Onda de M&As reacende debate sobre poison pills
Embora o dispositivo continue a causar controvérsia, regulação é vista com ressalvas
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No Brasil, as pílulas de veneno buscam impedir que determinado acionista ou grupo de acionistas perca o controle. Imagem: Freepik

A tumultuada tentativa de compra hostil do Twitter por Elon Musk trouxe à tona a discussão sobre um tema que está longe da pacificação: a inclusão de pílulas de veneno (poison pills) nos estatutos sociais. Embora elas sejam ministradas de forma bastante diferente aqui e nos Estados Unidos, o efeito do seu veneno é, em ambos os casos, desestimular a mudanças nos quadros de acionistas das companhias abertas. Por aqui, o debate sobre as pílulas ganha um estímulo adicional: o reaquecimento das transações de fusão e aquisição. Após um ano forte em ofertas iniciais de ações, como foi 2021, é esperado um ciclo de compras e consolidações — e este pode ser tolhido, a depender do caso, pelas famigeradas poison pills.

Musk pretende comprar o Twitter por 44 bilhões de dólares e, posteriormente, fechar seu capital para, especula-se, afrouxar as políticas de moderação de conteúdo da rede social. Impetuoso, o CEO da Tesla anunciou sua intenção de compra sem negociar com o conselho de administração do Twitter. Diante da perspectiva de a empresa ser alvo de uma aquisição hostil, o board da companhia decidiu reagir lançando uma pílula de veneno. A cláusula — com validade até abril de 2023 — prevê que se um investidor adquirir pelo menos 15% das ações da rede social sem autorização do board, os demais acionistas poderão comprar percentual superior por preço menor.

Segundo comunicado divulgado pelo Twitter ao mercado, a adoção da poison pill tem como objetivo “reduzir a probabilidade de que qualquer entidade, pessoa ou grupo compre o controle do Twitter no mercado sem o pagamento a todos os acionistas de prêmio apropriado ou sem dar ao conselho tempo suficiente para que faça um julgamento das informações e tome ações que sejam alinhadas com o melhor interesse dos acionistas”.


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Pílula para concentrar

No Brasil, as pílulas de veneno se desenvolveram de forma diferente que nos Estados Unidos. Elas não funcionam como um mecanismo de proteção à dispersão acionária, como no caso do Twitter. Muito pelo contrário. Não raramente adotadas por empresas com acionista majoritário, as pílulas tupiniquins buscam impedir que determinado acionista ou grupo de acionistas perca o controle, favorecendo, portanto, a concentração acionária.

Disseminadas a partir de 2004, após o movimento de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) inaugurado com a Natura, as poison pills brasileiras obrigam a realização de oferta pública de aquisição de ações (OPA) pelo acionista que atingir certo percentual de participação acionária. Dessa forma, busca-se criar uma dificuldade que incentive uma negociação com o conselho para compra de fatias relevantes do capital social (no caso das companhias com capital efetivamente disperso) ou apenas desincentive uma aquisição significativa que ameace o poder do acionista majoritário. Adicionalmente, o mecanismo determina a incidência de um ágio sobre o valor das ações na OPA.

Na visão de Otávio Yazbek, sócio do Yazbek Advogados e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o problema é que as pílulas tornaram-se cada vez mais complexas e venenosas, a ponto de afastarem operações legítimas de aquisição e reorganização societária. Algumas cláusulas, com o intuito de impedir qualquer mudança no quadro acionário, chegaram a exigir a OPA a partir da aquisição de percentuais considerados pouco relevantes (inferiores a 15%, por exemplo) e com mais de 100% de ágio sobre o valor das ações.

Para piorar, muitas pílulas passaram a vir acompanhadas das chamadas cláusulas pétreas. Esse dispositivo prevê que o acionista que votar a favor da retirada da poison pill do estatuto social lance ele próprio uma OPA para aquisição das ações dos demais.  Em vários casos, essa obrigação se tornou um obstáculo intransponível, freando operações de compra e venda de controle que poderiam atender satisfatoriamente aos interesses da companhia. Atenta a esse cenário — e aos prejuízos causados aos minoritários nessas situações —, a CVM lançou, em 2009, o Parecer de Orientação 36. Nele, manifestou oficialmente que não aplicaria penalidades aos acionistas que descumprissem a cláusula pétrea, de modo a suavizar o caminho para aquelas que desejassem remover a pílula do estatuto sem um pedágio tão draconiano.

Deixar como está, regular ou autorregular?

De 2009 para cá, o mercado foi aprendendo com os seus erros e repensando a forma de usar as cláusulas anti-take over. E, agora, com as operações de fusões e aquisições a pleno vapor, elas entram novamente em evidência. No Brasil, em 2021, as operações de M&As movimentaram 66 bilhões de dólares — o maior volume em dez anos, segundo relatório divulgado pela Bain & Company.

E a tendência é que essas transações continuem a ganhar tração. De acordo com dados da TTR, o número de fusões e aquisições cresceu 19% no primeiro trimestre de 2022 em comparação ao mesmo período de 2021: foram 569 operações, que somaram 63,9 bilhões de reais. Yazbek acredita que o mercado brasileiro dever passar por um período de consolidação, impulsionado não apenas pelo ciclo econômico mas também pelo modelo de negócio das companhias que se listaram recentemente em bolsa de valores. Muitas delas vieram a mercado já com a intenção de crescer por meio de aquisições ou de ganhar musculatura para serem compradas. Diante deste contexto, a Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec), observadora dos conflitos societários causados pelas poison pills, considera que uma nova discussão sobre a regulamentação ou autorregulamentação dessas cláusulas seria propícia.

A questão é controversa. A B3 tentou por duas vezes, nas reformas do Novo Mercado, estabelecer regras mínimas para o uso do instrumento pelas companhias listadas no segmento, mas sem sucesso. A primeira tentativa ocorreu na revisão de 2008, com a proposta da “OPA 30”, que buscava estabelecer o percentual de 30% como gatilho para acionamento da poison pill. Em 2017, a Bolsa reapresentou a ideia, mas o plano foi novamente rechaçado pelas empresas que participam do segmento. “Achei uma pena que as iniciativas da Bolsa não emplacaram. A minha sensação é que a OPA 30 nos ajudaria a resolver problemas bastante sérios do sistema brasileiro”, avalia Yazbek. Segundo ele, o mecanismo poderia ser útil em alienações de controle mais complexas (feitas indiretamente ou em etapas), já que a legislação societária brasileira deixa claro o rito para troca de controle, mas não a configuração do controle, o que dá margem para diferentes interpretações. “O acionista controlador do artigo 254 da Lei das S.As. não é o mesmo do artigo 118”, observa.

 Yazbek considera, entretanto, que não há espaço para uma nova tentativa da Bolsa de emplacar a OPA 30. A aprovação da proposta continuaria sendo muito difícil, uma vez que mudanças no Novo Mercado requerem a obtenção de consenso por parte das companhias do segmento. Por isso, ele considera que alguma padronização no âmbito de autorregulação seria factível se fosse feita por meio de adesão voluntária. Em relação à possibilidade de o tema ser alvo de regulação estatal, Yazbek considera que esse não seria um caminho adequado. Isso significaria a CVM se debruçar sobre uma matéria de natureza estatutária, que deveria dizer respeito à empresa e aos seus acionistas, ele argumenta.

Sócia do Lobo de Rizzo Advogados, Paula Magalhães defende que as poison pills não precisam de regulação ou autorregulação. “É melhor que as companhias possam moldar essas cláusulas dentro da sua atmosfera”, ressalta, reforçando que houve um aprendizado do mercado em relação às poison pills e que hoje abusos envolvendo esse dispositivo são menos comuns.

De tempos em tempos, porém, casos bicudos emergem.  Um exemplo recente envolve a adoção de pílula altamente perniciosa pela Eletrobras, a fim de se evitar que, após a privatização, a empresa venha a ser reestatizada pelo próximo governo. Por essa razão, Fábio Coelho, presidente da Amec, considera que uma regulação do assunto por parte da CVM seria, sim, bem-vinda. “Dada a dificuldade da autorregulação de avançar, entendo que há espaço para a CVM colocar minimamente algumas pedras fundamentais”, afirma. A medida, ainda que não coloque fim nas discussões sobre poison pills, poderia, na visão de Coelho, trazer mais segurança para os investidores.

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