Pesquisar
Close this search box.
Assembleias virtuais?
Recursos juridicamente válidos viabilizam o uso de meios eletrônicos

, Assembleias virtuais?, Capital AbertoÉ comum ouvirmos reclamações de que os acionistas não comparecem às assembléias- gerais, deixando todas as decisões nas mãos do controlador e dos administradores. Esse absenteísmo é normalmente atribuído a uma apatia dos investidores, que permanecem inertes mesmo diante de abusos do grupo de controle e desmandos da administração.

Não é assim que eu vejo a questão. Na minha opinião, a ausência dos acionistas é um problema econômico, e não de natureza ética. As pessoas investem em ações na expectativa de obter retornos financeiros. Logo, elas só comparecerão nas assembléias se o benefício financeiro esperado com seu voto for maior que as despesas para participar das deliberações.

É certo que, em muitos casos, os custos não são tão grandes assim. Eles se resumem, basicamente, às despesas de deslocamento e ao tempo gasto com a obtenção de informações e o comparecimento à assembléia. Já os benefícios podem ser expressivos, mesmo se repartidos entre o conjunto dos acionistas. Eles incluem não só o aumento nos lucros a partir de uma melhor gestão, como a redução de prejuízos decorrentes de abusos dos majoritários e da administração.

Ocorre que o cálculo de custo e benefício não pode ser feito dessa maneira simplificada. Antes de verificar se vale a pena participar da assembléia, o acionista se faz outra pergunta: qual a chance de que o meu voto faça diferença no resultado? Um indivíduo racional só comparecerá à assembléia se o custo incorrido com a presença for menor que o benefício esperado — ou seja, o benefício potencial descontado pela probabilidade de que o voto influa no resultado.

Quando aplicamos esse cálculo de custo e benefício às companhias com controlador, percebemos que, na grande maioria das vezes, a probabilidade de que o voto faça alguma diferença tende a zero, já que o controlador tem ações suficientes para fazer prevalecer sua vontade. Portanto, o benefício esperado — após o desconto probabilístico — é necessariamente menor que a despesa para comparecer na assembléia.

 

Dá uma olhada: Módulos jurisprudência CVM – 18 e 19 de agosto/2020

 

Nas companhias com capital pulverizado, a situação é um pouco melhor, mas não muito. Quanto mais dispersa for a propriedade acionária, menores as chances de que o voto de um acionista isolado faça diferença no resultado. A partir de um determinado nível de pulverização, o voto deixa de valer a pena para a maioria dos investidores, pois as vantagens passam a ser muito pequenas, enquanto os custos permanecem os mesmos.

Não tenho conhecimento de estudos que calculem a probabilidade de que o voto de um acionista faça a diferença no caso das companhias com capital pulverizado, nem no Brasil, nem nos Estados Unidos. Mas há muitas pesquisas sérias referentes às eleições presidenciais norte-americanas que podem nos dar uma idéia do problema. Segundo esses estudos, a chance de o voto de um eleitor influir no resultado é menor que o risco de ele ser atropelado a caminho da cabine de votação, o que explica por que cada vez menos pessoas participam de eleições no país.

Chegamos assim a um impasse. Embora o voto seja benéfico para o conjunto dos acionistas, na maioria das vezes nenhum sócio isolado tem incentivos econômicos suficientes para participar de assembléias. Cada um espera que os demais compareçam e, ao final, todos saem prejudicados. Esse é o drama de toda forma de ação coletiva e que explica muito bem o absenteísmo nas assembléias-gerais.

Nada na lei atual impede que a assembléia-geral seja assistida remotamente, nem que uma parcela dos acionistas exerça seu direito de voto por meio da internet

Como podemos resolver essa questão? A resposta mais óbvia é tentar diminuir as despesas dos acionistas. Isso pode ser feito de diversas formas, dentre as quais uma merece destaque: o uso da internet e de outros mecanismos eletrônicos que permitam ao investidor participar das reuniões remotamente.

A realização de uma assembléia exclusivamente pela rede mundial de computadores ou por videoconferência dependeria de uma mudança na legislação, já que o artigo 125 da Lei das S.As exige a presença dos acionistas para a formação do quórum. Todavia, nada na lei atual impede que a assembléia-geral seja assistida remotamente, nem que uma parcela dos acionistas exerça seu direito de voto por meio da internet, desde que acionistas representando o quórum mínimo estejam presentes fisicamente na reunião.

Lendo a Lei das S.As com cuidado, percebemos que nenhum dispositivo exige que o acionista esteja presente para votar. Além do 125, apenas o artigo 130 pode ser visto como um obstáculo ao voto eletrônico, à medida que exige, para a validade da ata da assembléia, a assinatura “de quantos bastem para constituir a maioria necessária”. Contudo, interpretando a legislação à luz da realidade atual, talvez se possa até admitir que a ata seja assinada por meio eletrônico.

Mas existe outra forma mais simples e menos controversa de reduzir os custos para participar das deliberações sociais. Falo das procurações eletrônicas, que já são admitidas até pela Receita Federal em suas relações com os contribuintes. Essas procurações são outorgadas pela internet e podem facilitar — e muito — o exercício do direito de voto pelos acionistas.

 

Dá uma olhada: Módulos jurisprudência CVM – 18 e 19 de agosto/2020

 

Para quem duvida da validade dessas procurações, sugiro ler com cuidado o artigo 654 do novo Código Civil. Ao contrário do artigo 1.289 do antigo Código, que exigia o reconhecimento de firma para a validade da procuração perante terceiros, o 654 do novo Código diz apenas que aquele que contratar o procurador “pode” exigir a firma reconhecida, ou então dispensá-la.

Peço a paciência do leitor para transcrever o artigo 654 do Novo Código: “Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante. (…) §2o O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida”.

Entendo, com base nesse dispositivo, que as companhias brasileiras podem muito bem dispensar o reconhecimento de firma e substituí-lo por um documento eletrônico, assinado eletronicamente e certificado digitalmente. Lembro, a propósito, que o artigo 10 da Medida Provisória nº 2.202-2/02 declara que os documentos eletrônicos são instrumentos particulares. E isso é tudo que o 654 do Novo Código exige para a validade da procuração: um instrumento particular assinado pelo procurador.

Além de serem menos complexas e polêmicas do que o voto eletrônico, as procurações eletrônicas têm uma vantagem adicional. O acionista que se faz representar por procuração conta para formar o quórum das deliberações e pode assinar, por meio de seu representante, a ata da assembléia- geral. Portanto, a procuração eletrônica contorna os obstáculos impostos pelos artigos 125 e 130 da Lei das S.As.

Imaginem então o seguinte cenário. A companhia coloca todas as informações referentes à assembléia em um site na internet. Nesse endereço, a companhia permite ao acionista que designe, por meio eletrônico, procuradores diferentes para votar contra ou a favor das propostas apresentadas. Uma vez recebida a procuração, o representante vota conforme as instruções do acionista na assembléia, cujos trabalhos podem até ser transmitidos ao vivo pela rede. Tudo isso protegido e controlado por meio da certificação digital.

Não tenho dúvida de que um mecanismo como este reduziria muitíssimo o custo de participação nas assembléias, coibindo assim o absenteísmo e a suposta apatia dos acionistas. Também não tenho dúvida de que esse recurso eletrônico é seguro e juridicamente válido, como demonstram as experiências dos bancos com a internet e da Receita Federal com as procurações eletrônicas.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.