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Há excesso de rigor da Receita Federal na identificação de beneficiários finais pelos FIPs?
Regulamentação da Receita Federal visa prevenir fraudes em registros de cotistas, mas valor das autuações fomenta debate
Octávio Corrêa | Beneficiários finais pelos FIPs

Octávio Corrêa | Ilustração: Julia Padula

SIM

A identificação de beneficiários finais dos fundos de investimento em participações (FIPs) é assunto que está na agenda da Receita Federal e do mercado de capitais. Resumidamente, investidores não residentes que adquirem cotas de FIPs, conforme a Resolução CMN nº 4.373/14, têm alíquota zero sobre ganho de capital obtido na venda ou no resgate; já o investidor residente no Brasil para fins fiscais se sujeita, em regra, à alíquota de 15%.

Nesse contexto, sob a ótica da Receita, alguns cotistas residentes têm sido inadequadamente registrados pelas instituições financeiras e/ou gestoras de valores mobiliários como investidores não-residentes, para fruírem do benefício da alíquota zero de Imposto de Renda.

Além disso, nos casos em que não há a completa identificação dos cotistas — dos beneficiários finais, conforme regulado na
IN RFB nº 1.634/16 (revogada pela IN RFB nº 1.863/18) —, a Receita tem autuado os envolvidos com base no art. 61 da Lei 8.981/95, que prevê a incidência do IR exclusivamente na fonte (IRRF), à alíquota de 35%, sobre todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não identificado. Nessas situações, a Receita tem entendido que o IRRF teria como base de cálculo não só o ganho, mas todo o valor pago pelos FIPs aos cotistas na venda ou no resgate.

O mercado compreende e apoia a necessidade de ampla identificação dos beneficiários finais, a despeito das dificuldades e custos administrativos do compliance financeiro. O tema é complexo e a obtenção e atualização de informações sobre beneficiários finais não é tarefa simples, em razão do dinamismo dos investimentos e da possibilidade de mudança diária da base de cotistas¹.

“Atualização de informações sobre beneficiários finais não é tarefa simples”

Mas entendemos que, em vez de simplesmente lavrar autos de infração em série, é papel da Receita, ao lado da CVM e do mercado, buscar alternativas que atendam a todas as demandas existentes. Até porque as autuações tendem a crescer, como indica a própria Receita em seu plano anual de fiscalização.

Vale ressaltar que a recente IN RFB 1.863/18 melhorou timidamente o cenário de incerteza. A inovação do art. 8º, VII, por exemplo, é positiva, oferecendo maior clareza para o cumprimento da obrigação de informar os beneficiários finais nos veículos de investimento coletivo domiciliados no exterior. Mas ainda é muito pouco.

Seguir a fórmula utilizada até agora pela Receita, especialmente no que se refere à cobrança de 35% de IRRF sobre o valor pago pelos FIPs para os cotistas na venda ou no resgate, gerando autuações bilionárias, não nos parece ser o melhor caminho. É fato que instituições financeiras e gestoras conseguem esclarecer os beneficiários finais no curso de eventual processo administrativo tributário. Assim, autuações exorbitantes que serão depois anuladas só causam estresse no mercado e custo desnecessário para a máquina pública. A Receita, a CVM e o mercado devem juntos buscar solução para colocar um ponto final nesse cenário de ampla insegurança jurídica.


¹ COELHO, Julia Jacques de Moraes Dias. “Conceito de beneficiário final no regime jurídico do investidor não residente”.


Octávio Corrêa ([email protected]) é sócio da área tributária do Vieira Rezende Advogados


 

Nathália Rocha Peresi | Beneficiários finais pelos FIPs

Nathália Rocha Peresi | Ilustração: Julia Padula

NÃO

No mercado financeiro brasileiro, a regulamentação de medidas de adequação com o objetivo de prevenir lavagem de dinheiro, corrupção, terrorismo e sonegação fiscal antecede a conhecida Lei Anticorrupção, de 2013. A preocupação normativa com práticas de compliance pelas instituições financeiras já era destaque na Lei contra Lavagem de Dinheiro, de 1998. E, sobretudo com relação ao sistema financeiro nacional, esse arcabouço normativo continua em constante evolução.

Nesse contexto, sucederam-se, desde 2016, instruções normativas da Receita Federal que, ao disporem sobre o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, dentre outras orientações, trataram de determinar aos fundos de investimento que identificassem em suas informações cadastrais seus beneficiários finais. Na mesma esteira, para evitar dúvidas, cuidou a Receita de consignar textualmente o que considera beneficiário final: a pessoa natural que, em última instância, controla ou influencia significativamente a entidade ou a pessoa natural em nome da qual uma transação é conduzida. Em outras palavras, aquele que “dá as cartas”.

A transparência do beneficiário final é, ao nosso ver, de suma importância no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção, mazelas tão intensamente vividas pelo brasileiro e cuja prevenção tem sido cada vez mais cobrada dos participantes do mercado financeiro. Não há responsabilização sem a identificação do responsável.

Com relação aos aspectos práticos — e positivos — dessa obrigação, a norma hoje em vigor (IN RFB nº 1.863/18, recém-alterada pela IN RFB nº 1.895), oferece maior clareza para o seu cumprimento. É um marco regulatório para o mercado de capitais, notadamente aos distribuidores de fundos de investimentos, para quem a Receita afasta as dúvidas sobre as informações e documentação necessárias para identificação dos cotistas e de seus beneficiários finais. Isso, sem dúvida, traduz-se em segurança jurídica, bem-vinda aos investimentos e ao aquecimento do mercado.

“A transparência dos beneficiários finais favorece combate a crimes”

Por outro viés, globalmente, entendemos que a Receita bem acena à Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), que adotou o modelo de Common Reporting Standard (CRS) para estabelecer padrões internacionais de troca de informações fiscais para combater a evasão fiscal transfronteiriça. E, de fato, a principal repercussão prática da IN nº 1.863 no que tange aos fundos é a prevenção de evasão fiscal por meio de investimentos estrangeiros fraudulentos.

Cotistas de fundos de investimento em participações (FIPs) não residentes detêm um belo incentivo fiscal, por ter reduzida a zero a alíquota do Imposto de Renda. Já o investidor residente no Brasil paga ao fisco, no mínimo, 15% dos ganhos auferidos.

A Receita preocupou-se com fraudes em registros de cotistas como sendo estrangeiros, mas que seriam, na verdade, tupiniquins. O risco de elisão fiscal por si só já enaltece a norma que impõe a identificação do beneficiário final de fundos de investimento. O grande desafio é que a regra não afaste o investidor. Para isso, é importante que faça sentido aos seus destinatários. Afinal, a identificação do beneficiário final não deve soar como “caça às bruxas”. Pelo contrário, a transparência deve gerar confiabilidade.


Nathália Rocha Peresi ([email protected]) é sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, especialista em Direito Penal Empresarial


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