminas fazendo barulho.

Dono da Ternium, uma das principais produtoras de aço na América Latina, o Techint entrou na siderúrgica ao comprar as ações de Camargo Corrêa e Votorantim e mais uma pequena fatia da Caixa dos Empregados da Usiminas (CEU), o fundo de pensão da companhia. Com isso, passou a deter pouco mais de 27% do capital votante. A chegada de um grupo com expertise no ramo do aço agradou aos investidores. Mas antes que os argentinos pudessem mostrar trabalho, começaram as desavenças com os minoritários. O Techint ofereceu R$ 36 por ação ordinária, 80% mais do que elas valiam na bolsa, o que fez crescer os olhos dos acionistas. Eles acreditavam que a operação configuraria alienação de controle e que, dessa forma, haveria uma oferta pública de compra das ações dos minoritários por no mínimo 80% do preço pago para Camargo Corrêa e Votorantim — o chamado tag along, previsto no artigo 254-A da Lei das S.As. Mera ilusão. O grupo argentino foi categórico em afirmar que não comprou o controle da Usiminas. Mais tarde, um parecer da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) viria a corroborar a tese.

A avaliação da autarquia, realizada a partir de uma consulta da própria Usiminas, chegou a três conclusões. Primeiro, Votorantim e Camargo Corrêa, os acionistas que venderam seus papéis ao Techint, não eram majoritários dentro do bloco de controle. E, mesmo depois de comprar da CEU uma participação no capital votante, o grupo atingiu uma participação inferior à da Nippon, desde sempre o maior acionista da Usiminas. Por fim, o novo acordo de acionistas manteve, na essência, os mesmos princípios de governança do acordo original e não deu ao grupo o direito de eleger a maioria dos conselheiros, nem a maioria dos administradores. Diante disso, na visão da CVM, o conjunto do negócio não resultou na presença de um controlador novo.

“Ao trazer um executivo do México para a presidência, o grupo Techint mostrou quem manda”

MUDANÇAS DE PODER — Na prática, contudo, os argentinos assumiram com unhas e dentes os rumos da Usiminas. Além do presidente da companhia, Julián Alberto Eguren, outros dois dos seis membros da diretoria executiva — Marcelo Rodolfo Chara, diretor vice-presidente industrial, e Paolo Felice Basseti, diretor vice-presidente de subsidiárias — vieram do grupo Techint. Das quatro principais subsidiárias da Usiminas, duas passaram a ser dirigidas por executivos originários do novo sócio. “Um acionista entra no bloco de controle de uma empresa e, no dia seguinte, traz um executivo seu do México para assumir a presidência. Não é uma demonstração muito clara de quem está mandando?”, indaga um advogado da CSN, que, além de concorrente, é acionista minoritária da Usiminas. Ao longo dos últimos anos, a companhia de Volta Redonda vinha se dedicando a adquirir ações da Usiminas em bolsa, com uma disciplina rigorosa que a levaria a acumular mais de 15% do capital total. No mercado, especulava-se que a siderúrgica pretendia assumir o controle da concorrente. Os argentinos, porém, chegaram antes. Atualmente, a CSN está processando o grupo Techint na Justiça em busca do tag along que, acredita, lhe é devido.

Os minoritários já perceberam que estão em franca desvantagem, principalmente após as mudanças feitas no acordo de acionistas a partir da chegada do grupo Techint. Pelo antigo acordo, decisões estratégicas da empresa como investimentos ou alianças comerciais eram consideradas “resoluções especiais” e, para serem aprovadas, exigiam o voto de conselheiros representantes de 85% das ações vinculadas ao acordo de acionistas. Juntos, Nippon, Camargo Corrêa e Votorantim não atingiam esse quórum e, por isso, precisavam conquistar o voto da Caixa dos Empregados da Usiminas. Para aprovar decisões menos importantes, as chamadas “resoluções ordinárias”, era necessário o voto de conselheiros que representem 50% das ações vinculadas. O grupo Nippon detinha pouco mais de 40%, assim como o conjunto formado por Camargo Corrêa e Votorantim. Desse modo, em caso de discordância entre eles sobre uma matéria, quem persuadisse a CEU tinha êxito.

No novo acordo de acionistas, as coisas mudaram. Decisões estratégicas passaram a ser consideradas “resoluções ordinárias”, e o quórum para aprovação mudou para 65% das ações vinculadas. Os grupos Techint e Nippon têm muito mais do que isso, e a CEU detém cerca de 10% das ações vinculadas pelo acordo. Na sua ação judicial, a CSN argumenta que o novo sócio passou a deter poder de veto sobre as matérias deliberadas pelo conselho de administração. E afirma que o fundo de pensão da Usiminas acabou perdendo uma função histórica que seus representantes desempenhavam no conselho: a de desempatar as brigas mais quentes. “Agora, só seguem para o conselho os assuntos sobre os quais houve concordância prévia entre os grandes acionistas. Isso torna as decisões mais lentas, porque sempre é preciso buscar o consenso entre eles”, desabafa um executivo próximo do conselho.

REAJUSTE CONTROVERSO — Marco Antônio Castello Branco, ex-presidente da empresa, considera que há um problema claro de governança na Usiminas. Para ele, a composição do conselho de administração, com oito assentos tomados pelos controladores e apenas dois por representantes dos minoritários, causa desequilíbrio. “A ausência de uma estrutura mais profissionalizada, de conselheiros que não estejam comprometidos com os grupos controladores, dificulta a legitimidade das decisões em momentos críticos como o atual”, avalia. As atas das reuniões do conselho e das assembleias mostram que os votos discordantes, quando existem, são dados pelos conselheiros minoritários, que não têm força para mudar uma decisão dos controladores.

Foi o que aconteceu, entre outras matérias, na votação sobre o aumento de 6% na verba destinada a remunerar os administradores da Usiminas, aprovada em março. A compensação total paga à diretoria estatutária saltou de R$ 14,5 milhões, em 2011, para R$ 25,5 milhões anuais, na gestão Techint. O aumento é visto como controverso, especialmente quando confrontado com a entrega de resultados insatisfatórios nos últimos anos.

Os representantes dos minoritários estão atentos a cada passo da companhia. A conselheira fiscal Telma Suzana Mezia, ligada à Previ, e o conselheiro de administração Marcelo Gasparino questionaram informações dispostas no balanço de 2012. Telma fez ressalvas ao valor da conta de ativo fiscal diferido, que engloba tributos pagos a serem possivelmente abatidos no futuro. Já Gasparino questionou desde os gastos com mão de obra até a constituição de provisões. A Usiminas descarta qualquer erro no balanço.

A Usiminas não investiu na produção de ferro e teve resultados bem piores que a CSN, autossuficiente

Gasparino ocupa atualmente o cargo de conselheiro indicado pelos acionistas minoritários no lugar de Lirio Parisotto, que está licenciado. O fundo de investimento em ações Geração L Par, do megainvestidor, é um dos maiores detentores de ações preferenciais da Usiminas. Na assembleia ordinária do dia 16 de abril, o Geração tentou emplacar dois membros no conselho: Julio Sergio de Souza Cardozo, ex-sócio da Ernst & Young e conselheiro fiscal da Celesc, como titular, e Mario Daud Filho, como suplente. Houve necessidade de eleição porque o board atual foi escolhido por meio de voto múltiplo, caso em que a saída de um dos integrantes — o conselheiro Nobuhiko Ikura, diretor-presidente da Nippon Steel USA, que renunciou em março — demanda a eleição de novo conselho pelo mesmo mecanismo. Para eleger seu candidato, o Geração formulou um pedido público de procuração e solicitou sua publicação pela Usiminas, requerendo o apoio de outros minoritários.

A iniciativa fracassou. O fundo não obteve apoio suficiente para eleger Cardozo. Os controladores concentraram seus votos e emplacaram os sete integrantes que haviam indicado. A Previ também foi bem-sucedida em eleger seu representante, Aloísio Macário Ferreira de Souza. José Oscar Costa de Andrade e Lirio Parisotto permaneceram no conselho. Eles não precisaram ser reeleitos, uma vez que foram escolhidos no ano passado por meio de eleição em separado.

Enquanto a Usiminas não encontra uma forma de se reerguer, os investidores sentem as consequências no bolso. Ainda que as ações estejam muito desvalorizadas — o P/VPA (preço/valor patrimonial da ação) da Usiminas é de 0,6, contra 1,3 da CSN —, os analistas não se arriscam a sugerir a compra dos papéis. Os horizontes estão longe de ficar claros do ponto de vista operacional, e discussões acaloradas ainda persistem no lado societário. Os conhecedores do segmento, como Castello Branco, sugerem que a empresa se apresse em fazer o que deve: arrumar a casa. “A siderurgia já não aceita mais desaforos.”

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