A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou, em 2008, o Parecer de Orientação 35, com o objetivo de propor cautelas aos administradores de companhias abertas ao avaliarem operações de fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo sociedades controladora e controladas ou sob controle comum. Uma das recomendações é que, nesses casos, seja criado um comitê independente para negociar a pretendida operação societária.
Na prática, os comitês independentes vêm sendo criados não só em casos de fusão, incorporação e incorporação de ações, mas em outras situações em que a administração da companhia aberta entenda que uma determinada operação, circunstância ou contratação pode se deparar com interesses conflitantes por parte da própria administração, do acionista controlador ou dos acionistas de referência da companhia.
Como a figura do comitê independente não está prevista na Lei das S.As. e sua utilização não tem adoção obrigatória, há bastante liberdade em sua criação e funcionamento. Contudo, é importante atentar-se a algumas recomendações.
Raio de atuação
Primeiramente, o escopo da atuação desses grupos nas companhias abertas deve ser bem delineado no momento da sua constituição. Uma vez definido o escopo, os membros do comitê independente devem se ater a ele — e eventuais dúvidas do comitê sobre o que é ou não aplicável podem ser remetidas para esclarecimento ao conselho de administração.
A prática largamente adotada no Brasil tem sido a de constituir o comitê independente vinculado ao conselho de administração. O comitê independente, portanto, geralmente reporta, negocia e dialoga com o conselho de administração e, em geral, o resultado do seu trabalho é um relatório ou recomendação formal.
A companhia deve assegurar, por isso, a independência para que o comitê avalie a questão que lhe for trazida considerando o melhor interesse da própria companhia e, subsidiariamente, os impactos de sua recomendação para os demais stakeholders, ainda que sem estar a eles vinculados.
Além disso, é importante que o comitê independente tenha liberdade para, inclusive, requerer a revisão do cronograma, procedimentos, orçamento e outras definições apresentadas ou discutidas com o conselho de administração. É altamente recomendável – como tem sido a prática nacional – que o comitê possa contratar seus próprios assessores, sejam estes jurídicos, financeiros, contábeis ou outros.
A sensibilidade é justamente acertar o ponto entre quais análises devem ser feitas de forma independente, e quais análises já realizadas pela administração podem ser acatadas.
Deveres de administrador
Embora ainda não haja precedentes ou julgados relevantes acerca da responsabilidade dos membros de comitês independentes, entende-se que eles estão sujeitos aos mesmos deveres estabelecidos na Lei das S.As. e na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e aplicáveis aos demais administradores. Especialmente, os deveres de diligência, lealdade, sigilo, vedação à atuação em conflito de interesses e à negociação de valores mobiliários em posse de informação privilegiada.
Uma vez observados estes deveres, os membros do comitê não podem ser responsabilizados pelo teor de suas decisões. Não têm, portanto, obrigação de fim, mas de meio. É a chamada Business judgement rule. Ou seja, desde que os membros do comitê independente sejam diligentes em seus deveres, atuem em boa-fé e busquem o melhor interesse da companhia, não podem ser responsabilizados caso suas recomendações não tragam os resultados inicialmente esperados.
*Luciana Pietro Lorenzo é sócia de societário/M&A do Mattos Filho
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