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“A grande renúncia”, mais uma sequela da pandemia
Pedidos de demissão em massa evidenciam nova forma de os colaboradores se relacionarem com o trabalho e desafiam empresas a reter talentos
Pedidos de demissão em massa evidenciam nova forma de os colaboradores se relacionarem com o trabalho e desafiam empresas a reter talentos
20 milhões de trabalhadores nos Estados Unidos pediram demissão no segundo semestre de 2021 | Imagem: freepik

À já recheada lista de dificuldades e desafios que a pandemia legou (e ainda apresenta) para as empresas, soma-se um aspecto até há alguns meses pouco observado: uma grande onda de pedidos de demissão, movimento que torna ainda mais complicada e custosa a readequação de quadros de colaboradores num contexto de retomada de atividades e de concorrência acirrada por talentos (neste último caso, principalmente no ramo da tecnologia). Por ora, o fenômeno — que por sua magnitude já foi batizado “the great resignation” ou “a grande renúncia” — está circunscrito ao mercado americano, mas serve de alerta também para negócios de outros países em relação a forma como os colaboradores estão se relacionando com o trabalho e como isso afeta a retenção de talentos.

Pode até parecer contraditório que, em meio à maior crise sanitária dos últimos 100 anos, com consequências nefastas para as economias, mais pessoas estejam decidindo dizer aos seus respectivos empregadores “Eu me demito”. Entretanto, faz sentido imaginar que a situação inédita tenha levado pessoas alocadas nos mais variados setores a repensarem sua relação com o trabalho e a avaliarem se valeria a pena continuar em uma empresa que não oferece vantagens suficientes ou não se alinha a propósitos e anseios particulares.

Os números dão algumas pistas sobre o cenário. Conforme dado citado em reportagem da revista Time, cerca de 20 milhões de trabalhadores nos Estados Unidos pediram demissão no segundo semestre de 2021. Apenas em novembro passado, os pedidos somaram 4,5 milhões, o maior número desde o ano 2000. E essas “renúncias” vêm atingindo essa marca em torno de 4 milhões ao mês pelo menos desde o segundo trimestre de 2021. Um levantamento de agosto do ano passado da PwC, citado em artigo do portal Mundo RH, constatou que 88% dos executivos percebiam que a rotatividade no quadro de colaboradores estava maior que a habitual, ao mesmo tempo em que 65% dos trabalhadores da amostra afirmaram estar procurando um novo emprego.

Políticas públicas

Especialistas ressalvam, no entanto, que um fator circunstancial pode explicar, por enquanto, o que está acontecendo no mercado de trabalho dos Estados Unidos, e ele tem a ver com as escolhas dos governos para o enfrentamento da pandemia. A abordagem da Casa Branca foi baseada na proteção da economia. Nesse sentido, o governo permitiu que as empresas demitissem os funcionários durante o período mais agudo de restrições e garantiu a renda das pessoas por meio de pagamentos que saíram diretamente dos cofres públicos. Com isso, os trabalhadores, na prática, ficaram em casa bancados pelo Estado e — em tese — tiveram condições de reavaliar sua relação com o trabalho e eventualmente notar que poderiam seguir caminhos profissionais diferentes no futuro.

Numa visão completamente diferente, os países europeus inicialmente correram para garantir os empregos: as empresas não demitiram, mas os recursos para o pagamento dos empregados, numa espécie de megaseguro-desemprego, saíram dos Tesouros nacionais. Dessa forma, assim que foi possível, as pessoas retomaram suas funções e a vida das empresas seguiu adiante sem que necessariamente precisassem se preocupar com rotatividade. Essas duas estratégias, agora, mostram seus efeitos. Estaria aí uma das explicações para os pedidos de demissão em massa não se replicassem em outros países ricos que não os Estados Unidos.

Problemas em série

O boleto para as empresas americanas de certa forma chegou, nesse aspecto. Os executivos hoje discutem como fazer para impedir novas demissões e atrair mais pessoas para cobrir as vagas, tudo em meio a uma alta histórica da inflação, problemas com cadeias de fornecimento e aumentos das médias de remuneração (estes bastante naturais em momentos de escassez de mão de obra).

Interessante observar que o fenômeno não está ligado apenas aos postos de maior qualificação, como aqueles ocupados pelos talentos tão cobiçados por empresas de tecnologia e startups com os bolsos cheios de dinheiro de investidores. Um estudo do FMI mencionado em reportagem do Financial Times mostrou que o contexto influencia também a busca de maior satisfação no trabalho — com reconhecimento, remuneração e jornada adequados — por pessoas que atuam nos segmentos de lazer, hospedagem e entretenimento. Diante da experiência da pandemia, esses trabalhadores se perguntam se não deveriam aproveitar o ensejo para ir atrás de oportunidades mais compensadoras. Completam esse quadro as novas preocupações com cuidado com filhos em idade escolar com o vaivém das ondas da covid-19 e a necessidade de reequilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

Uma saída, do ponto de vida das empresas, está na oferta de condições melhores de trabalho e, principalmente, de valorização das pessoas, respeito e propósito — bem na linha do que preconiza o “S” do ESG. Pesquisa da consultoria Hired feita com 650 plataformas que conectam empregadores e empregados sugere alguns pontos em comum na jornada das empresas que têm mais sucesso na reocupação de vagas. Um deles diz respeito ao aumento da oferta de empregos para parcelas da população subrepresentadas; outro está relacionado a uma maior transparência sobre remuneração. O cenário indica, portanto, que reverter essa renúncia de grandes proporções vai demandar jogo de cintura e criatividade das empresas. Se não fizerem isso, correm o risco de ver atividades gravemente prejudicadas por falta de braços — ou mentes.

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