No Brasil, a atenção dada pelas empresas e pela mídia ao stakeholder capitalism e à pauta ESG (fatores ambiental, social e de governança) cresceu de forma exponencial neste ano, em parte em decorrência da perplexidade causada pela pandemia de covid-19. Essa atenção maior, no entanto, demanda alguns cuidados. O principal é a observância da máxima de que a essência deve se sobrepor à forma. E, nesse quesito em particular, há muito que se aprender com a experiência de adoção da governança corporativa no Brasil. A Operação Lava Jato, por exemplo, revelou casos emblemáticos de empresas que apresentavam comunicação corporativa a respeito de sua governança que em nada correspondiam ao que se comprovou que faziam — praticaram o governance washing.
Importante ressaltar que esses temas não são novos. No início da década de 1970, em cenário marcado por Guerra Fria, Guerra do Vietnã e aproximação da crise do petróleo, Klaus Schwab (na época, professor de Economia), criou a “teoria das partes interessadas” — uma espécie de embrião do stakeholder capitalism. A visão desse capitalismo socialmente responsável tornou-se o princípio norteador do Fórum Econômico Mundial, tendo sido reafirmado pelo Manifesto de Davos 2020.
Esse manifesto pontua que é urgente o engajamento das empresas no capitalismo das partes interessadas e a importância de essas empresas trabalharem para melhorar seu entorno — criando valor no longo prazo e compartilhando-o de maneira justa, beneficiando não apenas acionistas, mas também clientes e comunidades. Elas devem, ainda, medir os impactos sociais e ambientais de suas atividades e também os retornos financeiros. Nesse sentido, o International Business Council (IBC), vinculado ao Fórum Econômico Mundial, tem dado grande contribuição para o reequilíbrio de propósito corporativo. Em 2017, o conselho liderou o compromisso de cerca de 140 CEOs para alinhamento de seus valores e estratégias corporativas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Agenda 2030 da ONU.
Em setembro de 2020, o Fórum Econômico Mundial publicou o white paper “Measuring Stakeholder Capitalism Towards Common Metrics and Consistent Reporting of Sustainable Value Creation”, desenvolvido pelo IBC. O trabalho visa melhorar a forma pela qual as empresas medem e demonstram suas contribuições para a sociedade e o planeta, por meio da construção de “um conjunto geralmente aceito de padrões internacionais de report ESG”, de forma “análoga” aos padrões internacionais de contabilidade.
Para a tarefa, o IBC contou com o apoio das “big four” (Deloitte, EY, KPMG e PwC) e das cinco principais referências de reporting voluntário ESG — CDP, Climate Disclosure Standards Board (CDSB), Global Report Initiative (GRI), International Integrated Reporting Council (IIRC) e o Sustainability Acounting Standards Board (Sasb). Pela primeira vez, essas cinco instituições trabalharam juntas, em prol da construção de uma visão unificada sobre as métricas a serem utilizadas pelas empresas.
Essas métricas, baseadas nos ODSs, foram estruturadas em quatro pilares: princípios de governança, planeta, pessoas e prosperidade. Os pilares e suas respectivas métricas são altamente interdependentes e têm importante influência sobre a capacidade de uma empresa para gerar valor compartilhado e sustentável.
O white paper também advoga que as empresas que se responsabilizam pelos seus stakeholders serão mais viáveis e valiosas no futuro. O entendimento do propósito das corporações está mudando, para se concentrar na criação de valor de longo prazo e na compreensão da interdependência das suas atividades com o impacto econômico, ambiental e social que geram.
Essa mudança tem implicações importantes para o papel e o significado de boa governança e estratégia. Investidores e demais partes interessadas cada vez mais demandarão que empresas informem sobre questões não financeiras, riscos e oportunidades com a mesma disciplina e rigor utilizado na divulgação das informações financeiras. A abordagem de métricas ESG no relatório anual de uma empresa garantirá que essas questões materiais estejam na agenda do conselho de administração, como parte do processo geral de governança corporativa da empresa.
Fazendo uma breve retrospectiva, os últimos 12 meses foram marcados por uma série de eventos e comunicados relevantes relacionados à pauta ESG: Business Roundtable, UK Stewardship Code 2020, Davos Manifesto 2020 e o white paper do Fórum Econômico Mundial. Todos evidenciam uma substancial elevação do grau de exigência relativa ao tema. É um movimento sem volta, e as empresas precisam refletir de forma genuína sobre o seu modelo ideal de stakeholder capitalism, customizado para seus valores e realidade. Não há um modelo único, mas é fundamental que ele seja genuíno.
*Ana Siqueira, CFA ([email protected]) é sócia fundadora da Artha Educação
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