No contexto de digitalização da economia global, o Banco Central do Brasil (BACEN) tem sua própria iniciativa na criptoeconomia: a criação de uma moeda digital brasileira soberana rebatizada de Drex. Com a mudança do foco para o atacado interbancário, o projeto está atualmente em fase de testes e preservará a intermediação financeira.
O principal objetivo do Drex é a viabilização de transações financeiras com ativos digitais e contratos inteligentes que tenham validade legal, com a possibilidade de programar transações e potencial de reduzir o seu custo. O Bacen também tem sinalizado que o Drex poderá contribuir para a potencialização do Open Finance. Ao comprar um produto com o Drex, poderão ser oferecidas opções de financiamento mediante análise de dados compartilhados pelas instituições, com potencial redução dos custos de crédito.
Esses pontos diferenciam o Drex do PIX, cujo foco são as transações instantâneas. As operações com DREX serão liquidadas por intermediário financeiro autorizado, como um banco, dentro da Plataforma Drex, que utiliza tecnologia de registro distribuído (DLT).
Ações iniciais
O Bacen vem preparando o terreno para a criação de uma moeda digital soberana brasileira há alguns anos. O esforço começou com a criação, por meio da Portaria 108.092 pelo Bacen, de um grupo de trabalho interdepartamental composto por representantes de todas as suas áreas.
Com o objetivo de estudar a eventual emissão de uma moeda digital brasileira, seus trabalhos resultaram em três ações iniciais: 1) a divulgação das diretrizes do Real Digital, em linha com a Agenda BC#, ocorrida em maio de 2021; 2) a discussão com a sociedade das potenciais aplicações do Real Digital, em uma série de webinars ocorrida no segundo semestre de 2021; e 3) o Lift Challenge Real Digital, para avaliar casos de uso da moeda digital soberana e sua viabilidade tecnológica, no final de 2021.
Desde o início de 2023, o Bacen vem tomando medidas concretas para tirar o projeto do papel. Lançou o projeto-piloto Real Digital (Piloto RD), conforme aprovado no Voto 31/2023–BCB, de 14 de fevereiro de 2023, e atualizou as diretrizes da moeda digital soberana. O Bacen também mudou o foco do projeto para que o desenvolvimento fosse direcionado ao atacado interbancário, com exclusão da previsão de uso em pagamentos de varejo, que era a ideia inicial.
Será adotado o modelo de duas camadas: o Banco Central emitirá o Drex e, por sua vez, com lastro na moeda digital soberana, as instituições financeiras e instituições de pagamento fornecerão suporte para as atividades de custódia e distribuição, por meio da emissão de tokens, batizados de Real Tokenizado, que representarão depósitos à vista ou moedas eletrônicas, respectivamente. Sendo assim, o que se pretende é que o Drex funcione de forma análoga às reservas bancárias ou às contas de liquidação.
Ambiente de testes
O Piloto RD começou em julho de 2023 com 14 projetos aprovados, predominantemente propostos por instituições privadas, sob a coordenação do Comitê Executivo de Gestão (CEG) do Bacen e seguindo o regulamento do Piloto RD. Nesse ambiente de testes, que não opera com transações reais, está sendo simulada inicialmente a compra e venda de título público federal, em uma parceria entre o Bacen e o Tesouro Nacional. O objetivo é testar a programabilidade da moeda. Em setembro de 2023 um dos bancos participantes conseguiu testar tal funcionalidade, sinalizando que os trabalhos estão caminhando à todo vapor.
Além de títulos públicos federais, o Piloto RD propõe simular transações de emissão, negociação, transferência e resgate de outros ativos predeterminados, tais como moedas do Banco Central, depósitos bancários à vista, moedas eletrônicas — e com a possibilidade de ampliação no futuro, preferencialmente, para ativos financeiros e valores mobiliários. De acordo com a agenda, a expectativa é que o Drex esteja disponível para o público em 2024.
Legalidade
O Piloto RD deve perseguir as Diretrizes do Real Digital, conforme atualizadas, com destaque para a busca de soluções para a preservação de segurança e privacidade. Esse tema é de fundamental importância. O Bacen precisa garantir o cumprimento dos requisitos legais de privacidade aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e a Lei do Sigilo Bancário, para assegurar a legalidade do DREX.
Ainda sobre o assunto da legalidade, nos termos do artigo 164 da Constituição Federal, e com observância da competência do Bacen para emitir moeda-papel e moeda metálica, nas condições e limites autorizados pelo Conselho Monetário Nacional, conforme prevista no artigo 10 da Lei 4.595/1964, recepcionada pela Constituição Federal como Lei Complementar, a ampliação da competência do Bacen para que seja possível a emissão de moeda em formato digital depende de autorização legislativa.
Nesse sentido, atualmente tramita em regime de prioridade no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 9/2022, apresentado em 24 de fevereiro de 2022 pelo deputado federal Aureo Ribeiro, que propõe disciplinar a emissão da moeda nacional no formato digital. O projeto está sendo analisado por determinadas comissões na Câmara dos Deputados, e já foi aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor.
Dentre as propostas desse Projeto de Lei Complementar, destacamos a vedação para que o Bacen ofereça diretamente ao consumidor crédito, produtos e serviços bancários, de pagamentos ou de investimentos financeiros. A medida visa preservar a intermediação bancária, em benefício da economia, da privacidade e da população em geral na condição de consumidores e cidadãos.
A vedação busca também a blindagem do risco da estatização do mercado bancário que uma moeda digital soberana poderia trazer no modelo de 1 camada (conhecido como one-tiered model). Neste, o Banco Central ficaria responsável pela emissão, custódia e distribuição da moeda aos usuários finais, de forma prejudicial à estabilidade do sistema e à eficiência na alocação de capital e na concessão de crédito.
Agenda global
Vale contextualizar que o projeto de criação de uma moeda digital soberana não é uma iniciativa isolada do governo brasileiro. Surge, ao contrário, como uma resposta governamental à crescente utilização de criptomoedas e stablecoins para liquidação de transações financeiras, especialmente de ativos digitais. Além disso, ganha espaço no cenário de popularização do uso de meios de pagamento eletrônicos.
Segundo estudo do Atlantic Council, um think tank norte-americano, atualmente 130 países, que juntos representam 98% do PIB global, estão explorando moedas digitais soberanas. Desses, 64 países estão em uma fase avançada de exploração (desenvolvimento, piloto ou lançamento), com 11 lançamentos até a presente data, especialmente na América Central[1].
O plano se insere em uma agenda global com ampla discussão e troca de conhecimento ao longo dos últimos anos entre os bancos centrais das maiores economias do mundo no âmbito do Bank for International Settlements (BIS). Uma organização internacional que reúne bancos centrais de diversos países e vem desempenhando um importante papel para o avanço do projeto por meio da organização de fóruns e grupos de trabalho para discutir os desafios técnicos, regulatórios e de segurança envolvidos na implementação das moedas digitais soberanas (conhecidas internacionalmente como Central Bank Digital Currencies, ou CBDC). O Bacen tem participado ativamente das discussões no âmbito internacional, especialmente dentro do BIS, em busca de troca de conhecimento e experiência com bancos centrais de outras jurisdições.
Os projetos de CBDC ao redor do mundo ganham relevância no contexto em que os reguladores de várias nações demonstram preocupação com o potencial risco sistêmico que a ampla utilização de meios de troca alternativos às moedas soberanas, tais como criptomoedas ou stablecoins, podem trazer para o sistema financeiro.
Mas frente à magnitude global desse fenômeno, ainda existem grandes desafios operacionais e regulatórios pela frente. Para não ficar para trás do sistema alternativo e descentralizado das criptomoedas, os reguladores têm como desafio desenvolver um sistema de moedas digitais soberanas de alcance transnacional com usabilidade, eficiência, eficácia, segurança, privacidade e ampla aceitação do público.
[1] Cf. Atlantic Council. Central Bank Digital Currency Tracker. Disponível em: <https://www.atlanticcouncil.org/cbdctracker/>. Acesso em 02.10.2023
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