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A vez das carteiras administradas?
Mudanças regulatórias e fiscais movimentam indústria de fundos
carteiras, A vez das carteiras administradas?, Capital Aberto

Os últimos anos possivelmente reuniram o maior número de mudanças estruturais para a indústria de fundos. Desde a edição da Lei da Liberdade Econômica, em 2019, que inaugurou um esperado regime legal mais detalhado para os fundos de investimento, passando pela sua norma regulamentadora (Resolução CVM 175), no final de 2022, até as recentes mudanças no arcabouço fiscal sobre fundos fechados, essa indústria, cada vez mais relevante para o financiamento da economia real brasileira, busca agora se adaptar à sua nova realidade jurídica.

Por mais que a Lei da Liberdade Econômica tivesse por objetivo central conferir maior liberdade contratual, segurança jurídica e eficiência, fato é que a regulamentação e as normas tributárias subsequentes trouxeram mudanças ainda mais sensíveis que impactam diretamente as estruturas e arranjos contratuais até então praticados. Temas como a transparência individual de taxas, proibição do pagamento de rebate a fundos alocadores, restrições e limites para alavancagem e extensão da abrangência do come-cotas para fundos fechados são exemplos dessas mudanças.

Tendo em vista a ausência de avaliação de impacto regulatório que tenha precedido tais mudanças regulatórias e fiscais, mostram-se ainda mais incertos os efeitos que tais mudanças trarão para a indústria como um todo.

Uma consequência imediata que já pode ser sentida é a expansão da procura e do uso de estruturas de carteiras administradas, que, embora também seja um produto de gestão de recursos de terceiros, apresenta diferenças relevantes em relação aos fundos de investimento.

Em um fundo, o investidor adquire cotas representativas de uma fração ideal do seu patrimônio líquido e se torna proprietário indireto dos ativos geridos discricionariamente por um gestor profissional, geralmente em comunhão com outros investidores. Já em uma carteira administrada, o investidor celebra um contrato diretamente com o gestor, outorgando-lhe poderes para que este administre determinada parcela de seu patrimônio de forma individualizada. Nesses casos, os bens do patrimônio administrado permanecem sob a propriedade plena e direta do investidor, sem a segregação patrimonial que ocorre nas estruturas de fundos de investimento.

O fato de o gestor ser um prestador de serviço contratado diretamente pelo investidor propicia, em geral, a prestação de um serviço de gestão de recursos focado na personalização, na eficiência e no melhor direcionamento das estratégias para os objetivos específicos daquele investidor.

Além disso, a interlocução entre o gestor de recursos e o cliente tende a ser mais direta, gerando maior autonomia para ambas as partes – no caso do cliente, para rever estratégias e transmitir orientações, conforme seja de sua vontade; no caso do gestor, para atuar sem limites regulatórios engessados ou regras de governança complexas previamente estipuladas por um regulamento de fundo de investimento, por exemplo, mas apenas dentro dos limites contratualmente estabelecidos.

Por envolverem menor complexidade operacional, menos prestadores de serviço e reduzidos custos regulatórios, as carteiras administradas tendem a ser menos custosas e mais eficientes para a alocação de patrimônios individuais, possibilitando o atendimento das necessidades de um perfil mais específico de investidor. Por não ser um serviço prestado dentro de uma estrutura de investimento coletivo, o grau de regulamentação que incide sobre as carteiras administradas também é (acertadamente) menor.

Do ponto de vista normativo, as regras estatais editadas pela CVM regulam de forma geral os deveres e limites atinentes à atividade de gestão, enquanto diretrizes mais detalhadas sobre o produto carteira administrada ficam a cargo da autorregulação da ANBIMA, mais especificamente em seus códigos de melhores práticas, aderidos voluntariamente por praticamente todos os participantes da indústria. As regras autorreguladoras são mais abrangentes e menos prescritivas do que aquelas aplicáveis aos fundos de investimento, com foco maior em propiciar a adequada divulgação de informações (disclosure), mas preservada a autonomia da vontade das partes.

Antes mesmo das recentes modificações no regime fiscal aqui tratadas, o serviço de carteiras administradas – antes concentrado em participantes voltados à gestão de grandes fortunas (Wealth Management) – passou a alcançar também públicos menos qualificados, com a oferta de estratégias customizáveis em plataformas abertas de distribuição de produtos financeiros. A tendência é que a demanda aumente no futuro próximo, agora considerando também os aspectos fiscais e flexibilidade contratual dessa forma de organização de determinados investimentos.

Naturalmente, a expansão do uso desse tipo de serviço, em especial pelos investidores menos qualificados, demandará atenção de quem participa dessa relação contratual para assegurar o bom funcionamento da estrutura.

Do lado do investidor, é necessário se assegurar de que a sua estratégia de investimento e as proteções que entende necessárias estarão adequadamente estabelecidas por meio do contrato individualmente celebrado junto ao gestor, assim como alinhadas às preferências e perfis individuais de risco. Isso pode incluir, por exemplo, os ativos passíveis de investimento, os limites de concentração e alavancagem, os procedimentos de gestão de risco da carteira, regras de divulgação de informações, dentre outros.

Já do lado do gestor, deve-se considerar que, na ausência de regras mais prescritivas estabelecidas por meio da regulação ou do contrato de prestação de serviços, o exame de sua conduta se dará, a princípio, a partir de critérios e parâmetros mais subjetivos e abrangentes, em especial considerando os deveres fiduciários de gestores estabelecidos por meio da Resolução CVM nº 21/21.

É fundamental, no momento da elaboração de tais contratos, que o gestor busque contemplar termos e condições que representem um equilíbrio saudável entre a prescrição e a flexibilidade, de modo a mitigar os riscos regulatórios e de responsabilidade civil associados ao devido cumprimento de seus deveres fiduciários.

Por mais que tenha sido impulsionado pelas recentes mudanças estruturais ocorridas na indústria de fundos, o acréscimo na demanda por carteiras administradas é movimento natural e desejável – em especial envolvendo investidores menos qualificados – que reflete o desenvolvimento do nosso mercado de capitais e o atendimento de demanda desse público específico, cabendo à indústria trabalhar de forma responsável essas novas estruturas contratuais e ao regulador seguir privilegiando a autorregulação e a autonomia das partes em relações individualmente estabelecidas.


Julia Franco, Frederico Calmon, Gabriel Barenco e Vitor Szmaragd são, respectivamente, sócia e associados da área de Fundos de Investimento do Cescon Barrieu


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