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Mais disciplina
Na cola do mercado norte-americano, agências de rating melhoram seus padrões de governança no Brasil — e quem sai ganhando é o investidor

, Mais disciplina, Capital Aberto

As agências de rating já estão acostumadas. Sabem que, nessa atividade, anda-se no fio da navalha todos os dias. Qualquer deslize e sua reputação pode sofrer arranhões. Acusadas de terem atribuído ratings equivocados a operações ligadas a empréstimos subprime que contribuíram para a pior crise financeira dos últimos tempos, as classificadoras de risco norte-americanas não tiveram saída: admitiram o erro e engoliram — em muitos casos, a seco — a aprovação de regras que tornarão o exercício da atividade muito mais rigoroso. E todas essas mudanças trouxeram algo de bom também para o Brasil. A reboque, as nossas agências de rating já estão atuando de forma mais transparente e responsável.

, Mais disciplina, Capital AbertoA implementação do Gabinete do Ombudsman, no início de 2009, pela Standard and Poor’s no Brasil é um bom exemplo de como melhorias idealizadas pelas agências internacionais lá fora têm respingado por aqui. Liderado por Ray Groves, que foi presidente da Ernst & Young por 17 anos, o órgão atende os 23 escritórios da S&P no mundo e tem a desafiadora missão de restaurar a confiança do mercado de capitais na agência. Para isso, pretende ser um canal, no qual funcionários, clientes e participantes do mercado possam expor — identificando-se ou de forma anônima — preocupações em relação à metodologia, ao compliance ou a potenciais conflitos de interesse que enxerguem nos negócios. O gabinete é diretamente subordinado ao CEO e ao comitê de auditoria da McGraw-Hill Companies, empresa controladora da S&P. A independência do ombudsman foi garantida através do desenho de sua remuneração. Consiste em um salário fixo anual pago em dinheiro pela McGraw-Hill, sem relação com os resultados da empresa ou da S&P. Além disso, não contempla benefícios ou vantagens de qualquer outra espécie, como ações.

Os resultados desse primeiro ano de trabalho foram divulgados no relatório anual do ombudsman, publicado em março de 2010. Os dados mostram que 85% das questões enviadas foram feitas por fontes externas à S&P; 85% provenientes de norte-americanos; 12% realizadas anonimamente e 50% relacionadas a rating. Desse percentual, 25% se referiam a dúvidas sobre classificação de risco de dívida. “Em todos os casos, os processos foram revistos e detectou-se que não havia problemas”, afirmou Groves, no relatório. Segundo ele, houve apenas uma situação em que se identificou que a política da S&P era falha. Ela não especificava que um emissor não pode apelar contra uma reafirmação do rating, situação na qual a nota atribuída inicialmente ao título é reavaliada e pode receber uma nova classificação de risco. Esse ponto, contudo, já foi incluído na política.

Abrir um canal de diálogo com o investidor tem sido uma prática fomentada também por agências nacionais. De olho no que acontece nos Estados Unidos, a Austin Rating implementou medidas para aumentar a transparência de sua metodologia e se aproximar do usuário final do rating. “Às vezes, a gente não vê muita curiosidade do investidor em conhecer nosso trabalho, mas nós queremos mostrar como funciona”, frisa Mauricio Bassi, coordenador de análise da Austin Rating. A agência convida periodicamente investidores para visitar a empresa. O intuito é que conheçam, opinem e esclareçam dúvidas sobre a metodologia e os processos utilizados para a classificação de risco. “Desde o estouro da crise, temos dado mais ênfase a essa prática”, ressalta Bassi. “Somente fazendo um trabalho orientado para o investidor é que conseguiremos aprimorar nossa metodologia e minimizar potenciais conflitos de interesse.”

Desde 2008, todos os investidores que têm acesso aos relatórios privados da Austin recebem um código de dez dígitos que permite o acompanhamento on-line, pelo site da agência, do rating da operação. Ao acessar esse espaço, o investidor pode escolher se deseja receber informações por e-mail sobre qualquer novidade na classificação de risco da emissão. “Quem nos contrata vai e volta. Mas o investidor sempre vai utilizar nosso serviço”, observa Bassi.

“Tanto os investidores quanto o regulador têm direito de pedir para uma agência de rating provar o que ela faz”

PRATIQUE OU EXPLIQUE — Atualmente, as principais agências que atuam no País (Fitch, S&P, Moody’s, Austin, SR Rating e LF Rating) utilizam o código de padrões de conduta de agências de classificação de crédito, produzido pela International Organization of Securities Commissions (Iosco) em 2008, para orientar seu trabalho. O documento, preparado pelo comitê técnico da organização que congrega as comissões de valores mobiliários de vários países, recomenda uma série de medidas para prevenir conflitos de interesse. e tornar o trabalho das agências mais transparente.

As agências — por sugestão da Iosco — deixam os códigos de conduta à disposição em seus websites. Alguns deles são apresentados, inclusive, num formato “comply or explain”. Esse modelo permite que os investidores e emissores entendam por que determinada agência não cumpre uma recomendação da Iosco. A Standard and Poor’s e a Moody’s, por exemplo, não seguem o item 2.8c do código. Ele solicita às agências de rating que divulguem se o emissor de um produto estruturado disseminou todas as informações relevantes sobre a transação alvo da classificação de risco.

Embora concorde com o princípio básico da Iosco de transparência, a S&P entende que a exigência não é consistente com as leis e os regulamentos que estabelecem que o emissor é o responsável por divulgar todas as informações relevantes ao público e não as agências de rating. Além disso, acrescenta que tal obrigação colocaria sobre a S&P o ônus de realizar um processo de due diligence ou de verificações para determinar se a informação do emissor é verdadeira ou não. A Moody’s diz não acreditar que qualquer agência de rating seja capaz de cumprir essa determinação do código, uma vez que as classificadoras não possuem ou controlam as informações que são divulgadas para a produção dos ratings de crédito.

A Austin afirma aderir, parcialmente, a essa prática. Seus relatórios de rating, além de explicitar o caráter privado ou público da operação, contêm uma lista dos documentos mais importantes fornecidos pelo emissor, com informações sobre quem passou os dados e se foram satisfatórios para a análise, levando-se em conta a metodologia utilizada. Para este ano, a agência também pretende aumentar a periodicidade com que publica seus relatórios. “Se hoje emitimos relatório sobre rating de bancos duas vezes por ano, queremos elevar esse número para quatro”, declara Bassi.

Outro ponto de discordância das agências em relação ao código diz respeito à criação de uma escala de rating diferente para operações estruturadas. A intenção da Iosco é chamar a atenção dos investidores para o risco dessas emissões. A Moody’s afirma que, após fazer uma consulta aos participantes do mercado sobre o assunto, recebeu uma reação significativamente negativa e, portanto, deverá fazer essa mudança somente quando houver demanda. Para a Austin, a implementação de diferentes nomenclaturas para os vários tipos de emissões poderia confundir o investidor e outros usuários de ratings. A S&P vai além e argumenta que essa prática teria o efeito não desejado de impor cargas administrativas substanciais ou dificuldades operacionais, aumentando os custos para os participantes do mercado.

NA MARRA — Enquanto algumas práticas, como as do código da Iosco, puderam ser adotadas espontaneamente pelas agências de rating, outras tiveram de ser incorporadas na marra. No início de 2009, a Securities and Exchange Commission (SEC) impôs algumas regras de conduta para todas as “organizações de rating estatístico nacionalmente reconhecidas” (NRSRO, na sigla em inglês), com o intuito de evitar conflitos de interesses.

Apesar de terem validade somente nos Estados Unidos, essas normas foram importadas pelas agências internacionais para suas filiais no Brasil e em outros locais do mundo. “Hoje, os analistas da Fitch são proibidos, por exemplo, de aceitar presentes de qualquer tipo ou valor”, explica Rafael Guedes, diretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil. O fornecimento de brindes (como canetas, cadernos de anotações, etc.) e lanches ou refeições servidas durante reuniões de negócio é permitido, porém não deve exceder o valor de US$ 25 (cerca de R$ 44) por analista, imposto pela SEC. “Caso um funcionário receba um presente acima desse valor e sua devolução seja impossível por ser perecível ou pelo custo que traria, o item deve ser doado a uma instituição de caridade ou destruído”, reforça o código de conduta da Fitch.

As agências nacionais, por seguirem o código da Iosco, tiveram mais liberdade para definir essa questão. O documento diz apenas que as agências não devem aceitar presentes em dinheiro e brindes que excedam um valor nominal mínimo, sem, no entanto, especificá-lo. A Austin, em seu código, prevê que o valor do presente não ultrapasse uma quantia considerada significativa pelo comitê de ética e conduta. Já na LF Rating, esse valor pode chegar a R$ 250 por entidade.

A Comissão Europeia também está de olho nas agências de rating. Nos próximos meses, tanto a Moody’s como a S&P irão adicionar um indicador com símbolo “sf” aos seus ratings atribuídos a operações estruturadas. O objetivo é facilitar a identificação desse tipo de emissão. A prática — implementada em cumprimento à nova regulamentação europeia para as agências de classificação de risco, lançada em 2009 — valerá para todos os instrumentos estruturados, independentemente do país em que sejam emitidos.

PROATIVAS — Independentemente do que pede o código de conduta da Iosco ou exige o regulador, as agências de rating já entenderam o recado. Para reconquistar a confiança dos investidores, terão que embarcar numa cruzada — por enquanto ainda sem prazo para terminar — por padrões mais elevados de qualidade, transparência e independência. Por isso, colocaram em prática, nos últimos tempos, uma série de iniciativas para aperfeiçoar também suas metodologias e processos.

A Standard & Poor’s anunciou, no início deste ano, a revisão de todas as premissas e metodologias utilizadas nos ratings de instituições financeiras. Segundo comunicado divulgado pela agência, o objetivo é incorporar o conhecimento adquirido com os recentes acontecimentos que afetaram a indústria bancária global, como a crise financeira, as intervenções governamentais e as propostas para a Basileia III. Em maio de 2010, por exemplo, lançou pedido de comentários sobre sua metodologia para a análise de riscos-país para o setor bancário (Bicra, na sigla em inglês), parâmetro usado para estabelecer qual o rating mais alto de um banco, sem considerar o suporte de terceiros.

A Moody’s também tem se dedicado a fazer refinamentos metodológicos para a atribuição de ratings de crédito de financiamento estruturado. Desenvolveu uma medida de risco que permite classificar em uma escala de cinco graus — de baixo a alto — o potencial de variabilidade das premissas utilizadas para a avaliação do rating em função de incertezas relacionadas a qualidade dos dados, desempenho histórico, nível de divulgação, complexidade, modelo e governança da operação. Também criou uma segunda medida capaz de indicar quanto um título financeiro estruturado classificado pela agência pode variar se certos parâmetros usados na atribuição inicial do rating mudarem. Todas essas informações são passadas aos investidores nos relatórios da Moody’s.

Bassi, da Austin, lembra que, no Brasil, não temos operações estruturadas de crédito tão complexas como as dos Estados Unidos. Mas reconhece que, independentemente disso, o rigor metodológico para avaliação das emissões aumentou bastante. “Hoje, pedimos mais abertura para derivativos e nos focamos mais nas notas explicativas dos balanços”, explica. “Além disso, tivemos que incorporar uma situação conjuntural de redução de liquidez, que poderia impactar a solvência das empresas.” A análise dos dados qualitativos da companhia também tem recebido atenção especial. “Os resultados da empresa são reflexos de uma gestão, e essa nada mais é que um reflexo da governança corporativa.”

Sem medo do regulador

Enquanto nos Estados Unidos as agências de rating vivem sob fogo cruzado, no Brasil elas ainda não sentem o peso da mão do regulador. E, talvez, nem venham a sentir. O rumo dessa história vai depender do que for concluído do estudo que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) irá apresentar, este mês, para o Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec).

O assunto não parece assustar os participantes da indústria de rating brasileira. “Sou favorável à regulamentação, desde que ela não seja uma mera extrapolação das regras que vêm sendo impostas lá fora”, ressalta Mauricio Bassi, da Austin Rating. Por sua vez, Rafael Guedes, da Fitch, também não vê problemas desde que a CVM siga os princípios que o código de conduta da Iosco recomenda. “O problema vai ser se cada regulador começar a querer fazer o bolo com a sua receita.” Regina Nunes, presidente da S&P no Brasil, também não se opõe. “Tanto os investidores quanto o regulador têm direito de pedir para uma agência de rating provar o que ela faz. A obrigação de uma entidade que vive de opinião é ter transparência.”

Luiz Tess, diretor geral da Moody’s no Brasil, se diz apreensivo quanto à possibilidade de uma maior regulação incentivar os participantes do mercado a colocar ênfase excessiva nos ratings. “Os ratings de crédito dizem respeito apenas ao risco de crédito. Há outros fatores e riscos que os investidores devem considerar ao tomar suas decisões de investimento.”

Da parte do xerife do mercado, a ideia é sugerir ao Coremec que os ratings sejam substituídos pelo seu princípio. Ou seja, não se falariam mais em símbolos de rating (AAA; BB), mas em conceitos gerais como baixo risco de crédito, médio risco, e assim por diante. “O rating tem que ser um instrumento de ajuda na decisão de um investimento e não o fator principal. Se a recomendação é para comprar um papel de baixo risco de crédito, até pode-se usar o rating para ajudar, mas a análise de que aquele risco é baixo deve ficar nas costas do administrador”, ressalta Luciana Dias, superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM.

Enrico Bentivegna, sócio do Pinheiro Neto Advogados, acredita que a CVM deveria focar sua regulação, principalmente, nas questões de conduta e transparência. Nesse sentido, Bassi afirma que o regulador poderia exigir, por exemplo, que o emissor divulgasse todos os ratings que contratou para classificar o risco da operação. “Muitas vezes, o investidor só recebe a classificação de risco que é melhor para o emissor. A divulgação de mais de um rating por operação, como acontece nos Estados Unidos, seria interessante para balizar o investimento.” (L.T.)


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