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Onde começa a regulação dos influenciadores digitais?
Grande desafio é entender em que momento o influenciador digital deixa de ser um mero educador e começa a, efetivamente, influenciar o mercado
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Não há jurisprudência brasileira suficiente, até o momento, de casos de condenação de influenciadores digitais | Imagem: Freepik

Na era das redes sociais, é inegável o alcance dos influenciadores digitais. E nos mercados financeiro e de capitais não é diferente. Estudo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima), em conjunto com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPad), mostra que, apesar de a quantidade de “influencers” que tratam de educação financeira ter diminuído, o interesse pelo assunto (medido pelo aumento de seguidores) e, consequentemente, o consumo deste tipo de conteúdo tem crescido. 


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A 3ª edição do relatório “FInfluence — quem fala de investimentos nas redes sociais” destaca os influenciadores digitais como verdadeiros protagonistas na ampliação da educação financeira nacional. Também é possível observar que grandes instituições financeiras, como bancos e corretoras, utilizam influenciadores na construção das marcas. 

Nesse sentido, é importante analisar com cautela a atuação dos influenciadores no âmbito dos mercados financeiro e de capitais, especialmente as possíveis consequências dessa atividade ainda não regulada. Existe, por exemplo, a possibilidade de caracterização de exercício irregular de atividade fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), resultando no crime previsto no artigo 27-E da Lei do Mercado de Capitais (Lei nº 6.385). 

Livres da fiscalização? 

Diferentemente dos educadores financeiros que publicam vídeos e materiais na internet com o intuito de esclarecer ao público noções básicas de investimentos — e que não estão sob o escopo de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) —, as atividades de analista, consultor, gestor de valores mobiliários, e os assessores de investimento (anteriormente denominados agentes autônomos de investimento), possuem cada qual o seu regramento definido pela CVM. Estão, portanto, sujeitos às regras e fiscalização e, eventualmente, às penalidades previstas no artigo 11 da Lei do Mercado de Capitais. A atuação sem o devido registro pode ensejar a aplicação de medidas administrativas, como a edição de “stop order”, determinando a imediata cessação das atividades e a aplicação de multas cominatórias pelo seu descumprimento. 

Apesar de os influenciadores muitas vezes não possuírem a intenção de obter vantagem ilícita, caso fique comprovado que determinado influenciador exerceu atividade regulada pela autarquia em caráter profissional, ou seja, com habitualidade e com obtenção de vantagens (pecuniárias ou não), ele poderá ser acusado de exercício irregular das atividades pela fiscalização da CVM. No entanto, não há jurisprudência brasileira suficiente, até o momento, de casos de condenação de influenciadores digitais que tenham exercido irregularmente essas atividades. 

Outra situação se refere à tentativa ilícita de manipulação de mercado, resultando em infração penal nos termos previstos no artigo 27-C da mesma Lei do Mercado de Capitais. Um exemplo emblemático de condenação por manipulação de mercado no Brasil foi o caso de Eike Batista, condenado tanto no âmbito administrativo em 2019 pela CVM quanto em âmbito judicial. A acusação consistiu no fato de o empresário ter divulgado informações otimistas relativas à sua empresa OGX que não condiziam com a realidade das pesquisas técnicas sobre a exploração dos campos de petróleo ligados à companhia. Esse fato induziu os investidores a erro ao julgarem o valor das ações da OGX no mercado, levando Eike a obter lucros indevidos. 

Um outro caso de suposta manipulação de mercado recentemente divulgado na imprensa é a acusação contra a plataforma de investimentos Suno, que culminou na operação de busca e apreensão em cinco escritórios em São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. Segundo as acusações, determinados analistas e influenciadores digitais da Suno, supostamente, estariam manipulando o preço de cotas de determinados fundos imobiliários de forma proposital, por meio da publicação de comentários e opiniões, o que resultou na oscilação atípica do preço das cotas desses fundos. Até o momento, não houve notícia da existência de qualquer investigação formal conduzida pela CVM ou Anbima relacionada ao caso. 

Apesar de, no caso de Eike Batista, o empresário ter sido de fato condenado, a manipulação de mercado, além de ser excepcionalmente desafiadora de se provar, pode resultar em danos irreparáveis: não só diretamente ao bolso dos prejudicados como também na quebra de confiança dos investidores nacionais e estrangeiros que atuam no mercado de capitais brasileiro. A conduta dos influenciadores digitais também tem o poder de manipular os preços dos ativos disponíveis no mercado, causando prejuízos muitas vezes irreparáveis. 

Agenda 2023 

Atenta a esta questão, a CVM se manifestou, em novembro de 2020, sobre dúvidas do mercado com relação à definição da atividade profissional do analista de valores mobiliários, regida à época pela Instrução 598 (de 2018) e atualmente regulada pela Resolução 20 (de 2021). 

A área técnica da autarquia esclareceu que a oferta e a prestação de serviços educacionais, que tenham por objetivo ensinar conceitos sobre operações no mercado de valores mobiliários sem que se trate de recomendações de investimento, não estão sob regulação da CVM. Assim, a infração administrativa estará caracterizada quando o influenciador utilizar as redes sociais para se manifestar sobre valores mobiliários, ainda que em caráter não profissional, com o objetivo de, dentre outros, criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, manipular preços, auferindo vantagem para si ou para terceiros. 

O Ofício-Circular n° 13/2020/CVM/SIN dispõe que “(…) caso o prestador do serviço se utilize de informações não verdadeiras, como, por exemplo, ostentar por meio de publicidade resultados positivos com operações em valores mobiliários que não condizem com a realidade, com o intuito de captar investidores para cursos ou mentorias, pode caracterizar, em tese, crime de propaganda enganosa que, apesar de não estar na competência da CVM, poderá ser levado ao conhecimento do Ministério Público para as providências cabíveis”. 

Outro ponto relevante nesses casos é a linguagem utilizada pelos influenciadores, que passa a ser um parâmetro avaliado para verificar se há ou não a caracterização de serviço profissional de analista de valores mobiliários. Discursos mais assertivos ou apelativos podem ser utilizados como comprovação da tentativa do influenciador de convencer e induzir os investidores. 

No ano passado, a Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da CVM iniciou um estudo de Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre a atividade dos influenciadores digitais. O material está em fase de conclusão e deve ser divulgado nos próximos meses para servir de base para uma consulta pública que consta na agenda regulatória da autarquia como uma das prioridades em 2023. 

A Anbima, por sua vez, não almeja regular ou fiscalizar as atividades dos influenciadores. A ideia é auxiliá-los com ações que contribuam para o desenvolvimento do mercado. Nessa linha, a associação tem criado eventos sobre boas práticas e orientações, como por exemplo o “FInfluencer’s Day”. 

Não existe ainda um posicionamento assertivo, nem positivado, da CVM ou da Anbima, sobre os limites de atuação dos influenciadores digitais. Nem mesmo sobre quais seriam as eventuais penalidades às quais estariam sujeitos em caso de violação de normas. Com base no dever do Estado de proteção da poupança popular brasileira, faz-se necessária a delimitação da atuação do regulador. E, apesar de a CVM aos poucos ter começado a se manifestar objetivamente, será de extrema importância que a futura regulamentação diferencie eventuais penalidades cometidas pelo influenciador digital que propositalmente manipula o mercado para obtenção de vantagens ilícitas — seja por meio da divulgação de notícias falsas ou pela omissão de informações necessárias à tomada de decisão pelos investidores — das atitudes do influenciador que exerce atividade com o intuito educacional. Em muitos casos, uma análise subjetiva será necessária para verificar o eventual dolo na atuação do influenciador, sendo possível a determinação justa do grau da penalidade que deverá ser aplicado à infração. 

Dessa forma, o grande desafio dos reguladores e autorreguladores será entender em que momento o influenciador digital deixa de ser um mero educador e passa a exercer atividades reguladas e/ou, de algum modo, influencia o mercado, ainda que não seja este o intuito inicial. Considerando a agenda regulatória da CVM para 2023, a preocupação da autarquia deve consistir justamente em assegurar que quem quer que ofereça esse tipo de serviço ao mercado tenha as qualificações e requisitos necessários para tanto, o que implica, inicialmente, na regulação formal das atividades, incluindo a delimitação clara de penalidades em casos de violação. 

*Vitor Arantes é sócio e Ana Clara Silva de Lima, Luisa Ramos Pereira, Marcela Rivellino Lourenzo Moreira são associadas do escritório Mello Torres, com especialização na área de mercado de capitais. 

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