Pesquisar
Close this search box.
Cultura de indolência gera demanda por especialistas
Contratação de serviços externos à companhia por vezes serve apenas para que administradores terceirizem responsabilidades
, Cultura de indolência gera demanda por especialistas, Capital Aberto

Raphael Martins | Ilustração: Julia Padula

Não é de hoje que se vê uma profunda simbiose entre administradores das grandes companhias abertas e especialistas. O primeiro grupo é facilmente identificável — engloba os diretores e os conselheiros de administração. O segundo tem contornos menos definidos. O especialista pode ser qualquer um que preencha dois requisitos: ser externo à companhia (independente ou nem tanto) e reconhecido como detentor de conhecimento específico sobre tema de interesse dela. Nessa ampla categoria, encontra-se de tudo — de consultorias de gestão a empresas de auditoria externa; de professores pardais a grandes conglomerados que apenas se propõem a analisar e a processar papel.

Alguns acreditam que a razão desse fenômeno residiria apenas num legítimo interesse dos gestores de contar com conhecimento especializado para a tomada de decisão ou para a execução de determinada política. Essa crença, entretanto, fica abalada quando se nota a proliferação da contratação de consultorias de duvidosa qualidade ou em áreas nas quais a empresa contratante já deveria ter o conhecimento específico. E não se sustenta diante da usual contratação de especialistas para trabalhos que são habitualmente feitos internamente.

Talvez o caso mais emblemático seja o da elaboração de laudos de avaliação. Desconhece-se empresas de grande porte sem profissionais habilitados a elaborar tais análises e que as produzam rotineiramente para auxiliar o trabalho de decisão dos órgãos de gestão. Curiosamente, quando precisam ser apresentados à aprovação da assembleia geral, a regra tem sido a terceirização da elaboração desses laudos de avaliação, mesmo que em muitos casos a lei não exija tal procedimento.

A explicação para a proliferação de consultorias, ao que tudo indica, está não apenas na preocupação com a qualidade do trabalho mas também numa convicção generalizada de que assim promover-se-ia uma terceirização da responsabilidade. Num paradigma de responsabilização que impõe ao gestor atuar com diligência, ele não fez ou deixou de fazer porque entendia correto, mas porque um especialista assim o orientou.


Leia também

O dilema da punição às estatais

Causa e efeito da não proteção do investidor

O estranho caso de dissonância entre acionistas


Um subproduto dessa mentalidade é a substituição da qualidade do especialista pelo renome. Isto é, uma vez que o objetivo do administrador é transferir responsabilidade sobre determinada matéria, é preferível contratar alguém que tenha renome do que outro cujo trabalho tenha mais qualidade.

Embora órgãos reguladores tenham sua parcela de culpa no fomento desse modelo de comportamento, ele começa a ser revisitado pela área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em recente decisão envolvendo empresa concessionária do setor de energia elétrica, enfrentou-se o problema dos administradores que submeteram à aprovação da assembleia geral um laudo de avaliação (elaborado por especialista renomado) com relevantes indícios de que continha resultados inconsistentes — consequentemente, subavaliava o valor econômico da empresa.

Enfrentando a alegação de que não seria possível imputar responsabilidade à administração, tendo em vista a contratação de um especialista de grande reputação para elaboração da análise, a área técnica considerou que isso não seria suficiente para comprovar diligência. Nesse sentido, mesmo sem ser obrigado a dominar a técnica e a metodologia do avaliador, espera-se que o resultado produzido externamente seja validado e confrontado com o próprio entendimento da companhia sobre a matéria e resultados atípicos sejam questionados. Ou, dizendo de maneira mais coloquial: o especialista não exime a falta de bom senso ou a preguiça do gestor.

Superar a dependência do especialista parece ser uma missão impossível. Entretanto, deve-se travar a batalha contra a cultura da indolência que se instalou no relacionamento do administrador com os especialistas, em que estes servem de desculpa e explicação para a efetiva falta de diligência e de cuidado daquele. É uma luta difícil, mas factível.


Raphael Martins é sócio do escritório Faoro & Fucci Advogados


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.