Há um ano, meu artigo neste espaço falava da real possibilidade de a atual década ser mais uma desperdiçada pelo Brasil — a terceira desde a mais famosa década perdida, a de 1980. Hoje, um problema sério evidencia a seriedade dessa ameaça. Com a forte recuperação da economia e a falta de chuvas, mais uma vez o setor elétrico, uma das pontas da infraestrutura mais importantes para o País, está perto de colapsar. O governo montou um comitê, a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), mas que ainda não tomou grandes medidas emergenciais. Os órgãos oficiais já admitem alto risco de problemas na geração de energia e o preço pago pelos consumidores deve continuar subindo nos próximos meses.
Desde a crise no setor em 2001, o sistema elétrico brasileiro melhorou consideravelmente. Foi estabelecida uma governança, com agências técnicas e com independência para regular os concessionários; a matriz energética está mais diversificada e menos dependente de geração hidrelétrica; a transmissão foi reforçada e permite maior intercâmbio entre as regiões. As usinas termelétricas, cuja adoção foi mais significativa após a crise de 2001, foram fundamentais para garantir a segurança do sistema em períodos de pouca chuva, como ocorreu em 2015. As usinas eólicas são cada vez mais importantes — já correspondem a 10% da matriz — e a geração solar, especialmente sob a forma distribuída, pode ser uma revolução. Ambas, porém, são fontes intermitentes. O seguro realmente vem das térmicas (conforme decreto de maio de 2021, o governo delineou as regras para contratação de capacidade no final do ano).
A crise de 2001
Em 2001, pelo menos 85% da produção de energia vinha de hidrelétricas e as chuvas foram escassas. Vale olhar para aquela experiência e entender as medidas tomadas para impedir a falta generalizada de energia e os impactos que a crise teve na economia. Em maio de 2001, o governo federal criou, por meio de medida provisória, a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE). Formada por diversos ministros e presidida pelo então ministro da Casa Civil, Pedro Parente, o grupo tinha autonomia para tomar medidas de redução de demanda e planejar aumento de curto e médio prazos de oferta. A GCE produziu, apenas naquele ano, oito medidas provisórias, 15 decretos presidenciais e 92 resoluções.
A principal medida — e a de maior sucesso — foi o anúncio de metas de redução do consumo de energia para todos os consumidores das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste acima de 100 kwh/mês, exceto no caso de atividades essenciais. Dependendo do setor e do tipo de usuário, o objetivo era cortar entre 15% e 25% do consumo entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, em relação ao observado no ano de 2000. Os consumidores que atingissem a meta recebiam benefícios na conta e aqueles que não cumprissem estavam sujeitos a multas e a eventual corte de fornecimento.
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Logo no primeiro mês e nos seguintes as metas foram atingidas e, em conjunto com chuvas acima da média, o “racionamento” foi encerrado um pouco antes do prazo previsto. A queda no consumo foi superior a 20%. No segundo semestre de 2001 o consumo ficou próximo ao de 1995. Em termos nominais, o consumo médio de 12 meses só voltou ao patamar pré-crise em outubro de 2004.
Impactos econômicos
Não é fácil analisar os impactos econômicos da crise. Em setembro de 2001 houve o atentado terrorista nos EUA, fato que gerou uma pequena recessão global, e em 2002 a economia brasileira sofreu os efeitos da eleição presidencial. Dois estudos de órgãos técnicos do governo indicam queda do PIB, mas em magnitude muito menor do que a redução do consumo de energia. O Banco Central estimou que o racionamento gerou recuo de um a dois pontos percentuais do PIB em 2001 e a Secretária de Política Econômica do Ministério da Fazenda, em um cenário otimista, calculou impacto de 0,8 ponto percentual. Trabalhos acadêmicos analisando a situação identificaram impacto fiscal não tão grande de forma direta, mas elevado se considerado o efeito do câmbio nas contas públicas.
Em 2001, o governo federal demorou para montar um comitê de crise, que, uma vez instalado, agiu rapidamente. A organização e o uso de incentivos para a redução do consumo foram um sucesso imediato, levando a uma queda do consumo superior a 20%, mas um efeito no PIB muito inferior, na ordem de um ponto percentual. Os impactos de longo prazo positivos foram a diversificação da matriz energética e um aumento da eficiência no uso de energia.
No contexto atual, o governo organizou um comitê de crise que reluta em tomar medidas de redução de consumo. Como em 2001, também estamos perto de um ano de eleição, e a aposta na espera pode significar um corte maior de demanda, com impacto mais intenso na economia. A diversificação da matriz energética continua acontecendo, com geração eólica e solar crescendo, mas as térmicas ainda são o nosso seguro.
Evandro Buccini, sócio e diretor de Renda Fixa e Multimercado da Rio Bravo Investimentos
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